Um misto de desconfiança e de negação da realidade predomina entre os funcionários das lojas físicas da Americanas, empresa que entrou em recuperação judicial há menos de duas semanas depois de divulgar “inconsistências” de R$ 20 bilhões em seus balanços. Com cerca de 1.800 pontos de vendas espalhados pelo País e também com forte presença no comércio online, a companhia tem cerca 45 mil funcionários e é um dos maiores empregadores do País.

Na última sexta-feira, 27, o Estadão visitou várias lojas da varejista na cidade de São Paulo e conversou com funcionários, sob a condição de anonimato. Eles disseram que a empresa mantém em dia o pagamento de salários e que, por ora, nada mudou na rotina de trabalho. Mas o que se percebe é que o clima entre os trabalhadores é dúbio: oscila entre o receio de perder o emprego e a “certeza” de que a crise na empresa não existe.

+BTG Pactual vê recuperação desigual de varejistas de vestuário no Brasil; corta C&A para “neutra”

Uma vendedora, com menos de um ano de empresa e salário de R$ 1.400, disse que nunca passou pela sua cabeça que a Americanas pudesse entrar em crise. Animada com a companhia, ela está sendo treinada para subir de cargo, virar supervisora e ganhar mais. Ainda assim, ela já começou a mandar currículo para concorrentes da rede. Em outra loja, outros funcionários também confirmaram que, na dúvida, começaram a se movimentar. Na empresa há quase um ano e meio, funcionária disse que não pode correr o risco de ficar sem dinheiro para pagar a faculdade.

Comunicado

Logo depois que a Justiça do Rio aceitou o pedido de recuperação judicial, no último dia 19, a Americanas enviou comunicado às lojas. Disse que a rede não vai falir e que “a recuperação judicial é justamente uma forma de empresas viáveis economicamente seguirem com suas operações, com seu caixa preservado e negociando com seus credores”. O comunicado esclarece também que “a lei prevê que os salários sejam pagos normalmente durante o período em que a empresa estiver em recuperação judicial”.

Na questão se haverá demissões, a Americanas afirmou que, neste momento, a companhia está focada na manutenção das operações. Em seguida, acrescentou que “um plano estratégico de otimização dos recursos está em andamento para que decisões que garantam a sustentabilidade da companhia tenham efeitos em curto prazo”. No entanto, ponderou que, “em processos como esse, é comum que haja reestruturação”.

É exatamente esse o ponto crucial para as lideranças sindicais. Na análise do presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, o que está escrito nas entrelinhas é que poderá haver demissões. “A empresa não responde claramente a pergunta se as demissões vão ocorrer, mas quem tem experiência sabe que, o que está dito na última frase, que cita a reestruturação, é isso.”

Bloqueio

Na última quarta-feira, seis centrais sindicais e duas confederações de trabalhadores ajuizaram uma ação civil pública na 8.ª Vara do Trabalho de Brasília para pedir que a Justiça bloqueie R$ 1,53 bilhão da conta pessoal dos principais acionistas da Americanas – o trio Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles -, com o argumento de que é necessário garantir que as 17 mil ações trabalhistas em curso contra a varejista sejam pagas.

O pedido de liminar foi assinado, além da UGT, pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), Força Sindical, CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores), Contracs-CUT (Confederação dos Trabalhadores no Comércio e Serviços) e CNTC (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio). Até a conclusão desta edição, a Justiça não havia se pronunciado sobre o pedido.

De acordo com Patah, a ação civil pública é para garantir os processos em curso. “Mas a intenção é conseguir sensibilizar o juiz para que os acionistas injetem os recursos necessários para cobrir a recuperação judicial”, afirmou o sindicalista.

Procurada, a Americanas informou, por meio de sua assessoria, que “ainda não foi notificada formalmente da ação e que se manifestará a seu respeito nos autos do processo, dentro dos prazos legais fixados”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.