Ouça uma análise da reportagem com o editor de Estilo da Istoé Dinheiro, Fabiano Mazzei.

 

Em tempos de depredação de carrões de luxo em praça pública, como um Maserati na China, em maio, e um BMW M6, em Frankfurt, há duas semanas, o anúncio do enterro de um Bentley por um conhecido playboy paulistano nas redes sociais na segunda-feira 16 ? e a torrente de comentários gerados depois disso ? era o cenário de horror perfeito para os executivos da marca britânica. O veteraníssimo Chiquinho Scarpa, o bon vivant mais conhecido do Brasil, postou em seu perfil no Facebook uma foto diante de um Flying Spur 2011, avaliado em R$ 1,1 milhão, com a legenda confirmando o ato de insanidade: ?Vou enterrar meu carro favorito, o Bentley, no jardim de casa?. 

 

80.jpg

Lágrimas cênicas: Chiquinho Scarpa simula um choro enquanto o seu Bentley Flying Spur

é colocado na cova. Abaixo, um dos posts da campanha no Facebook

 

Em mais outros três posts, a página do Conde Scarpa, como se autointitula o playboy, que andava meio esquecido, recebeu nada menos do que 19.743 comentários, que variavam entre o humor sarcástico e a ira cáustica de quem não aprovava tal extravagância num País com tanta desigualdade social. Em meio a essa polêmica, o nome da fabricante de carrões de luxo, correndo o risco real de ir, literalmente, para o buraco junto com o carro. O desenrolar dessa novela é sabido. Nenhum veículo foi para a cova. Todo aquele auê tinha como pano de fundo uma campanha publicitária criada pela agência Leo Burnett alertando para a Semana Nacional da Doação de Órgãos, promovida pela ABTO (Associação Brasileira do Transplante de Órgãos). 

 

A mensagem era que mais estúpido do que sepultar um carrão de luxo é se deixar enterrar com órgãos que poderiam salvar vidas, embora o episódio tenha ficado marcado também pela genialidade da ideia em si. A reboque, Scarpa passou de vilão a herói do dia para a noite. Ou de um clique para outro, com 47 mil ?likes? dados no post em que anunciava ser tudo parte de uma ação humanitária, uma armação do bem, enfim, na sexta-feira 20. Foi o dia em que o conde virou rei. ?Fomos pegos de surpresa?, diz o sócio gerente da montadora inglesa no Brasil, Joseph Tutundjian. O executivo garantiu que nada teve a ver com a ativação, como sugeriram alguns jornalistas que cobrem o mercado publicitário. 

 

81.jpg

Joseph Tutundjian, da Bentley: “O resultado final

foi bom para a imagem da marca.”

 

A tese inicial que chegou a ser debatida era de que a Bentley estaria por trás daquela situação para promover a marca entre os consumidores brasileiros. Mas colocando um carro num buraco? Seria o caso de product placement mais controverso da história da propaganda. ?Não tivemos envolvimento com a campanha, mas o resultado final foi bom para a imagem da Bentley?, afirma Tutundjian. A reação do board internacional da marca também teria sido positiva, segundo o empresário. Em contato por telefone, os diretores do QG da Bentley, em Crewe, na Inglaterra, foram avisados do que estava acontecendo e ficaram tranquilos ao saber do mérito da ação. ?Eles ficaram felizes porque a causa era nobre.? 

 

Marcelo Reis, o VP de criação da Leo Burnett que inventou o funeral, lembra que a escolha do carro foi ideia do próprio Chiquinho Scarpa. ?Ele disse que era o carro mais nobre que tinha na garagem?, lembra. E ele tem Ferrari, Maserati… Segundo Reis, a campanha custou em torno de R$ 15 mil, usados no aluguel da escavadeira e na contratação dos seguranças posicionados nas imediações da residência, no Jardim América, na capital paulista, no dia do enterro, já que a revolta dos internautas era motivo de tensão e um ponto de interrogação. A exposição da imagem pessoal de Scarpa e, por tabela, da marca Bentley, também. Mas o retorno positivo e espontâneo na mídia aliviou a todos. ?Ainda não medimos o quanto gastaríamos se apenas tivéssemos anunciado a campanha nos meios de comunicação?, diz Reis. ?Mas em nenhum momento nos preocupamos com isso.? 

 

82.jpg

 

 

?Ele foi muito macho!?

 

Marcelo Reis, VP de Criação da Leo Burnett

 

83.jpg

 

Como surgiu a ideia?

Fomos até a ABTO, que é nossa parceira, propor essa ajuda para fazer a doação de órgãos virar assunto na vida das pessoas. Falamos de faraós, que enterravam sua riquezas, e logo pensamos no nome do Chiquinho Scarpa, que topou na hora.

 

A ira dos internautas preocupou vocês?

Sim, mas quem xingou antes aplaudiu depois. A maior apreensão era a de que o Chiquinho não aguentasse aquela pressão no Facebook e desistisse. Mas ele foi muito macho em enfrentar tudo.

 

Que avaliação faz da campanha?

Muito boa. Mas digo: se um órgão tiver sido doado com a ação e ajudarmos a salvar uma vida, já terá valido a pena.

 

> Siga a DINHEIRO no Twitter 

> Curta a DINHEIRO no Facebook