A tarefa de enxergar o futuro não atemoriza Armínio Fraga. O presidente do Banco Central vem de uma longa batalha contra todos os que apostaram na alta ilimitada do dólar frente ao real e está aliviado. Diante das sucessivas valorizações da moeda brasileira, diz que o pior já passou e conta à DINHEIRO como se sentiu durante a luta. ?Procurei manter o sangue frio e agir racionalmente, mas confesso que quando o fluxo de capital secou, me senti bem pouco à vontade?, lembra a respeito das semanas posteriores ao dia 11 de setembro. Acrescenta que entre seus adversários, como se toda a crise internacional não fosse suficiente, estavam alguns bancos privados nacionais, e revela que para batê-los teve de usar truques de dissimulação. ?Se você chama essa turma para uma conversa, eles acham que o governo está desesperado e dobram a aposta?, assegura. ?Dessa vez, o tiro deles saiu pela culatra?, conclui num sorriso discreto, sentado no banco traseiro do Marea preto que serve à presidência do Banco Central. Estamos a caminho do aeroporto de Brasília onde, no final da tarde da quinta-feira 13, Armínio embarcaria para o Rio de Janeiro. No vôo, despachou com o diretor de Política Econômica do BC, Ilan Goldfajn, preocupado com a chuva que o esperava no Galeão. Se ela persistisse até o fim-de-semana, Armínio não poderia jogar golfe com o filho Sylvio, 14. ?É a hora em que eu aproveito para relaxar um pouco e colocar a conversa com ele em dia?, declina. Na entrevista a seguir, o presidente do BC explica em detalhes a formidável batalha do real contra o dólar e garante: ?As perspectivas para 2002 são muito boas?.

DINHEIRO ? O real venceu o dólar?
ARMÍNIO FRAGA ?
O real venceu a si mesmo. Nossa moeda superou um momento psicológico de pânico e o que estamos assistindo agora é o resgate da sua confiança. A boa notícia é que essa volta do real aconteceu a partir de um cenário que mostra o fortalecimento da economia, tanto do lado institucional ? sistema financeiro saudável e situação fiscal responsável ? como da virada no saldo comercial. Isso significa que a apreciação do real não é uma coisa de momento.

DINHEIRO ? Já dá para cantar vitória?
FRAGA ?
Não, porque a luta é permanente. Os riscos não são apenas externos, de um novo problema no mundo, mas também de nós relaxarmos e, no fundo, abandonarmos o que é hoje um caminho de desenvolvimento muito bom. O ano 2000 foi prova disso. Nós colocamos a casa em ordem e a economia respondeu muito bem, com produtividade crescendo e investimento aumentando. É importante dar continuidade a esse processo.

DINHEIRO ? Quando o dólar foi a R$ 2,84, o sr. sentiu medo?
FRAGA ?
Olha, eu procuro manter o sangue frio e continuar agindo de maneira racional. Mas tenho de admitir que no momento em que os fluxos de capital secaram, a partir daquela situação de setembro, confesso que não me senti nada à vontade nem satisfeito. Mas essa situação recente não foi muito diferente daquela que vivemos em 1999. Eu também já tinha tido uma experiência semelhante no governo em 1991. Como havia a convicção de que as coisas aqui no Brasil vinham mudando para melhor, o que houve do meu lado foi um mal-estar, não mais do que isso.

 

DINHEIRO ? Como começou a virada?
FRAGA ?
A minha impressão é que houve uma série de eventos. Cito ações de política monetária, como o enxugamento de liquidez, mas também a decisão de intervir no mercado, assim como outros movimentos, caso do diferimento das perdas cambiais, um trabalho da Comissão de Valores Mobiliários. Depois, teve o entendimento de que as nossas contas de balanço de pagamentos, em particular o saldo comercial, haviam dado uma guinada.

DINHEIRO ? O que mais?
FRAGA ?
A própria dinâmica do mercado. Quando o mercado exagera e entra neste tipo de pânico, as pessoas e empresas acabam tomando posições também exageradas. Aí, quando as coisas começam a virar, há um súbito entendimento de que, de repente, se comprou dólar demais. Isso leva a uma desova, o que também ajuda a corrigir excessos. A semente do pânico gera a sua reversão.

DINHEIRO ? Houve muita especulação?
FRAGA ?
Um ou outro banco pode ter feito essa aposta contra a moeda, mas jamais chamaríamos um banco para dizer ?desfaça a sua posição?. Isso tem de acontecer por moto próprio. Muitos dos que montaram posição perderam dinheiro. Nós temos de trabalhar para que isso não se transforme num evento de impacto macroeconômico. Aliás, minha experiência em relação a isso é a de que quando o governo assume este tipo de postura, de conversar diretamente com bancos, sinaliza fragilidade para o mercado. O tiro sai pela culatra. O efeito é o oposto ao desejado. A turma olha e diz: ?eles estão desesperados, vamos dobrar a nossa aposta porque ela é boa?.

DINHEIRO ? O sr. age como psicólogo?
FRAGA ?
Meu trabalho tem alguma coisa de psicologia, mas
qual não tem?

DINHEIRO ? Por que o BC parou com leilões?
FRAGA ?
Foi apenas o fim de um ciclo. Nós tínhamos concluído lá atrás que isso seria algo necessário apenas temporariamente.

DINHEIRO ? Qual é o dólar ideal?
FRAGA ?
A decisão de vender os US$ 6 bilhões de maneira gradual e diária lá atrás tinha exatamente o objetivo de não sinalizar um nível para o dólar. E o fim dessa fase também não deve dar esse sinal.

DINHEIRO ? Um dólar baixo não prejudica as exportações?
FRAGA ?
Boa parte do movimento de depreciação que nós vimos ao longo desses últimos três anos, a partir da flutuação do real, foi um reflexo de um balanço de pagamentos que precisava se ajustar até para permitir uma taxa de crescimento maior da economia. Isso mostra que o câmbio flutuante tem um papel importante a cumprir. Eu estou tranqüilo e acho que a balança irá se equilibrar.

DINHEIRO ? Na faixa atual do dólar?
FRAGA ?
Não necessariamente. O câmbio flutuará, mas espero que menos do que antes. Se vai ficar acima ou abaixo do que está hoje, é algo que temos de acompanhar e entender, mas não abafar.

DINHEIRO ? Quanto custou a crise?
FRAGA ?
É possível quantificar da seguinte forma: no início do ano, tínhamos uma expectativa de crescimento de 4,5%. Aí vieram os choque todos, externos e o interno, da crise de energia. Vamos, assim, acabar com um crescimento de 2%. Então houve um custo, mas é possível ter uma visão positiva do que aconteceu. Apesar desses choques, nós ainda assim conseguimos crescer 2%.

DINHEIRO ? E a imagem do Brasil lá fora?
FRAGA ?
Olha, o México tem conseguido hoje em dia manter um prêmio de risco mais baixo do que o nosso, mas não há nada de estrutural que nos impeça de chegar lá.

DINHEIRO ? Quando os juros cairão?
FRAGA ?
Se nós tivermos sorte, veremos um processo de queda
na inflação. O BC saberá responder a isso, como já fez no passado. Mas temos de acompanhar os fatos e ter segurança para agir
nessa direção.