DINHEIRO ? A Shell tem sido alvo de rumores dando conta de que a empresa pode deixar o País. Isso procede?
ALDO CASTELLI ? Quero esclarecer de uma vez por todas. A Shell não pensa em sair do País, nunca pensou em sair e não vai sair. Eu garanto. E mais: estamos com muito apetite. Vamos investir nada menos que US$ 200 milhões no Brasil em 2005.

DINHEIRO ? De onde partem os boatos?
CASTELLI ? Não sei, mas isso nos atrapalhou muito. Estamos aqui há 91 anos e nossa disposição é continuar crescendo. Não fosse assim, não gastaríamos tanto dinheiro em novos projetos.

DINHEIRO ? A Shell vendeu boa parte da rede de postos. Não é isso que alimenta a especulação?
CASTELLI ? Em 2000, nós decidimos rever nosso portfólio no País. Qualquer companhia comprometida com a melhoria do seu negócio faz isso. Nós saímos do Mato Grosso e de algumas regiões do Centro-Oeste porque queríamos estarmais fortes em outros centros. Por isso, vendemos alguns postos para a Agip. E também vendemos algumas coisas na época em que o mercado de combustíveis era regido pelas liminares.

DINHEIRO ? Quanto a Shell encolheu?
CASTELLI ? Hoje estamos com 2,7 mil postos, o que representa 15% do mercado. Somando a área de aviação e outra divisão comercial, ficamos entre 18% e 19%. No passado, chegamos a ter 22%. O fato é que o mercado todo encolheu. Não fomos só nós. E ter participação nas vendas não é a única coisa que se leva em conta. O que importa é combinar vendas com rentabilidade. Queremos uma participação estável, saudável e robusta.

DINHEIRO ? Por que a empresa demorou tanto em dar uma resposta firme em relação aos boatos?
CASTELLI ? Nós temos a disciplina de não responder rumores e insinuações. E por razões estratégicas, não podíamos nos posicionar naquele momento. Mas em nenhum momento ficou qualquer dúvida sobre nossas intenções.

 

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“A Guerra do Iraque irá durar mais e o petróleo deve continuar em alta”

 

DINHEIRO ? Mas isso não minou o ambiente interno?
CASTELLI ? É óbvio que um boato nunca ajuda. Mas, internamente, a diretoria foi ativa e neutralizou os rumores.

DINHEIRO ? Como serão gastos os US$ 200 milhões?
CASTELLI ? Da seguinte forma: US$ 120 milhões na exploração, que demanda mais recursos, e o restante na cadeia de distribuição.

DINHEIRO ? O ânimo de investir tem a ver com a melhoria do mercado brasileiro, com menos liminares?
CASTELLI ? Claro. Até três anos atrás, as coisas estavam muito ruins. Todas as empresas sérias e todos os revendedores éticos sofreram muito com a indústria das liminares. Mas ela, felizmente, acabou. Ficou um pouco de adulteração, que ainda tem de ser combatida pela Agência Nacional do Petróleo.

DINHEIRO ? Como esse quadro começou a mudar?
CASTELLI ? O governo fez uma coisa correta, ao retirar o imposto das distribuidoras, passando a cobrá-lo na refinaria, o que diminui o espaço para as liminares. O Congresso fez a CPI dos combustíveis e a ANP, mesmo com pouco tempo de existência, tem sido muito ativa.O Brasil perdia muito com as liminares.

DINHEIRO ? Quanto?
CASTELLI ? Estudos apontam que a sonegação variava entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões. Nós, da Shell, não nos incomodamos com a competição, desde que as regras sejam justas e iguais para todos. Que prevaleça a competência.

 

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“Rosinha quis aumentar impostos mas refletiu e voltou atrás. Merece aplausos”

 

DINHEIRO ? Qual a situação da adulteração de combustíveis?
CASTELLI ? Estima-se em algo entre 8% e 10% das vendas. Por isso que é muito importante que o consumidor conheça seu posto. Depois de coibir as liminares, eu tenho convicção de que o governo saberá acabar com a adulteração. A ANP e a Polícia Federal têm conseguido desbaratar várias quadrilhas que adicionam solventes à gasolina.

DINHEIRO ? A Shell começou a extrair petróleo no ano passado na Bacia de Campos. O resultado vem sendo satisfatório?
CASTELLI ? Desde o segundo semestre de 2003, nós começamos a extrair 55 mil barris por dia. Temos muito orgulho de ser a primeira empresa a estar explorando petróleo no País depois da Petrobras. Já temos US$ 2,2 bilhões investidos no País, dos quais US$ 1,5 bilhão na exploração. Nossa produção tem sido um caso de sucesso e um marco na abertura do setor.

DINHEIRO ? Há planos de explorar outras bacias?
CASTELLI ? Nós temos 16 lotes. Estamos em Santos, no Espírito Santo e também na Região Norte. Entre esses 16 lotes, já temos dois blocos num estágio muito avançado. Os outros ainda estão na fase de investigação geológica.

DINHEIRO ? Dá para competir num mercado praticamente monopolizado pela Petrobras?
CASTELLI ? Não é fácil, não podemos subestimar o tamanho da
Petrobras, mas é possível.

DINHEIRO ? Com o petróleo acima de 50 dólares, o mundo está diante de um novo choque?
CASTELLI ? A cotação do petróleo a 53 dólares é algo que eu nunca tinha visto em toda a minha vida, sequer tinha sonhado. Mas não sei se é sonho ou pesadelo.

DINHEIRO ? Para uma empresa de petróleo como a Shell, não seria um sonho?
CASTELLI ? Não, porque a nossa grande preocupação é o impacto na economia mundial. Não temos influência na definição do preço. Isso é feito pelo cartel e não tem nada a ver com a Shell ou com outras empresas de petróleo.

DINHEIRO ? A situação tende a se agravar?
CASTELLI ? Com a chegada do inverno nos Estados Unidos, as coisas pioram um pouco. O ano que vem ainda tende a ser ruim. Mas eu ficaria surpreso se esses preços muito altos se mantiverem por mais tempo.

DINHEIRO ? Qual é o cenário da Shell?
CASTELLI ? A nossa expectativa, no longo prazo, é de um barril de 25 dólares, em média. Os preços ao redor de 50 dólares são muito difíceis de digerir.

DINHEIRO ? Não estaria ocorrendo uma mudança estrutural, com a explosão do consumo em países como China e Índia?
CASTELLI ? O crescimento de mercados como China, Índia e também Indonésia não pode ser desprezado. Mas há coisas que influem mais. A Guerra do Iraque, por exemplo, durou muito mais do que nós mesmo prevíamos. Na Nigéria, houve diversas paradas de produção. Na Rússia, a Yukos enfrentou problemas. E, por incrível que pareça, houve vários furacões no Golfo do México. Mesmo nós tivemos que parar a produção. Tudo que podia acontecer de ruim aconteceu.

DINHEIRO ? Já tem gente falando em 100 dólares.
CASTELLI ? Seria futurologia demais. Num cenário desses, a economia global pára. Espero que o mundo não repita os anos 70, quando os choques do petróleo causaram uma das maiores crises da história. Àquela época, as cotações alcançaram um valor que, a preços de hoje, seria da ordem de 80 dólares.

DINHEIRO ? No Brasil, a Petrobras vem sendo criticada pelos acionistas por não estar repassando os preços ao mercado interno. Esses subsídios são ruins para o mercado?
CASTELLI ? É algo que não nos afeta. Temos que competir e fazer a nossa parte.

DINHEIRO ? A política do governo para o setor é boa?
CASTELLI ? O governo Lula nos dá muita confiança. O presidente sabe que tem um grande desafio a resolver na infra-estrutura, mas emite os sinais necessários para os investidores privados. Um deles é a estabilidade das regras. No setor de petróleo, uma empresa investe hoje para colher dentro de três ou quatro anos.

DINHEIRO ? Mas vocês tiveram problemas no Rio de Janeiro, quando o governo quis mudar as regras tributárias.
CASTELLI ? Houve uma tentativa de mexer nas regras do ICMS e aumentar o imposto, mas a governadora Rosinha Garotinho refletiu e voltou atrás. Só falta sancionar. Ela merece aplausos.

DINHEIRO ? Qual sua posição em relação aos carros com motores bicombustíveis, que impulsionam o álcool?
CASTELLI ? O álcool já se consolidou no País, mas o sucesso vai depender da viabilidade econômica do produto. Hoje, os preços estão bons. E amanhã? Minha única recomendação é que o consumidor esteja alerta em relação ao rendimento e ao desempenho do seu veículo. O mercado vai nos dizer se essa política está correta.

DINHEIRO ? Hoje, mais de 30% das vendas são de modelos flexíveis. Isso preocupa a indústria de petróleo?
CASTELLI ? Olha, se o carro traz um problema de performance para o carro, no fim das contas a aparente vantagem pode virar desvantagem.

DINHEIRO ? O sr. acredita no biodiesel como uma alternativa ao petróleo?
CASTELLI ? Sim e acho que a ministra Dilma Rousseff tem agido muito bem ao buscar alternativas para a matriz energética. A própria Shell apóia esforços nessa área. Somos parceiros da USP no desenvolvimento do biodiesel. Mas ainda existe muita coisa em discussão. Não sabemos como será a tributação, qual a fonte vegetal, como será o processo industrial, quais os subsídios. Ainda é mais barato produzir o diesel do que o biodiesel.

DINHEIRO ? A ANP decidiu questionar as operações diretas das distribuidoras e o negócio de franquias da Shell.
CASTELLI ? Nós temos uma operação de franquias, mas são apenas 129 postos num total de 2,7 mil. Não chega a ser uma operação relevante no bolo. O que a Shell garante é que tudo é feito dentro dos mais estritos parâmetros legais. Em nenhum momento houve a intenção de favorecer os franqueados em detrimento dos demais revendedores.

DINHEIRO ? O franqueado não tem nenhuma vantagem?
CASTELLI ? Ele não tem investimento no posto, que é da Shell. Mas tem de zelar pela operação e está sujeito à mesma competição que os outros. Aqui não tem privilégio.