Os fundos de pensão fecharam 2016 com rombo de R$ 70,6 bilhões, segundo levantamento da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), o xerife do setor. O dado preocupa por causa da rápida expansão do déficit do sistema, que subiu 700% em quatro anos – em 2012, o buraco era de R$ 9 bilhões. O rombo subiu para R$ 21 bilhões em 2013 e para R$ 31 bilhões no ano seguinte. O déficit atingiu seu ápice em 2015, quando somou R$ 77,8 bilhões.

A indústria dos fundos de pensão é composta por 307 entidades, que administram 1.137 planos de benefícios. Juntas, elas detêm quase R$ 800 bilhões em investimentos, que representam 12,6% do PIB nacional. São 7,2 milhões de associados, entre participantes que estão na ativa, dependentes e assistidos.

Um plano de aposentadoria registra déficit quando os ativos não são suficientes para pagar os benefícios previstos até o último participante vivo do plano. A nova regulação não exige o equacionamento de todo o déficit. A norma em vigor permite que planos com população mais jovem tenham mais tempo para administrar os desequilíbrios. Para cobrir o déficit, participantes e patrocinadores precisam injetar mais dinheiro nos planos por meio de contribuições extras.

Fundo de pensão é uma poupança formada por trabalhadores de uma mesma empresa com a finalidade de complementar a aposentadoria. O dinheiro é gerido por um colegiado com representantes indicados pelas empresas e pelos trabalhadores. Os maiores fundos são de empresas estatais, criados há mais tempo.

Dez planos concentram 88% do déficit de todo o sistema. Dos maiores, apenas a Previ (dos funcionários do Banco do Brasil) já informou que fechou 2016 com superávit de R$ 2 bilhões. Os balanços da Petros (Petrobras), Funcef (Caixa) e Postalis (Correios) ainda não foram divulgados, mas o Estado apurou que o déficit das três fundações somado deve ultrapassar R$ 30 bilhões. Entre participantes que ainda estão trabalhando, dependentes e assistidos, as três têm mais de um milhão de associados.

Ápice

O novo diretor-superintendente da Previc, Fábio Coelho, afirma que o “ápice” do déficit do segmento foi verificado em dezembro de 2015, quando bateu na ordem de 9% do total dos ativos. “A tendência é que nos próximos meses tenhamos uma redução maior”, afirma, em sua primeira entrevista exclusiva. Os elementos que devem contribuir para essa reversão, segundo ele, são a inflação mais controlada, a retomada da atividade e o comportamento mais benigno da Bolsa. “Nossa expectativa é que 2017 seja um ano de transição tanto do ponto de vista da mudança da supervisão como também da retomada dos ativos”, diz.

Coelho afirma que grande parte dos rombos registrados nos últimos anos teve origem em “agendas econômicas”: “Ao mesmo tempo em que o passivo aumentou por conta da longevidade e por pressões inflacionárias, tivemos também uma redução dos ativos por conta da recessão econômica e de investimentos não ‘performados’.”

Conselheiros que representam os participantes, porém, afirmam que os prejuízos também foram causados por investimentos que eram considerados apostas nos governos Lula e Dilma, como Sete Brasil, Invepar e Oi. Na visão deles, os governos anteriores pressionaram as entidades a dividir o risco desses projetos e deixaram aos participantes os prejuízos.

Casos de fraude e má gestão motivaram a criação de uma CPI na Câmara dos Deputados para apurar irregularidades dos fundos ligados às estatais. O relatório final apontou prejuízos de R$ 6,6 bilhões causados por má gestão, fraudes e ingerência política nos quatro maiores fundos de pensão das estatais. Abastecida de informações da própria Previc, a Polícia Federal já deflagrou duas fases da Operação Greenfield, que investiga supostos desvios nessas fundações.

“A fotografia do nosso sistema continua sendo favorável. Esses são casos fora da curva, casos de polícia, que precisam ser investigados e punidos”, afirma Luís Ricardo Marcondes Martins, presidente da associação que representa o setor (Abrapp): “Um sistema que paga R$ 12 bilhões de benefícios por ano não admite amadorismos”.

Segurança

A servidora Ângela Maria Fabri Peçanha completa 60 anos no próximo dia 12, quando se aposentará da função de agente dos Correios. “Deveria estar tranquila porque chegou a hora da minha sagrada aposentadoria depois de trabalhar 42 anos na empresa, mas estou completamente insegura”, afirma. “Todo ano tem déficit. Parece um buraco sem fundo. A gente ouve que recuperou e prendeu os antigos dirigentes. Mas cadê o dinheiro de volta?”, questiona.

Ela começou a trabalhar como telefonista em uma agência dos Correios a quatro dias de completar 18 anos. A adesão ao Postalis foi feita assim que o fundo foi criado, em 1981. Às vésperas de se aposentar, com medo de não ter garantido o pagamento dos benefícios pela entidade, Ângela pensa em fazer a portabilidade para a previdência privada de um banco. “Queria ter um pouco mais de segurança”, diz.

Quase um terço do benefício que ela passará a receber será descontado para cobrir o rombo do Postalis, que vem apresentando déficits seguidos nos últimos anos. Desde o ano passado, quase 76 mil funcionários, aposentados e pensionistas, além dos Correios, pagam contribuições extras para equacionar o rombo do plano de benefício definido (um tipo de plano mais antigo, que foi suspenso a novos participantes, em que o benefício era previamente estipulado, independentemente da evolução das contribuições).

O desconto mensal atual, de 17,92%, foi calculado para cobrir o rombo de 2014, de R$ 5,6 bilhões. Ele incide sobre o valor da aposentadoria, da pensão ou do valor previsto para o benefício. Nesse porcentual está incorporada a contribuição extra anterior, de R$ 3,94 bilhões, que estava sendo feita para cobrir o déficit de R$ 1 bilhão de 2012 e 2013. Esse desconto deve aumentar neste ano. Isso porque, para equacionar o rombo de 2015 (R$ 1,4 bilhão), a contribuição extra deve subir mais 2,73 pontos porcentuais, chegando a 20,65%. Se incluídos os 9% de custeio mais taxa de administração, a tesourada ultrapassa 30%. A contribuição extra ainda poderá aumentar porque o Postalis também deve registrar um déficit. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.