O cenário econômico mundial vem esfriando o mercado de carnes e tem deixado as expectativas do setor literalmente na geladeira. Inflação global e custos mais altos, somados ao recuo da demanda e à renegociação de preços com os chineses, vêm desaquecendo os resultados dos grandes frigoríficos brasileiros. Nos últimos 12 meses, a Marfrig acumula queda de 69,1% nas suas ações; a BRF, de 57,3%; e a JBS, de 45,2%. A única grande empresa do setor listada em bolsa que manteve uma variação positiva foi a Minerva. Desde março de 2022, os papéis subiram 4,6%, conforme dados da B3. Para completar o quadro, doenças como a gripe aviária e o mal da vaca louca voltaram a assombrar o setor, colocando mais pressão sobre os frigoríficos.

Segundo relatório da Associação Brasileira de Frigiríficos (Abrafrigo) divulgado na quinta-feira (9), as exportações totais de carne bovina em fevereiro tiveram queda de 29% em valor e de 16% em volume na comparação com o mesmo mês de 2022.

Para o especialista em renda variável da Valor Investimentos, Paulo Luives, o resultado fraco do setor já era esperado devido a uma “desaceleração generalizada”. Segundo Luives, a BRF já vinha tendo problemas com uma estrutura de endividamento e alta dos custos, especialmente após o início da guerra da Ucrânia, que elevou os preços dos grãos usado nas rações das aves. Para o especialista, porém, o caso da vaca louca descoberto em fevereiro no Pará é um problema pontual, uma vez que foi considerado isolado. “A restrição às vendas é temporária. A tendência agora é de maior oferta de gado”, disse (leia mais no quadro).

A expectativa do mercado é de crescimento da economia da China, que deverá voltar ao patamar de 5% ante os 3,5% do ano passado. “Isso ajudará a elevar a demanda, porque a China é um player muito importante para demanda de proteína animal”, afirmou Luives.

Único dos grandes frigoríficos brasileiros a não perder valor de mercado segundo a B3 (confira os dados do gráfico), a Minerva informou que obteve uma receita bruta consolidada de R$ 32,9 bilhões em 2022, alta de 15% em comparação a 2021, com as exportações respondendo por cerca de 70% da receita. A Marfrig, que desde abril do ano passado se tornou controladora da BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, registrou prejuízo de R$ 628 milhões no quarto trimestre, ante lucro de R$ 650 milhões de igual período de 2021. No total de 2022, a líder global em produção de hambúrgueres e uma das maiores empresas de carne bovina do mundo registrou uma receita líquida de R$ 131 bilhões — aumento de 53% em relação ao ano anterior e uma marca considerada recorde. O lucro líquido atingiu R$ 4,2 bilhões e a geração de caixa medida pelo Ebitda ajustado ficou em R$ 12,7 bilhões. Esses resultados permitiram à Marfrig antecipar o pagamento de R$ 1,1 bilhão em dividendos a seus acionistas.

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“Já se esperava um resultado mais fraco desse setor, porque há uma desaceleração generalizada” Paulo Luives Analista Valor Investimentos.

ESTADOS UNIDOS Enquanto não sai o balanço da JBS, o Itaú BBA acompanhou os dados divulgados pela Pilgrim’s Pride, subsidiária de aves da JBS nos Estados Unidos, que reportou resultados negativos no último trimestre de 2022, com Ebitda 54% abaixo da estimativa do banco e 50% menor que as projeções da Bloomberg. Isso deve se refletir no consolidado da JBS, de acordo com a instituição.

Segundo o CEO da Box Asset Management, Fabrício Gonçalvez, o ciclo negativo americano vem impactado a indústria de carne no mundo. A hidrologia desfavorável e o aumento dos preços dos grãos levaram ao abate de fêmeas para aumentar a disponibilidade de gado. “Mas isso pode ser prejudicial no longo prazo”, disse Gonçalvez. Por outro lado, no Brasil as condições são melhores, com custo inferior de rebanho criado em pasto.

Alguns analistas, acham que o movimento agora é de correção dos preços dos frigoríficos, que surfaram na boa maré do mercado mundial em 2021, quando os preços subiram 60,9% e os volumes 53,3%. Em 2022, o Brasil obteve uma receita de US$ 13,091 bilhões no ano passado e movimentou 2.344.736 toneladas. As exportações no último ano cresceram 42% na receita e 26% no volume, atingindo as maiores marcas da série histórica do produto no Pais, conforme dados da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), que compilou os dados da Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério da Economia (Secex).

Vaca louca: medo antigo, risco presente

O mal da vaca louca, ou tecnicamente Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), foi detectado em um macho em uma pequena propriedade no município de Marabá (PA), em fevereiro. Conforme o protocolo da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), cabe à autoridade sanitária de cada país informar ao órgão. Apesar de ser considerado um caso isolado e não contagioso, ele trouxe à tona o pânico vivido nos anos 90, quando a doença se espalhou por rebanhos na Europa. Isso levou à suspensão das exportações e se refletiu nas vendas no início do ano, que recuaram 16% em volume e 29% em receitas só no mês de fevereiro de 2023, ante igual período de 2022, de acordo com a Abrafrigo. Mas o problema já está prestes a ser resolvido, segundo o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, uma vez que o Brasil já teria repassado as informações do caso isolado aos chineses, principais compradores de carne. Favaro deve ir à China em 22 de março em uma comitiva com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A expectativa é de que as negociações sejam concluídas no encontro.