1.jpg

CASTELLO BRANCO, PRESIDENTE: “Temos 66 mil acionistas. Somos uma empresa pública e, por isso, temos que prestar contas”

 

O senhor aí ao lado recebeu R$ 770 mil em salários no ano passado. Além disso, embolsou outro R$ 1,8 milhão, a título de bônus. Mais R$ 1,4 milhão entrou em sua conta bancária neste ano, como parte de seu pacote de remuneração variável também referente ao desempenho de 2008. Some-se a isso R$ 65 mil de um plano de previdência privada. Resultado: Marco Antônio Castello Branco recebeu pouco mais de R$ 4 milhões de remuneração por seu trabalho como presidente da Usiminas, uma das maiores siderúrgicas do País. Em condições normais de temperatura e pressão, Castello Branco, um mineiro de 48 anos, ficaria profundamente incomodado com a exposição pública dos valores estampados em seu contracheque. Afinal, desde sempre, falar abertamente em salários foge à etiqueta do mundo corporativo no Brasil. Trata-se de um tabu, daqueles que nem sequer são mencionados nas rodas sociais ou profissionais. Pois bem, todos os valores citados se encontram impressos no relatório anual da própria Usiminas, aprovado e assinado não só por Castello Branco como por Wilson Brumer, presidente do conselho de administração da companhia. Lá, estão também detalhes da remuneração de todos os diretores do grupo, assim como dos membros do conselho de administração e do conselho fiscal. Dessa forma, sabe-se que a Usiminas pagou para esse grupo de profissionais um total de R$ 43,66 milhões em 2008, incluindo aí os encargos sociais. Brumer, por exemplo, amealhou cerca de R$ 772 mil em 2008 para comandar o conselho de administração do grupo. ?A Usiminas tem 66 mil acionistas. É uma empresa pública e, assim, somos todos servidores públicos. Portanto, temos contas a prestar a todo esse universo?, diz Castello Branco.

2.jpg

Pioneira em derubar um tabu: a Usiminas, uma das maiores siderúrgicas do País, se antecipou à instrução normativa da CVM ao divulgar a remuneração de seus dirigentes

 

A iniciativa da Usiminas ganha relevância por diversos fatores. Primeiro: trata-se de uma atitude inédita no Brasil, e pode provocar profundas mudanças no universo corporativo, seja no ambiente interno das empresas, seja em fatores externos, como a segurança física e o aumento na cobrança por resultados. Mais: a iniciativa parte de um dos principais conglomerados industriais do País, com faturamento superior a R$ 21 bilhões e lucro líquido de R$ 3,2 bilhões. Além disso, é um passo corajoso rumo a uma política de transparência diante dos investidores e do mercado. ?O capitalismo exige que informações relevantes sejam públicas?, afirma Castello Branco. ?É um tabu a ser vencido no Brasil e que pode ser usado de maneira demagógica, mas isso é o ônus inevitável da mudança.? O executivo encara esse novo cenário com naturalidade. Por dois motivos. Primeiro: durante dez anos, trabalhou fora do País, na Alemanha e na França. Entre 2006 e 2008, ocupou uma diretoria estatutária do grupo francês Vallourec, e, em função dessa posição, tinha os valores de salários e bônus divulgados pela própria empresa anualmente. Nesse período, habitou-se a ver o assunto abordado em assembleias de acionistas, algumas delas com 500 participantes. Segundo: a crise financeira mundial colocou o tema na ordem do dia, já que muitos analistas atribuem os desmandos em bancos e empresas ao modelo de remuneração vigente nos EUA e na Europa. Mais: a própria Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, colocou em debate uma instrução normativa que exige que as companhias abertas revelem quanto pagam para cada um de seus diretores. ?A decisão da Usiminas deverá reforçar o debate sobre essa questão, além de acelerar a implantação de uma legislação desse tipo no Brasil?, diz Cláudio Antonio Pinheiro Machado Filho, professor da Faculdade de Administração e de Economia da USP. ?Mas tão importante quanto conhecer o valor do salário e do bônus é saber se os critérios de pagamento da remuneração variável são diretamente proporcionais ao desempenho da empresa.?

3.jpg

 

Por isso, a Usiminas está redesenhando sua política de remuneração, sobretudo a parte variável. ?Até agora, os bônus eram definidos de acordo com os dividendos pagos pela companhia?, diz Castello Branco. ?Vamos incluir outros critérios que possam atender às necessidades da empresa no curto e no longo prazo.? Por exemplo: numa situação de crise econômica, a preservação da geração de caixa é crucial para a saúde financeira da companhia e, por isso, pode se transformar numa meta para os executivos. Castello Branco defende a ideia que a divulgação de salários não seja uma iniciativa pontual ou um golpe de marketing. ?Nosso objetivo é criar um ambiente e uma cultura de transparência na companhia?, afirma ele. Por isso, outras medidas acompanharam o anúncio dos salários. A Usiminas começa a detalhar indicadores financeiros (Ebtida, receitas, lucro, etc) por cada ramo de negócios, como siderurgia, mineração, distribuição, entre outros. Ao mesmo tempo, criou o Papo Aberto, um programa de conversas mensais da diretoria, incluindo o presidente, com funcionários do chão de fábrica. Não há pauta definida e qualquer assunto pode ser abordado. ?Se, por motivos estratégicos, não pudermos responder a uma pergunta, explicamos o motivo?, diz Castello Branco. Um portal dirigido especialmente aos membros do conselho de administração entrou no ar. Lá, há o detalhamento e atualização cotidiana de informações que os conselheiros recebiam a cada três meses.

4.jpg

 

Essas medidas mudam o ambiente interno da companhia. Imagine, por exemplo, que cada diretor passa a saber quanto seu colega ganha mensalmente ? e isso pode gerar uma ciumeira generalizada. No caso da Usiminas, os salários dos diretores são rigorosamente iguais. ?Isso reforçou o sentimento de solidariedade no grupo?, diz Castello Branco. O presidente, porém, adverte que essa política não é necessariamente uma cláusula pétrea nos mandamentos da Usiminas. ?Mas essas decisões são colegiadas, tomadas pelo comitê de recursos humanos da companhia?, afirma ele. ?Então, os critérios e os motivos são amplamente discutidos.? O melhor antídoto para os eventuais contratempos gerados pela transparência é mais transparência ainda, pondera a psicóloga Adriana Gomes, do Núcleo em Gestão de Pessoas da Pós-Graduação da ESPM-SP. ?A empresa precisa deixar claro os critérios de remuneração adotados?, sugere ela. ?As disputas pessoais baseadas no ciúme e na ganância ficam minoradas diante de uma política de remuneração baseada na meritocracia.?

É crucial ter critérios de remuneração transparentes

Caso a divulgação dos salários se alastre pelo universo corporativo, os executivos também poderão comparar seus ganhos com os colegas de outras empresas do mesmo setor. Isso é agravado em função de uma característica do mercado brasileiro de executivos, identificada pelo headhunter Simon Franco. ?Aqui, a remuneração não é definida pelo tipo de posto, mas sim pela pessoa que vai ocupar determinada posição. Isso gera desconforto dentro de um grupo quando os salários são divulgados?, diz ele. Mas curiosamente no Brasil esse tema tem sido visto menos pelo lado da gestão corporativa e mais pelo ângulo, digamos, policial. Há quem acredite, por exemplo, que a divulgação desses dados pode comprometer a segurança dos executivos, já que eles se tornariam alvo potencial de ações criminosas, como sequestros. Com a palavra, um especialista: ?É prematuro dizer que isso possa motivar uma nova onda de sequestros de executivos?, afirma Erik Christisen, diretor do Grupo Graber e especialista em segurança. ?Devido ao enorme fosso que separa as pessoas no Brasil, está claro até para os criminosos que qualquer dirigente de uma grande empresa recebe um salário infinitamente maior que a média da população?, pondera. Segundo ele, as pessoas expostas à violência em função de sua condição financeira já adotam medidas de proteção, como a contratação de guardacostas. Lembra, porém, que a divulgação de dados sensíveis em uma época na qual os sites de busca são acessíveis a todos pode gerar um clima de insegurança entre os profissionais que têm a vida devassada. Castello Branco tem uma opinião firme sobre esse aspecto. ?A preocupação com a segurança é legítima, mas é esdrúxulo estabelecer relação de causa e efeito entre ela e a divulgação da remuneração?, afirma.

A polêmica perdurará nos próximos 90 dias, quando a CVM deverá editar a instrução normativa que regulará o tema. Para alguns estudiosos, o ideal seria um meio-termo. ?Nós defendemos que as empresas apresentem os dados de remuneração por cada bloco, ou seja, diretoria, conselho de administração, conselho fiscal, etc, deixando claro o que se refere a salário, bônus, ações e plano de saúde,?, propõe Mauro Cunha, presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, IB GC. ?Foi essa proposta que levamos à CVM, pois trata-se de um avanço em relação ao que existe hoje, que é a divulgação da verba total para remunerar os dirigentes.? Até que a CVM se pronuncie em definitivo, as críticas e os elogios à divulgação devem se acirrar. Os olhos estarão voltados para a experiência pioneira da Usiminas. Um trunfo, pelo menos, a empresa já tem. ?Ao sair na frente, ela se diferencia das demais companhias e mostra aos acionistas o tipo de incentivo que seus administradores recebem?, diz Cunha. E o principal: se os resultados apresentados por eles compensam o investimento.

5.jpg

O executivo Marco Antônio Castello Branco, presidente da Usiminas, falou à DINHEIRO sobre a divulgação da remuneração dos executivos da companhia.

 

DINHEIRO ? Por que a Usiminas decidiu divulgar a remuneração de seus executivos?
BRANCO ?
Quando fui convidado para assumir a presidência da empresa, uma das diretrizes estabelecidas foi melhorar a transparência da companhia e prepará-la para a internacionalização. Isso foi reforçado pelo debate em torno do modelo de remuneração dos executivos que a crise provocou no mercado brasileiro e no mundo.

DINHEIRO ? Essa divulgação não coloca em risco a segurança dos executivos?
BRANCO ?
A preocupação com a segurança é legítima, mas é esdrúxulo estabelecer uma relação de causa e efeito entre as duas coisas. A remuneração é apenas um dos sinais da condição financeira. Uma pessoa anda de Mercedes blindado, tem iate, frequenta restaurantes caros ? tudo isso já a expõe. A questão da segurança é criada pelas diferenças sociais e não pela divulgação dos salários.

DINHEIRO ? Como a opinião pública reagirá?
BRANCO ?
A sociedade já lida com informações como essa, oriundas de outros profissionais, como jogadores de futebol e celebridades. É um assunto tabu e que será superado à medida que essa prática for disseminada.

DINHEIRO ? A exposição do salário não cria um clima de ciumeira dentro da empresa?
BRANCO ?
Pode criar o medo do ?olho gordo?, sim. Pode também gerar o sentimento de vergonha: ou porque ele ganha menos do que os colegas ou porque ele ganha mais e fica constrangido com isso. Cada um, em sua intimidade, vai se confrontar com esses sentimentos. É necessário administrar isso dentro da companhia. Mas a ciumeira sempre existiu nas estruturas organizacionais e a divulgação dos salários será apenas mais um fator. Aliás, eu prefiro a ciumeira do que a falta de transparência.

DINHEIRO ? Os executivos também poderão reclamar que ganham menos do que os colegas da concorrência.
BRANCO ?
Os planos de cargos e salários são baseados em pesquisas de mercado. A Usiminas já considera o mercado na hora de definir a remuneração de seus profissionais. Portanto, isso não será novidade. De certa forma, as informações salariais já estão disponíveis no mercado. A própria imprensa divulga os valores de remuneração por cargos e por setores da economia.

DINHEIRO ? Quais foram os primeiros efeitos dessa decisão da Usiminas?
BRANCO ?
Foram muito positivos. Quebramos um tabu interno e nos antecipamos ao que vai acontecer num futuro breve. É melhor fazer por iniciativa própria do que pressionados por uma instrução normativa da CVM. Esse é um movimento saudável e facilita a percepção do acionista em relação ao seu investimento. A cobrança e o questionamento dele sobre os dirigentes vão aumentar, mas, repito, isso será saudável. Eu, particularmente, compartilho essa visão e estou orgulhoso em poder implantá-la na Usiminas.