Entrou água, lama e até granizo que mais parecia neve no pacote de obras de R$ 1,1 bilhão que a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, está desatando neste ano de reeleição. Depois de reluzir nas comemorações dos 450 anos da cidade, quando comandou festas populares, desfiles de trios elétricos e uma recepção black-tie, ela viu seu imenso canteiro de obras urbano ser encoberto pela multiplicação na televisão de cenas de sofrimento nos bairros. Nos finais de tardes chuvosas, a maior atração dos programas populares tem sido mostrar pessoas em telhados à espera de socorro, barcos navegando em avenidas, lama entrando pelas casas e até grossas camadas de gelo cobrindo ruas inteiras. Com um olho no orçamento de R$ 11 bilhões da capital e outro na chance de aplicar em outubro uma derrota histórica ao PT de Marta e do presidente Lula, o ex-prefeito Paulo Maluf reapareceu inspirado. ?A prefeita precisa fazer mais piscinões e soltar menos fogos de artifício?, fustigou Maluf na segunda-feira 9, depois de assistir a uma palestra do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, para 200 empresários na Associação Comercial. Ele aproveitou para dizer a tradicionais financiadores de campanha que está pronto para o páreo.

Granizo: Intempéries contra o PT
As contas de Marta, por sua vez, não fecham. Pelo segundo ano consecutivo, o orçamento da cidade entrou forte no vermelho. Em 2003, a dívida paulistana atingiu R$ 26,3 bilhões, o equivalente a 246,96% da receita tributária de R$ 10,7 bilhões. Para arrumar dinheiro novo e montar seu canteiro de obras, a prefeita criou duas taxas, de lixo e iluminação, que renderam no último ano R$ 450 milhões. Há quem diga que ela estuda até criar pedágios nas grandes avenidas da cidade, como um caixa extra. O dinheiro das taxas possibilita manobras orçamentárias para investimentos que dão visibilidade à administração. Por outro lado, valeram à prefeita o apelido de Martaxa. Ela dá de ombros. ?A população saberá julgar o nosso trabalho?, diz. Neste ano eleitoral, seu orçamento para obras de R$ 1,1 bilhão é quase quatro vezes maior que todos os gastos nesta rubrica entre 2001 e 2003, R$ 337,9 milhões. ?Não se pode governar só em anos ímpares?, justifica a prefeita. Ela atribui aos pagamentos anuais de R$ 1 bilhão ao governo federal, para o resgate de precatórios deixados nas administrações de Maluf e Celso Pitta, o fato de estar com o orçamento no vermelho.

Durante a enchente do início deste mês, Marta foi flagrada pela televisão com o dedo em riste na direção de uma mulher que criticava a instalação de coqueiros em áreas nobres da cidade. A prefeita justificou que quem paga R$ 20 mil de IPTU merece um bom paisagismo. A imagem certamente será usada por seus adversários durante a campanha eleitoral ? e o que pode sobressair é a Marta com suas roupas de grife sendo rude com uma mulher humilde da populosa Zona Leste. Um prato cheio para qualquer marqueteiro. Na quinta 12, áreas da Zona Norte foram atingidas por chuvas de granizo que formaram grossas camadas de gelo em algumas ruas. Córregos fora do leito inundaram casas e atingiram barracos de favelas. Marta não tem culpa pelas intempéries, mas é sempre fácil, em campanha, responsabilizar a prefeita por todo e qualquer mal. ?Não tenho medo de botar a cara para bater?, rebate ela.

O PT se assustou com o episódio das enchentes e fez pesquisas qualitativas logo após as primeiras inundações. ?O nosso pessoal entende que a prefeita tem brios, assim como o governador Mario Covas tinha?, diz o secretário municipal de Abastecimento e Projetos Especiais, Valdemir Garreta, coordenador das obras em curso na cidade. Ele recebe empreiteiros, discute traçados de vias públicas e procura levar a Marta assuntos já resolvidos. Nas contas do partido, ela conta hoje com 30% das preferências do eleitorado, número semelhante ao estimado pelos malufistas para o seu candidato. A prefeita tem cerca de 40% de rejeições, outra vez perto da taxa de Maluf. Uma conversa recente entre o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o ex-ministro José Serra definiu, ao menos, quem não será o candidato do PSDB. ?Serra não quer concorrer?, resumiu Alckmin. Ele teria ficado assustado diante da extensa lista de exigências aberta pelo atual presidente do PSDB para enfrentar Marta e Maluf numa briga que, faça chuva ou sol, promete ser dura.

O CANTEIRO DA PREFEITA

PARA OS RICOS:
Nos bairros nobres, está abrindo dois túneis, recuperando praças
e renovando o paisagismo das avenidas

PARA OS POBRES:
Inaugurou 17 Centros de Educação Unificada com 10 mil metros quadrados de área construída cada um, piscinas e quadras esportivas. Mais quatro saem ainda este ano

ILUMINAÇÃO:
Trocou lâmpadas de 50 mil pontos de luz das ruas. Quer renovar mais 420 mil

TRANSPORTE:
Com recursos de R$ 768,2 milhões do BNDES, está abrindo 516 corredores de ônibus, inaugurando dez terminais e ampliando em 10 quilômetros a linha do fura-fila