No segundo andar da sede da Comgás, em São Paulo, a decoração do escritório ainda remonta aos tempos de repartição pública, com seus móveis, divisórias e carpete antigos. Mas é ali que o holandês Roger Ottenheym, diretor de suprimentos e projetos de energia, e o paulista José Matuzonis, superintendente de co-geração, tocam a unidade de negócios que está modernizando a cara da companhia. Um trabalho que, no curto prazo, pode triplicar a receita da empresa com a venda de gás para produção simultânea de energia térmica e elétrica. A idéia é mudar o perfil da empresa de uma distribuidora de combustível para uma fornecedora de soluções energéticas. Assim, a companhia passa a oferecer serviços de maior valor agregado, como elaboração de projetos técnicos e consultoria comercial. ?A co-geração com gás natural é um dos mais eficientes processos de produção de eletricidade, só que até hoje é mal utilizado?, afirma Ottenheym. No ano passado, a Comgás vendeu 106 milhões de metros cúbicos de gás natural, 16% a mais do que em 2001. O lucro líquido da companhia passou de R$ 64 milhões para R$ 107 milhões, ou seja, 68% de crescimento.

Com resultados tão bons, a Comgás não se intimida em mexer na sua contabilidade. Pelo novo modelo de negócio, ao invés de receber por volumes variáveis de consumo, cobrará uma tarifa fixa. O valor dependerá, claro, da necessidade do cliente. Em geral, os contratos durarão cinco anos. Esse prazo contribui para aumentar a fidelidade dos clientes da companhia. Os primeiros contratos que marcam o início dessa nova fase foram fechados no mês passado com a Votorantim Celulose e Papel (VCP) e a Corn Products do Brasil, líder no País na fabricação de derivados de milho. Na VCP, a Comgás entra numa segunda fase, oferecendo o trabalho de consultoria e de fornecimento da matéria-prima. Mas na fábrica da Corn, em Mogi-Guaçu, no interior paulista, o pacote é completo. Ali os técnicos da Comgás deram todo o suporte necessário para o desenvolvimento e a implementação do projeto de co-geração de energia. Quando as operações desses novos clientes começarem, em breve, a Comgás passará dos atuais 400 mil metros cúbicos de gás para 1,1 milhão fornecidos diariamente para unidades de co-geração.

Racionamento. É um salto fabuloso pois possibilita à
empresa sonhar em fechar o ano com quase 10% do consumo
de gás natural em sua área de concessão. ?O projeto tem tudo
para dar certo?, diz Matuzonis. ?Pegamos a incerteza do setor elétrico e a transformamos em oportunidade.? Os benefícios oferecidos aos clientes são muitos. Desde maior independência do fornecimento público de energia, afastando futuros problemas com racionamentos, até alto índice de eficiência do sistema (90% da energia gerada é aproveitada) e pouco capital envolvido. Isso porque a proposta da Comgás é a de se tornar parceira do cliente, em conjunto com os fornecedores das centrais ? firmas como a Tractabel, Energyworks e Dalkia.

Atualemente, a participação do gás natural na matriz energética brasileira é de 3% (estima-se que será de 12% em 2010). Em países como Holanda e Dinamarca, a co-geração é de 40% a 60%, respectivamente. ?Teremos que ensinar aos clientes a aproveitar melhor o nosso produto?, afirma Ottenheym. A Comgás tem hoje 650 clientes industriais e outros 7 mil comerciais ? como shoppings, clubes e hospitais. É nesse mercado de varejo que a Comgás tem mais ambição de crescer. Faz sentido. ?Os clientes comerciais pagam o preço mais caro pela eletricidade, pois a energia fornecida às indústrias é subsidiada pelo governo?, diz Matuzonis. E mesmo pagando mais, eles não têm garantia alguma de que estão livres de blecautes. Com o sistema a gás, o fornecimento deve ser contínuo, ao menos enquanto houver reservas de gás natural à disposição. O gás boliviano, comprado pelo Brasil, só deve acabar depois de sete décadas de consumo exaustivo.