Frei Chico não é frei nem Francisco.
É José Ferreira da Silva, ?mano? do futuro presidente da República, o guia que levou Lula à vida sindical. Dono de um corpo roliço, já foi Zé Gordo. Dono de uma cabeça reluzente, já foi Zé Careca. A alcunha definitiva veio durante uma reunião e partiu de um antigo companheiro, Maurício Soares, então advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo e hoje prefeito da mesma cidade. ?Na fábrica, ninguém escapa de apelido?, diz ele. Hoje Frei Chico trabalha como consultor sindical. Com o irmão famoso, tem um relacionamento pessoal próximo, desses de freqüentar a casa nos domingos. É o mesmo relacionamento dos tempos de infância e adolescência, quando os dois jogavam bola juntos. Com ele, também compartilha uma profunda mágoa em relação ao pai. ?Eles nos maltratava muito?, diz Frei Chico. Mesmo nas recordações das caçadas nas cercanias do Guarujá, que em outras famílias seria um momento de união entre pai e filho, Frei Chico não consegue esconder o sentimento de revolta em relação à figura paterna. Em suas palavras, por exemplo, ele não era acompanhante do pai, mas ?a vítima escolhida? para segui-lo nas caçadas.

A mágoa contra a figura opressora fortaleceram a relação entre os dois irmãos. Mas, no campo político, a distância é tão antiga quanto a militância de ambos. Embora tenha levado Lula para as portas de fábricas, os dois nunca comungaram das mesmas idéias nesse departamento. Por isso, o primeiro irmão não tem um posto oficial na campanha, mas funções importantes. Ele, por exemplo, checa a veracidade das relações de parentesco alegadas por diversas pessoas nos últimos tempos. ?É impressionante o que apareceu de primos, tios, sobrinhos de uma hora para outra?, ironiza ele. Frei Chico também mantém alguns encontros mais políticos, digamos. Recentemente esteve com o empresário Benjamin Steinbruch, controlador do grupo Vicunha e da CSN. Taí um assunto sobre o qual ele não gosta de falar. ?Foi apenas uma conversa informal?, garante.

Aos 60 anos, ele mantém a eloqüência dos tempos de militância sindical, iniciada no começo dos anos 60 em São Paulo. Na ocasião, Frei Chico, ou Ziza, como era chamado pelos irmãos, fazia o papel de um estranho no ninho de sua própria família. Sua pregação contra o golpe militar de 1964 trombava com um muro de resistência de familiares e vizinhos. ?Eles me chamavam de comunista e diziam que eu podia ser preso?, diverte-se ele. Somente uma, não mais do que uma, semente prosperou. Em 1969, Frei Chico levou um dos irmãos para a diretoria do sindicato. Era Lula. ?Ele foi quem mais me influenciou no ingresso na política?, diz Lula.

No ingresso, sim. Depois, não. Filiado ao clandestino PCB desde 1971, Frei Chico queria apresentar ao irmão as idéias de Marx e Lenin. Emprestou um livro comprado em sebo, O que é a Constituição, e parou por aí. Lula nunca quis saber de filiações. Sobretudo depois de 1975, quando Frei Chico foi preso por agentes da repressão do governo militar. Passou 48 dias confinado entre a cela e a câmara de torturas. ?Ninguém ia para aquele lugar e saía inteiro?, recorda. Semanas após a libertação, Frei Chico caminhava em São Caetano e cruzou com um de seus algozes. ?Ele ficou desnorteado, mas não falei nada?, conta.

Perseguido, ele refugiou-se em uma atuação política discreta. Só no final dos anos 70, voltou à militância e chegou à presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano do Sul. Anos depois, em outro racha do Partidão, deixou a sigla. Mas nunca foi bem aceito no PT. Visto com desconfiança, preferiu evitar a militância mais estreita. ?Todos lá me tratam bem, mas prefiro ficar à distância?, diz. Mas trata-se do primeiro irmão e isso garante já de partida um lugar especial junto ao presidente da República.