A visita prevista do rei Charles III à França foi adiada, em função dos violentos protestos contra a impopular reforma da Previdência promovida pelo presidente Emmanuel Macron, a qual os sindicatos pediram, nesta sexta-feira (24), que seja “pausada” para se negociar uma solução para a crise.

“Não seríamos sérios e pecaríamos pela falta de bom senso, se propuséssemos ao rei e à rainha consorte [Camilla] para virem para uma visita de Estado em meio às manifestações”, declarou Macron, em entrevista coletiva em Bruxelas, ao fim de uma cúpula europeia.

A convocação por parte dos sindicatos de uma nova mobilização na terça-feira (28) contra a reforma previdenciária obrigou Londres e Paris a adiarem a visita para uma data ainda não anunciada, mas, segundo o presidente Macron, poderia acontecer “no início do verão” (hemisfério norte), quando a situação se acalmar.

A oposição reagiu rapidamente ao anúncio. O político Éric Ciotti (direita) criticou que o governo “não seja capaz de garantir a segurança de um chefe de Estado”, e Jean-Luc Mélenchon (esquerda) comemorou que a “censura popular” tenha acabado com o “jantar de reis em Versalhes”.

“Após uma conversa por telefone entre o presidente e o rei esta manhã, os governos francês e britânico tomaram esta decisão de receber Sua Majestade o rei Charles III nas condições que correspondem à nossa relação de amizade”, havia anunciado a Presidência francesa, em um comunicado divulgado mais cedo.

O casal real “espera com grande interesse a oportunidade de visitar a França assim que for possível acertar datas”, disse o Palácio de Buckingham logo depois.

De acordo com um porta-voz do Executivo britânico, de Londres, a decisão foi tomada a pedido de Macron.

Charles III pretendia iniciar na França sua primeira viagem ao exterior desde que chegou ao trono. Na segunda-feira (27), participaria de uma homenagem no Arco do Triunfo e de um jantar no Palácio de Versalhes, antes de viajar para Bordeaux (sudoeste) na terça-feira.

A tensão alcançou um novo nível na quinta-feira (23), com um incêndio no acesso à prefeitura de Bordeaux, “cenas de caos” em Rennes (oeste), jatos d’água sendo usados pela polícia em Lille (norte) e Toulouse (sul) e distúrbios nas ruas de Paris, entre outros episódios.

O governo britânico havia afirmado nesse mesmo dia “não ter conhecimento de qualquer mudança de planos”, apesar de os sindicatos terem ameaçado perturbar a visita, sobretudo, durante sua etapa em Bordeaux.

– “Pausa” –

Desde janeiro, Macron enfrenta uma forte oposição ao seu plano de adiar a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos até 2030 e de antecipar para 2027 a exigência de contribuir durante 43 anos, em vez de 42, para receber seu valor integral.

Depois de semanas de manifestações pacíficas e multitudinárias convocadas pelos sindicatos desde janeiro, os protestos se intensificaram em 16 de março, quando o presidente anunciou a decisão de aprovar sua reforma por decreto, temendo perder a votação no Parlamento.

Desde então, centenas de pessoas, jovens em sua maioria, foram às ruas de Paris e de outras cidades à noite, queimando latas de lixo no caminho, enfrentando uma polícia na mira por acusações de violência.

Uma entrevista de Macron na quarta-feira, na qual ele disse “assumir” a “impopularidade” de sua reforma e acusou oposição, sindicatos e manifestantes radicais “sediciosos”, contribuiu para esquentar os ânimos.

Ao todo, 457 pessoas foram presas, e 441 policiais e gendarmes ficaram feridos na quinta-feira, disse o ministro do Interior, Gérald Darmanin, que denunciou a “radicalização” de alguns manifestantes e atacou a “extrema esquerda”.

Para evitar um “drama” e sair da crise social, o líder da CFDT — o principal sindicato —, Laurent Berger, propôs a Macron, em declaração na rádio RTL nesta sexta-feira, “um tempo de escuta, diálogo e de pausar a reforma da Previdência”.

Berger pediu “seis meses para examinar (…) como poder colocar as coisas de volta nos trilhos” sobre o trabalho e as aposentadorias, citando, por exemplo, o emprego de trabalhadores mais velhos, “o desgaste no trabalho”, ou “as adaptações no fim da carreira”.

Até o momento, Macron tem-se mostrado, inflexível a qualquer mudança. O governo alega que a reforma, que pretende aplicar “até o final do ano” após a eventual aprovação final por parte do Conselho Constitucional, tem como objetivo evitar um futuro déficit na caixa da Previdência.

Mas o presidente está sob pressão.

Pelo menos 70% dos franceses consideram o governo responsável pela violência, de acordo com uma pesquisa feita ontem pela Odoxa.

À espera de uma solução para o conflito social, a oposição e os sindicatos se mantêm firmes. Nesta sexta-feira e no fim de semana, haverá novo cancelamento de trens e voos, enquanto continua a greve nas refinarias e na coleta de lixo em Paris.