Eficiente e lucrativa, Furnas Centrais Elétricas S.A. sempre brilhou como uma das empresas mais preciosas do governo federal. Agora, nesses dias de trevas, ganhou ares de jóia da coroa. A sua privatização foi suspensa. E a ordem é apostar todas as fichas nessa máquina de gerar luz. Responsável por 75% do abastecimento de energia para a produção industrial do País e por 50% do consumo doméstico, Furnas pode ser considerada hoje uma peça-chave na retomada da expansão energética brasileira. Eis algumas razões: domina a tecnologia de ponta na área de geração e transmissão dos sistemas hidráulico, térmico e nuclear; conta com um corpo técnico de primeira linha, sendo que cerca de 80% de seus engenheiros têm doutorado ou pós-graduação e falam dois ou três idiomas; apresentou um lucro histórico de mais de R$ 600 milhões em 2000, o que significa um crescimento de quase 70% em relação ao ano anterior. E, principalmente, possui uma base instalada, composta por 10 usinas hidrelétricas e duas termelétricas, com potencial de expansão a curto e médio prazos.

A usina termelétrica de Santa Cruz, no bairro industrial de Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, é o melhor exemplo disso. Ela é a maior da América Latina movida a óleo combustível e gera 600 megawatts. Basta um OK do governo para que a usina inicie o processo de transformação da operação a óleo por gás natural. ?Num prazo médio de 18 meses, a usina poderia estar operando a gás e a vapor e gerando o dobro de energia?, garante o engenheiro José Vicente Ucha Campos, gerente da unidade de Santa Cruz. Isso significa algo em torno de 1.200 megawatts, suficiente para abastecer o consumo de 5 milhões de pessoas. O projeto está dentro do plano de investimentos para a expansão do sistema Furnas que a estatal apresentou ao governo, na semana passada. Ao todo, são R$ 16,4 bilhões até 2007, sendo R$ 6 bilhões financiados pela própria empresa e R$ 10,4 bilhões da iniciativa privada.

?O sucesso de Furnas pode ser medido por meio da intensa procura de empresas nacionais e estrangeiras pelo seu conhecimento tecnológico?, diz Luiz Carlos Santos, presidente da companhia. Segundo ele, além de know-how, cada vez mais as empresas privadas vão buscar os profissionais de Furnas. Há cerca de dois meses, o então diretor-financeiro da empresa, Paulo Roberto Ribeiro Pinto, deixou Furnas para assumir a mesma posição na Light.

Além dos profissionais, as empresas privadas também estão atrás de parcerias com a própria estatal. Já existem duas usinas, a de Serra da Mesa, em Goiás, e a de Manso, no Mato Grosso, que surgiram de associações entre Furnas e companhias privadas. A usina de Serra da Mesa, inaugurada há três anos, por exemplo, é uma parceria de Furnas (que tem 49% de participação) com o grupo VBC (Votorantim/Bradesco/Camargo Correa). ?O nosso papel é buscar todas as alternativas para expandir o sistema energético?, diz Santos. Furnas dá certo até mesmo quando herda obras inacabadas. Foi o que aconteceu em 1967, quando o governo passou para a estatal a usina de Funil, ainda em construção, em Resende, na região do Vale do Paraíba. A obra foi iniciada em 1961 pela Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba, que foi extinta seis anos depois. Sob a tutela de Furnas, a Usina do Funil, que é a única da América Latina construída no formato de uma abóbada, entrou em operação e é hoje fundamental na regularização da vazão do Rio Paraíba do Sul. ?Ela cumpre um papel social, pois evita as enchentes que durante décadas assolaram a região, além de gerar energia elétrica?, diz Antonio Maia, gerente da usina.

A vocação de Furnas para auxiliar em momentos de crise de abastecimento está ligada à sua própria origem. A empresa foi criada em meados da década de 50 com um desafio: evitar o colapso energético que ameaçava os três principais centros econômicos do País: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Na época, o então presidente Juscelino Kubitschek convocou o engenheiro John Cotrim para dirigir o projeto. A primeira grande obra foi a construção da Usina Hidrelétrica de Furnas (de quem a empresa herdou o nome), localizada estrategicamente entre os três Estados do Sudeste.

?Desde o início, a preocupação com a formação e a qualificação do pessoal foi muito grande ?, conta Dimas Fabiano Toledo, diretor de Planejamento, Engenharia e Construção de Furnas. No início, apenas os engenheiros e técnicos brasileiros de Furnas eram enviados ao exterior em busca de aprimoramento tecnológico. Já faz algum tempo que essa via ganhou mão dupla. Furnas hoje é uma referência internacional na área de energia. Atualmente, a empresa está presente em 13 países, seja na prestação de serviços ou em parcerias de cooperação tecnológica.

Um dos principais projetos internacionais que conta com a participação de Furnas é a construção da Usina de Três Gargantas, na China. Nos últimos sete anos, desde o início da obra ? considerada a maior do mundo em execução ? Furnas tem recebido a visita de várias delegações de engenheiros e técnicos chineses. Foram observar e aprender com Furnas. Principal objetivo: adquirir o know-how para fazer licitações mundiais para a compra de equipamentos. Foram ao lugar certo. Afinal, graças a sua excelência em energia elétrica, coube a Furnas o comando da construção e operação da maior hidrelétrica do mundo, a de Itaipu.