16/07/2010 - 6:00
Clique e ouça um resumo da reportagem “Fúria espanhola”
Que tipo de evento pode colocar cerca de 700 milhões de pessoas diante da tevê em mais de 200 países? A Copa do Mundo 2010, vencida pela Espanha na África do Sul no domingo 11, mostrou que o futebol continua atraindo as massas em todo o planeta. A multidão que encheu as ruas de Madri na segunda-feira seguinte para receber os campeones rojos provou que saborear a vitória nacional no esporte é muito mais importante do que lamentar o alto desemprego e a recessão do país.
Festa em Madri: mais de um milhão de pessoas receberam a seleção vencedora na segunda-feira 12
O rei Juan Carlos e o primeiro-ministro, José Luis Zapatero, não perderam um segundo para erguer e beijar o símbolo da garra e da eficiência da Fúria, antes que ela desfilasse para o povo. A taça Fifa, sozinha, não irá recolocar a economia de volta na rota do crescimento, mas a felicidade que a acompanha certamente será útil. E o que não falta são novos troféus para animar as torcidas espanholas.
Não por acaso, nos últimos anos a Espanha revelou-se uma eclética potência esportiva. Uma semana antes da final da Copa em Johannesburgo, Rafael Nadal ganhou seu segundo título em Wimbledon. Com planejamento eficiente e determinação, está ganhando todas, do futebol ao tênis, do ciclismo ao automobilismo (veja quadro).
Tamanha coleção de vitórias reacende o nacionalismo espanhol e ofusca rusgas políticas regionais. Mais de um milhão de pessoas haviam protestado no sábado 10, em Barcelona, em favor de mais autonomia para a Catalunha. No dia seguinte, estavam todos torcendo pela seleção da Espanha. No campo e no banco, havia jogadores de dez regiões, como Catalunha, Madri, Andaluzia, Navarra, Valência e País Basco. ?Vocês uniram os espanhóis, tornaram nossos sonhos realidade e projetaram o nome da Espanha em todo o mundo?, disse o rei Juan Carlos aos heróis, na segunda-feira 12.
A grande questão é o quanto essa onda de otimismo vai aumentar a produção e o consumo na Espanha. O efeito positivo da Copa começa a ser sentido nos países antes mesmo de ela começar. Vendem-se mais televisores, roupas esportivas, bebidas, alimentos e tudo o que se relaciona com as festas particulares da audiência nacional.
Para o país vencedor, esse fenômeno costuma ter uma vida mais longa. Os consumidores, felizes com a seleção, são o principal alvo de campanhas publicitárias de todos os tipos, de produtos de consumo a pacotes turísticos. A bola, na prática, continuarolando depois do apito final.
Mesmo que seja impossível medir com exatidão a relação causa-efeito da Copa nos países vencedores, já que ela acontece em períodos diferentes do ciclo econômico, pode-se afirmar que existeum ganho, qualquer que seja o seu tamanho. Em 2006, o banco ING estimou um acréscimo de 0,6% no PIB dos países campeões do mundo. Uma rápida olhada no crescimento de Brasil, França e Itália nas três Copas anteriores revela que houve melhor desempenho no ano da vitória. Será que a Espanha seguirá esse comportamento?
As previsões do FMI são de uma queda do PIB espanhol de 0,4% em 2010. O crescimento, modesto, só virá em 2011: 0,6%. Mas esses números saíram antes do gol de Iniesta contra a Holanda. O governo espanhol já se prepara para refazer as contas. ?A vitória na Copa aumenta a confiança na Espanha, dentro e fora do país, e será boa para o crescimento do PIB?, disse a ministra das Finanças e Economia, Elena Salgado.
Louco por futebol, o economista Jim O?Neill, criador do termo BRIC, destacou três estagiários de verão no Goldman Sachs para mergulhar no tema Espanha. Em princípio, ele não vê nenhuma mudança estrutural significativa. ?Não acredito que o sucesso esportivo ajudará a economia a crescer mais, na média.
Mas vejo como irá ajudar a aumentar a autoconfiança da população espanhola no longo prazo?, afirmou à DINHEIRO. Seu maior interesse é o efeito inverso: até que ponto a crise econômica pode afetar o notável desempenho esportivo? ?Creio que será muito difícil para os bancos espanhóis continuarem a financiar a generosidade do Barcelona e, especialmente, a do Real Madrid?, observa O?Neill.
Outra questão importante é o fortalecimento da marca Espanha. Apesar de ser um importante destino turístico, suas multinacionais não reforçam a origem junto aos consumidores estrangeiros. Ao contrário, costumam escondê-la. ?A marca Espanha nunca agregou valor às empresas no exterior?, afirmou Raúl Peralta, fundador da consultoria Positioning Systems, ao jornal ABC, uma semana antes da final da Copa. Somente 30% dos consumidores da marca Zara em outros países sabem que ela pertence a uma companhia espanhola, a Inditex.
Doze dentre as maiores obtêm 40% ou mais de suas receitas no exterior: Telefônica (40%), Santander (50%), Repsol (60%), Mapfre (50%), OHL (80%) e Endesa (47%). A vitória em Johannesburgo deve mexer com as estratégias de comunicação dessas companhias. Para o consultor brasileiro Jaime Troiano, a marca Espanha sempre esteve associada a traços de simpatia e acolhimento, embora as empresas espanholas sejam muito agressivas, particularmente fora do país.
?A conquista da Copa celebra o lado mais mágico e festivo da alma espanhola,neutralizando um pouco os traços de soberba e arrogância?, acredita. Agora, a marca ganha novos atributos, como disciplina, organização e determinação. E o efeito disso será duradouro, diz ele. Um golaço.
Entrevista: Francisco Luzón, do Santander: ?A Espanha não vai quebrar?
Considerado um dos banqueiros mais importantes da Europa, Francisco Luzón, do Santander, é o braço direito de Emilio Botín para as Américas. Ele fez questão de ver pessoalmente a vitória da Espanha na Copa do Mundo, em Johannesburgo. Poucos dias antes, deu a seguinte entrevista exclusiva à DINHEIRO, em Santander:
Como vê a atual situação da Espanha?
O euro enfrenta uma crise de dívida dos Estados soberanos. É curioso, pois, em março do ano passado, durante a reunião de cúpula do G20 em Londres, a decisão foi endividar-se para sair da crise. Um ano depois, os mercados reagem, interpretando que há países com uma dívida muito grande e que precisa ser reduzida. Dentre eles, a Espanha.
O endividamento na Espanha não é alto?
Não, é baixo. A dívida pública é de 60% do PIB. Mas o déficit orçamentário é alto, chegou a 11% em 2009. Em 2007, havia superávit de 3%. Com a crise, aumentaram os gastos fiscais e diminuíram as receitas do governo. Os mercados interpretam que se a Espanha não ajustar seu nível de endividamento, a dívida pública irá crescer até um nível insuportável. O problema da Espanha não é de endividamento público é de endividamento privado. O país cresceu 3% a 3,5% ao ano durante 15 anos e isso foi financiado pelo endividamento privado, em parte no exterior. Os bancos espanhóis buscaram fundos na Europa para repassar às famílias e às empresas.
Qual é o plano de ajuste do governo?
O plano é baixar o déficit para 3% até 2013. Vai haver um ajuste dos gastos e das aposentadorias. A questão é: se a demanda pública vai cair, como o país vai crescer?
Isso pode aprofundar a crise?
Exatamente. Esta é a grande pergunta? Quando a Espanha vai ser capaz de crescer novamente 2% ou 3% ao ano? Para isso, é imprescindível que o financiamento ao setor privado continue. A solução está no setor privado, não no público. O setor da construção, em princípio, não voltará ao ritmo anterior.
A Espanha vai quebrar?
Não. A Espanha não tem um problema de solvência. Tem um problema de crescimento. se o país não voltar a crescer nos próximos anos, o que pode acontecer é um aumento do déficit e da dívida pública. Parte da resposta para isso está na América Latina. Esta será a década da América Latina. Muitas empresas espanholas, como o santander, estão bem posicionadas e obtêm muitas receitas nessa região.