13/08/2003 - 7:00
Roberto Marinho criou um código que todos os brasileiros entendem: plim-plim. Ao ouvir este sinal milhões se põem à frente da TV para acompanhar a novela, o jornal, o filme, o jogo, o programa de domingo. É quase um chamado, uma convocação para ver entrar no ar a maior rede de comunicação do Brasil, primeira da América Latina, quinta do mundo. O sinal acende 115 emissoras de norte a sul do País, cinco próprias e 108 afiliadas. Nenhuma outra empresa é tão onipresente quanto a Rede Globo de Televisão. Ela alcança 99,9% do território nacional. No ano passado, de cada 100 televisores ligados no Brasil, 54, em média, sintonizavam a Globo. E embora seja a grande vitrine do grupo, responsável por 70% da receita de R$ 5,7 bilhões, a TV é apenas parte do império construído por Marinho. No total, cerca de 100 empresas estão sob o guarda-chuva das Organizações Globo. A família controla a TV aberta, os jornais e o sistema de rádio. E divide com sócios a holding Globopar, que abriga gravadora, editora, gráfica, empresas de internet, TV paga (cabo e satélite), imóveis e conteúdo televisivo.
O império começou a ser construído em 1911, quando Irineu Marinho, o pai de Roberto, fundou o jornal A Noite. Quinze anos depois, A Noite deu lugar a O Globo, mas Irineu não viveu para ver sua semente germinar. Morreu 21 dias após cortar a fita do vespertino (naquela época O Globo não circulava no período da manhã). Aos 20 anos, Roberto Marinho ainda era muito jovem e inexperiente para assumir o jornal. Preferiu delegar a missão ao redator-chefe. Juntou-se então à equipe de redação para aprender o ofício como um simples repórter. Botou afinco no trabalho. Chegava às 4 da manhã e não saía antes das 7 da noite. Seis anos depois, assumiu definitivamente o jornal.
Começava uma das mais consistentes trajetórias de crescimento de um grupo nacional. Marinho tinha algo que seus potenciais concorrentes não imaginavam: a capacidade de estar em sintonia com a mídia do momento. Se em 1944 o rádio galvanizava as atenções do mundo por conta da II Guerra Mundial, o empresário estava pronto a colocar no ar a sua emissora ? a Rádio Globo do Rio de Janeiro, embrião do Sistema Globo de Rádio. Quando a televisão se tornou a bola da vez, lá estava Marinho de novo. Em 1957, sete anos após a novidade chegar ao Brasil, ele já tinha uma concessão e se articulava para lançar a TV Globo, que entraria no ar em 1965. Aos 60 anos, o empresário fazia a jogada que o levaria à posição de barão das comunicações. Por que ele e não Assis Chateaubriand, da Tupi, ou Paulo Machado de Carvalho, da Record, que saíram na frente mas não foram tão longe? Porque Marinho criou um modelo inovador para o negócio ainda desconhecido. Antes dos demais, vislumbrou uma rede de TV que sustentaria seu crescimento numa estratégia de ?franquias?. Como queria cobertura total do território nacional, algo financeiramente inviável apenas com emissoras próprias, a saída foi atrair afiliados, que aos poucos foram costurando uma teia sobre o País: a Rede Globo de Televisão. Garantida a capilaridade, faltava uniformizar o sistema. Era a deixa para a estréia do padrão Globo de qualidade, baseado em regras simples, como respeito à programação e aos princípios éticos e estéticos definidos no Rio de Janeiro. O know-how foi obtido graças à associação estratégica com o grupo Time-Life, potência do setor nos EUA. Além de dólares, a parceria, encerrada em 1969, rendeu frutos na organização comercial do empreendimento ? uma espécie de McDonald?s das comunicações ? e na interpretação dos índices de audiência. O mo-delo se mantém firme: ainda hoje 96% da rede pertence a grupos afiliados.
Conquistado o Brasil, nos anos 80 a Globo partiu para uma aventura internacional. E conheceu seu primeiro revés. Entre 1985 e 1994, Globo e RAI, a TV estatal italiana, foram sócias na Tele Montecarlo, emissora baseada no principado de Mônaco. ?A experiência da Tele Montecarlo foi um fracasso?, relata Roberto Irineu, filho de Marinho e atual vice-presidente do grupo, no Projeto Memória, das Organizações Globo. A Globo ainda entrou na sociedade que constituiu a SIC, primeira TV privada de Portugal. O sonho de expansão internacional acabou, porém, por uma admitida mistura de erros administrativos e desconhecimento do jogo político na Europa.
Com o foco novamente voltado para o Brasil, Marinho deu início à terceira fase da expansão das Organizações Globo, marcada por um forte processo de diversificação. ?O setor de comunicação estava em alta com o crescimento dos negócios envolvendo a internet e as TVs pagas. A família Marinho apostou tudo nisso?, conta o consultor Walter Longo, da empresa Synapsys. Apostar tudo significou, então, reservar R$ 2 bilhões para novos projetos. Nasceu a associação com a News Corporation, de Ruppert Murdoch, em TV por satélite. ?Quando decidi investir no mercado brasileiro, a parceria com a Globo era uma escolha natural?, disse Murdoch à DINHEIRO. ?Roberto Marinho era um grande empreendedor?. Veio o pacote de TV a cabo, onde estão as empresas Net. E, por fim, Globosat (conteúdo para TV a cabo) e o portal Globo.com ? todos sob controle da nova holding familiar, a Globopar.
Ao mesmo tempo em que abria novos negócios, Roberto Marinho cuidava da sucessão. Deu a cada um dos três filhos poderes de conselheiros em áreas específicas, contratou executivos para tocar o dia-a-dia e se afastou. Roberto Irineu ficou responsável pelas estratégias na divisão de novos negócios. João Roberto assumiu a parte de relações Institucionais e José Roberto, educação e terceiro setor. ?O grande teste da sucessão vai começar agora?, diz o consultor Renato Bernhoeft. O triunvirato assumiu no final dos anos 90 tendo que contornar alguns problemas. Os setores de TV paga e internet começaram a dar sinais de enfraquecimento. A Globo havia contraído empréstimo em moeda estrangeira para montar a
Globopar e a combinação destes dois fatores resultou num endividamento atual de US$ 1,3 bilhão ? grande parte dos débitos ligados à operadora Net Serviços. Diante do quadro, o grupo
deu início a um processo de reestruturação que prevê o alongamento da dívida, redução das taxas de juros e capitalização. Os dois primeiros itens estão sendo negociados com os bancos. A capitalização virá de duas formas: venda de ativos e possível entrada de sócios. Roberto Irineu já declarou que admite vender a Net Serviços se os resultados não melhorarem. Na semana passada, a operadora a cabo registrou o primeiro lucro de sua história, mas as dívidas ainda são grandes. O que anima na Net é seu potencial. Ela tem a maior estrutura de cabo do País. Poderia servir a 6 milhões de assinantes, mas atende apenas 1,5 milhão. Enquanto não equilibra a operadora, a família Marinho procura outros meios de reduzir as dívidas. Uma opção seria a chegada de um sócio estrangeiro. Analistas que acompanham o grupo garantem que as Organizações Globo estão prontas para abrir o capital.