DINHEIRO ? No conceito das três ondas de economia que o sr. descreve, em qual o Brasil está?
ALVIN TOFFLER ? Eu vejo o Brasil como três países distintos. Cada um deles com as suas características. A Primeira Onda ainda é muito presente no País. Nessa onda, as pessoas trabalham como os seus ancestrais, o processo é o mesmo feito há centenas de anos. As pessoas produzem o suficiente para sobreviver. É um dos poucos países com essas características nos dias de hoje. Mas há também um Brasil que está na Segunda Onda. Nela, vive-se em uma economia industrial, em grandes cidades urbanizadas e poluídas, com rígidos horários e nenhuma preocupação com o conhecimento. Numa fatia menor, existe o Brasil que ingressa na Terceira Onda, em que as pessoas trabalham por meio do conhecimento, usam computadores e valorizam as idéias.

DINHEIRO ? As desigualdades econômicas são obstáculos para o Brasil entrar na Terceira Onda? Afinal, como investir em conhecimento se ainda há pessoas morrendo de fome?
TOFFLER ? As pessoas temem que a economia do conhecimento crie mais desigualdade, mas é exatamente o oposto. A dificuldade de ingressar as pessoas no mundo da tecnologia acontece em vários lugares do mundo, como os Estados Unidos. Porém, não deve ser interrompido, é necessário manter os investimentos. A passagem para a Terceira Onda é um processo de longo prazo, muito profundo, e não vai se interromper de uma hora para outra. O problema é que o Brasil sempre conduz as suas diretrizes pela trilha do obsoleto. Segue um modelo de esquerda obsoleto ou de direita obsoleto. Acredito que a eleição de Lula abre uma janela de novas oportunidades e deve chegar a hora de romper com o passado, com esses modelos políticos completamente arcaicos que imperam no Brasil. Isso não significa também que o governo de Lula tenha de buscar o centro político. É possível fazer uma esquerda ou uma direita moderna. O Lula tem de procurar o futuro.

DINHEIRO ? E o que é esse futuro?
TOFFLER ? Ele independe dessas posições políticas. Ele passa pelo conhecimento.

DINHEIRO ? E como o novo governo pode chegar lá?
TOFFLER ? A primeira coisa a fazer é desconfiar de todas as informações econômicas já existentes. A razão para isso é que gente muito inteligente, muitos economistas, desenvolve conjuntos de instrumentos e ferramentas para tentar entender e antecipar uma economia industrial, que é arcaica. O futuro não é mais uma economia industrial. Na economia industrial, a forma fundamental de mão-de-obra está baseada na força muscular e a economia do amanhã está voltada para a mente, para o conhecimento.

DINHEIRO ? Isso significa que até agora só repetimos os modelos do passado?
TOFFLER ? Isso significa que todos os nossos métodos econômicos exigem reavaliação. Um dos melhores exemplos é a forma de medição de produtividade feita pelos economistas hoje. É uma fórmula baseada em número de unidades produzidas dividas pelo número de horas de trabalho. Acontece que horas trabalhadas e produção não significam nada na economia do amanhã. Afinal, você pode ter uma idéia muito poderosa e produtiva em um segundo, que vai render muito mais poder produtivo do que dez mil horas gastas na linha de montagem. As definições tradicionais são obsoletas.

DINHEIRO ? Como fugir disso?
TOFFLER ? A questão maior para o Brasil neste momento é definir se a sua meta é de transformar-se numa economia de segunda onda, industrial, modelo que os economistas chamam de modernidade. Hoje, modernidade já é ontem. Os chineses entendem isso muito bem. Lá eu escuto que preciso entender que eles têm 900 milhões de pessoas na primeira onda e 300 milhões na segunda?. E costumavam dizer que tinham 10 milhões de pessoas na terceira onda. Isso foi há cinco anos. O número na terceira onda já triplicou. A questão para o Brasil é definir melhor esses conceitos e definir o enfoque.

DINHEIRO ? Os estragos do boom da Nova Economia deixaram traumas. Isso atrapalha a economia do conhecimento?
TOFFLER ? Quem pensa que a nova economia encerrou por causa da queda dos papéis das empresas de tecnologia na Bolsa está errado. Basta comparar com os dados históricos. Na Revolução Industrial, há 200 anos, alguns decretaram na Inglaterra que a revolução tinha chegado ao fim porque algumas indústrias têxteis haviam falido. Mas, na verdade, ela só estava começando. Um grande número de países avança rumo à terceira onda com velocidades diferentes e no meio há alguns retrocessos, mas o mundo precisa seguir rumo ao futuro. É o único caminho para acabar com a pobreza.

DINHEIRO ? O projeto Fome Zero anunciado pelo futuro presidente atende a essas características?
TOFFLER ? O Fome Zero é um bom começo. Admiro a postura do novo governo. Ele chamou toda a sociedade para enfrentar o drama da miséria. Se as crianças sofrem desnutrição, seus cérebros não vão funcionar direito. Não conheço detalhes do projeto. Mas gosto do que vi e ouvi. Uma vez, estive no Brasil com o presidente José Sarney e ele contou que iria investir US$ 6 bilhões para construir uma ferrovia do Norte para o Sul, começando na cidade natal dele, e perguntou a minha opinião. Eu disse que se o Brasil tivesse US$ 6 bilhões para investir, haveria formas melhores de aplicar esse dinheiro. Acho que o ideal seria destinar US$ 2 bilhões na Fome Zero. Na época, eu não usei esse nome do projeto atual, mas foi um nome equivalente. Mas para ter efeito é preciso ter continuidade. No segundo momento, acredito que seja necessário focar na educação.

DINHEIRO ? Qual é o melhor modelo de educação?
TOFFLER ? Temos um bom exemplo que aconteceu nos EUA em 1975 e que merece ser observado. Naquela época, ninguém sabia usar o microcomputador. Apenas umas 100 pessoas já estavam inteiradas do assunto, entre elas Bill Gates. Em 1995, cerca de 80 milhões de americanos já sabiam como usar o micro. Como aprenderam? Não foi na escola. Nenhum governo pagou para que acontecesse esse aprendizado. Foi um movimento expontâneo. Começou nas lojas, que vendiam os micros. Os vendedores eram adolescentes e quando vendiam o computador ensinavam o cliente a usá-lo. Os clientes voltavam para casa e descobriam que só apertar tais e tais botões não bastava. Então, eles precisavam de um guru. Quem foi o guru deles? Qualquer um que tivesse comprado um computador uma semana antes. Ocorreu uma transferência de conhecimento de pessoa para pessoa. Não houve professores, nem escolas, nem orçamento. Isso mostra que é possível excluir o fator político de alguns modelos de educação. É algo muito semelhante ao citado pelo educador Paulo Freire há algumas décadas. Ele foi um mestre para detalhar os caminhos do Brasil e as trilhas a seguir na educação. O Brasil já fez esse processo de conhecimento pessoa a pessoa em outras situações. Retratando o passado, o Freire se mostrou um grande futurólogo.

DINHEIRO ? O Estado não precisa ocupar o papel de liderança no processo educacional?
TOFFLER ? Esse modelo do aprendizado do uso do micro é apenas um exemplo. Acho que seria necessário permitir às escolas uma maior reflexão sobre as diversidades culturais do País. Tem certas coisas que todos deveriam aprender, como a leitura e os conceitos básicos da matemática. Diga-se de passagem que eu só aprendi os conceitos básicos mesmo. Detesto matemática. Porém, há muitas outras coisas que as pessoas deveriam aprender e precisam ter motivação para aprender. Portanto, eu diria que o que temos agora é um modelo focado na produção em massa. Isso vale para os EUA, para o Japão e também para o Brasil. Estamos ensinando um currículo formal, mas dissimulado. Lecionamos disciplinas industriais. O importante é arranjar um emprego, ser pontual, não questionar o chefe. A escola significa uma preparação para viver um esquema de trabalho repetitivo e rotineiro. O que precisamos é que os brasileiros se perguntem qual o futuro que as crianças de hoje viverão amanhã.

DINHEIRO ? Os pais acreditam que assim estão preparando os filhos para o futuro?
TOFFLER ? Sem dúvida. Quando uma criança questiona os pais o motivo pelo qual precisa aprender álgebra, o pai diz: ?Você vai usar isso no futuro.? No entanto, o pai não sabe como será o futuro. É preciso identificar as aptidões que as crianças devem desenvolver para sobreviver daqui a 15 anos.

DINHEIRO ? Como o conhecimento pode ajudar no combate à miséria?
TOFFLER ? A única esperança de escapar da miséria é habilitar as pessoas para que elas produzam mais. Só obtemos isso através do conhecimento.

DINHEIRO – Mas quem pode determinar o que deve ser ensinado?
TOFFLER ? Acho que o Brasil não deveria ter um modelo único de ensino. Deveria aproveitar a diversidade do País para desenvolver talentos para o futuro. As decisões de educação devem ser tomadas em nível de Estado, ele deve determinar quais os itens a ser ensinados a todos. Mas são as autoridades locais que devem definir o que deve ser ensinado nas suas comunidades, os conceitos que atendem às necessidades locais. Não é só uma questão de tópicos diferentes, mas uma pedagogia diferente. Diferentes métodos, o que permitiria que as escolas participem desse esforço. Não é possível ensinar, numa escola, sem uma parceria com a imprensa, a sociedade civil e os interesses econômicas da sociedade. Só que neste momento, os burocratas da educação não querem intervenção externa. Diferente do que aconteceu na comunidade empresarial. Ela já aprendeu que não consegue realizar grandes projetos sem parcerias e alianças estratégicas com forças externas.

DINHEIRO ? O sr. acha que a economia brasileira está preparada para competir de igual no processo de globalização?
TOFFLER ? Acho que a ênfase da economia brasileira não deveria estar nas exportações. O novo governo precisa investir em cultivos para serem consumidos pelos próprios brasileiros. A etapa de exportações deve acontecer depois que todos os brasileiros estiverem saciados. As empresas agrícolas não vão gostar disso não. Mas acho que essa é a saída para o País resolver o problema da miséria. Acho que em tecnologia o País deveria sim aproveitar a experiência dos outros países e participar ativamente. Deve-se investir, mesmo que em pequenas quantidades, em tecnologia, o governo não pode esquecer essa trilha.