Precursor do pensamento anticolonialista morreu em 1961, poucos meses antes da independência da Argélia da França. Intelectual dedicou seus últimos anos de vida à causa argelina e à unidade africana.Frantz Fanon teve uma vida breve: morreu de leucemia em 6 de dezembro de 1961, aos 36 anos, perto de Washington, capital dos Estados Unidos. Não chegou a ver a independência da Argélia, pela qual dedicou seus últimos anos de vida. Neste domingo (20/07), é comemorado o centenário de seu nascimento.

Para os argelinos, o psiquiatra, teórico da descolonização e combatente ativo da Frente de Libertação Nacional (FLN) continua sendo um dos heróis da independência da Argélia da França. Ainda assim, sua atuação durante a guerra de libertação e sua obra permanecem em grande parte desconhecidas do grande público fora do país.

A luta pela unidade africana

“Muita gente que sabia que eu era filha de Fanon me encarava, enquanto eu era apenas uma criança”, relembra à DW Mireille Fanon Mendès France, filha mais velha do pensador. Como copresidente da Fundação Frantz Fanon, Mireille diz ter poucas lembranças do pai e que conviveram pouco.

Ainda na juventude, ela mergulhou na obra literária do pai, focada na psicologia do colonialismo e do racismo. “É uma reflexão sobre o conceito de solidariedade, sobre o que significa solidariedade num momento de guerra, de resistência”, afirma. Segundo ela, Fanon deixava claro que a luta pela independência da Argélia não era apenas para benefício dos argelinos — tratava-se também de um projeto de unidade africana. “E essa unidade africana… ainda não foi alcançada.”

Em seu apartamento em Paris, Alice Cherki, de 89 anos, revisita antigos documentos de sua juventude, vivida durante a guerra da Argélia (1954 a 1962). “Naquela época, eu já sabia que se tratava de colonialismo”, recorda. Ela conheceu bem Frantz Fanon. Nos anos 1950, trabalhou como médica assistente ao lado dele na clínica psiquiátrica de Blida, na Argélia.

Naquele hospital, Fanon não apenas cuidava dos doentes, mas também usava seu cargo de chefe de departamento para ajudar nacionalistas argelinos. “Recebíamos os feridos, os combatentes que vinham até aqui”, diz Cherki. Fanon teria criado uma clínica de atendimento diurno de fachada dentro do hospital. Na prática, servia para acolher secretamente os feridos e aqueles que precisavam de cuidados para se recuperar.

Engajamento na causa argelina

No início da guerra da Argélia, Fanon conciliou sua atuação com os nacionalistas argelinos e como psiquiatra. Estabeleceu contatos com oficiais do Exército de Libertação Nacional e com líderes da FLN, especialmente com figuras influentes como Abane Ramdane e Benyoucef Benkhedda. A partir de 1956, engajou-se por completo na “causa argelina”.

O historiador Amzat Boukari Yabara, autor do livro “Africa Unite” (2014), que traça a história do panafricanismo, destaca a importância da renúncia de Fanon ao seu cargo de médico no outono de 1956.

“Nesse momento, ele já havia estabelecido contatos com diversos membros da FLN e, posteriormente, parte para Túnis, onde uma filial da organização foi criada”, explica Yabara. “A partir de Túnis, ele participa da luta escrevendo para o jornal El Moudjahid, da FLN, sob pseudônimo, para acompanhar a revolução.” No final dos anos 1950 e início dos 1960, Fanon torna-se embaixador do governo provisório da República Argelina em Acra, atuando como embaixador itinerante para a África subsaariana.

Sistema colonial francês

Frantz Fanon, que passou a se declarar “argelino”, escreveu alguns dos textos mais influentes do movimento anticolonialista. Seu principal legado é “Os Condenados da Terra”, de 1961 — publicado pouco antes de sua morte, com prefácio de Jean-Paul Sartre.

Nascido na colônia francesa da Martinica, Fanon cresceu em uma sociedade colonial francesa e foi profundamente marcado por suas experiências. Aos 17 anos, alistou-se voluntariamente para lutar na Segunda Guerra Mundial em nome da França. Como homem negro, enfrentou o racismo cotidiano nas fileiras do exército francês. Após o conflito, estudou medicina e filosofia em Lyon. Posteriormente, mudou-se com a esposa Josie para Blida, na então Argélia francesa, onde tornou-se diretor da clínica psiquiátrica local.

Em 5 de julho de 1962, após oito anos de luta armada contra a potência colonial francesa, a Argélia conquistou sua independência. Historiadores estimam que cerca de 500 mil argelinos morreram no conflito. Do lado francês, o Ministério da Defesa contabiliza cerca de 25 mil militares mortos.

Memória viva

Anissa Boumediene, escritora, advogada e ex-primeira-dama da Argélia — viúva do presidente Houari Boumediene, que governou o país de 1965 a 1978 — ressalta a importância de Fanon: “Frantz Fanon também faz parte da história da Argélia. Ele defendeu a independência. Era uma pessoa infinitamente respeitável”, disse à DW.

No entanto, mesmo na Argélia, é preciso que se faça mais pela lembrança de Fanon, observa o escritor Lazhari Labter, que traduziu seus escritos para o árabe argelino: “As gerações de hoje, com o passar do tempo, deixam de conhecer a história do próprio país, especialmente sobre esse tema. E, claro, o nome de Fanon, fora de círculos muito restritos — como universidades e meios intelectuais —, diz pouco aos jovens. Talvez porque suas obras não sejam ensinadas nas escolas, nos colégios e nas universidades.”

Ainda assim, seu nome batiza ruas e uma biblioteca. E dois novos filmes — “Fanon”, de Jean-Claude Barny (lançado em abril dete ano), e “Frantz Fanon”, do diretor argelino Abdenour Zahzah (lançado em 2024) — buscam manter viva sua memória e seu pensamento anticolonial.