25/04/2023 - 13:35
O GSI (Gabinete de Segurança Institucional), órgão de Presidência da República, tem estado nos últimos dias no centro do debate político nacional após a CNN Brasil ter revelado imagens da atuação de membros do Gabinete durante a invasão aos Três Poderes em Brasília por vândalos bolsonaristas no dia 8 de janeiro. Nesse domingo (23), o ministro interino do Gabinete, Ricardo Capelli, acusou de participação nos atos extremistas de 8 de janeiro os generais Augusto Heleno, que chefiou a pasta durante o governo Jair Bolsonaro, e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa que concorreu como vice na chapa do ex-presidente à reeleição.
“Eu sei o que vi e ouvi comandando as tropas no dia 8/1. Não é possível falsificar os fatos criando uma narrativa a-histórica como tentam fazer extremistas terraplanistas. Onde estão Heleno e Braga Neto? Se há um general conspirador e golpista, certamente não é o honrado Gdias general Gonçalves Dias, ex-ministro do GSI”, escreveu Cappelli no Twitter. Em entrevista dada ao Congresso em Foco no último sábado (22), o atual ministro disse que as investigações em curso na Polícia Federal “muito possivelmente” indicarão que Heleno teve alguma participação nos acontecimentos de 8 de janeiro.
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Sobre essa declaração do ministro interino, a Secom (Secretaria de Comunicação Social) do governo federal diz que ela é uma declaração apenas dele. “Ele está no cargo e fez essa declaração. Se ele disse isso, deve ter os seus motivos para falar”.
O cientista político Alberto Carlos Almeida vê as declarações de Capelli como uma atitude pessoal. “Eu vejo com certa cautela a fala do Capelli porque ele não tem experiência política. Eu não acredito que essa fala tenha sido combinada. Ele coloca ‘lenha na fogueira’ desnecessariamente, na minha avaliação, e por isso eu entendo que é uma declaração de alguém inexperiente que está sendo exposto agora a um cargo de visibilidade”.
Imagens de 8 de janeiro
O general Gonçalves Dias, ex-ministro-chefe do GSI, pediu demissão do cargo na última quarta-feira (19) após as imagens do circuito interno de segurança do Palácio do Planalto mostrarem o então ministro circulando pelos corredores do prédio no dia 8 de janeiro, abrindo portas e indicando rotas de saída para alguns dos invasores. Os vídeos, no entanto, foram editados e escondiam os rostos de outros membros do órgão que também estavam presentes. Com a divulgação integral das gravações determinada pelo STF, sete dos nove militares que trabalhavam para o GSI foram identificados nas imagens e, durante o governo Bolsonaro, atuaram diretamente na segurança do presidente em viagens.
Por meio da Secom, o governo afirma que não sabe por que não teve acesso às imagens de algumas câmeras e essa foi uma das razões da crise que culminou com o pedido de saída do general. Questionado quais seriam as motivações por trás da veiculação dessas imagens, o órgão respondeu: “Não podemos fazer suposições sobre pretensas intenções e as possibilidades que havia em torno da divulgação desse material. Diante dela, o ex-ministro Gonçalves Dias pediu demissão e o pedido foi aceito”.
Em entrevistas a veículos de imprensa, Capelli tem dito que o general Gonçalves Dias “é um servidor exemplar do Exército brasileiro, com décadas de serviços prestados ao país” e que “o que aconteceu foi que vazaram imagens e fizeram uma edição, inclusive borrando o rosto dos demais servidores que apareciam na imagem, com a clara tentativa de atacar o general e, por conseguinte, atacar o governo do presidente Lula”. Para ele, há uma tentativa de se reescrever a história.
O coronel da reserva do Exército, Marcelo Pimentel, especialista em inteligência militar e crítico da participação indevida das Forças Armadas na política, acredita que o general caiu em uma “armadilha”, já que pela sua percepção das imagens o ex-ministro não apresentou nenhuma conduta passível de recriminação política em relação ao fato consumado da invasão do Palácio do Planalto. “Não descarto a possibilidade de que elementos do GSI tenham participado dessas ações de desgaste do Ministro, embora veja isso como muito pouco provável. Não vejo como os militares do Gabinete poderiam ter alguma vantagem na ‘queima de imagem’ perante a opinião pública do próprio órgão a que pertenciam”, avalia.
Em relação à possibilidade de Dias ter sido vítima de uma “armadilha”, Joyce Martins, professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), destaca a intenção clara, para ela, de se descredibilizar o atual governo. “Como alguém analisa 160 horas de imagem em uma madrugada? Difícil não pensar que a fonte direcionou o olhar dos jornalistas para o que desejava que fosse visto. Parece mais uma tentativa de relacionar o governo aos ataques ocorridos no dia 8 de janeiro, contra a eleição e a posse de Lula. O interesse mais claro é gerar desconfiança em relação ao presidente e deslegitimá-lo. Se não fosse isso, porque as outras imagens estariam borradas, com exceção da de Gonçalves Dias?”, analisa a professora.
Depoimento de Gonçalves Dias
O ex-chefe do GSI prestou depoimento à Polícia Federal na última sexta-feira (21). Em sua fala, Dias afirmou que não tinha informações sobre as manifestações em Brasília entre 6 e 8 de janeiro. Segundo ele, a Abin não enviou nenhuma informação sobre o aumento do fluxo de ônibus rumo a Brasília depois do dia 6 ou que tratasse de manifestações.
No dia 8, o general disse que pediu reforço do Comando Militar do Planalto às 14:50, horário aproximado que diz ter chegado ao Palácio, quando teria percebido a “ineficiência” de forças de segurança do DF para conter invasores. Ele afirma não ter recebido ordens de superiores ou agentes políticos para ser tolerante com grupos de manifestantes e que não prendeu os manifestantes que encontrou no terceiro e quarto andares do Palácio do Planalto porque não tinha condições materiais para efetuar sozinho as prisões e, por isso, conduziu as pessoas para o segundo andar, onde elas teriam sido presas por agentes de segurança.
“É preciso aguardar as investigações sobre o general, mas é preciso lembrar que todos os presos até o momento têm alguma ligação com o bolsonarismo, seja oficial ou ideológica. Há uma tentativa de deixar evidente a ligação entre militares defensores de Bolsonaro e os ataques acontecidos no dia 8. O governo está em uma batalha narrativa e os atalhos cognitivos ajudam”, analisa Martins.
Sobre o futuro do GSI, a Secom afirma que não existe ainda uma decisão definitiva sobre o órgão. “Iremos avaliar com mais calma o que fazer”, afirma. Questionados se haveria agora uma intenção de “depurar” o Gabinete de membros bolsonaristas, a Secretaria disse que o próprio GSI deveria falar sobre isso. Procurado, o GSI disse que não poderia responder dentro do prazo de conclusão desta matéria.
Partido Militar
Não é novidade os militares estarem no “olho do furacão” dos acontecimentos políticos brasileiros. De alguns anos para cá, os fardados voltaram a fazer parte da política diretamente e participaram ativamente do governo Bolsonaro, integrando cargos importantes, da vice-presidência a mais de seis mil ocupações distribuídas para membros da ativa e da reserva pela máquina pública federal.
No que diz respeito ao relacionamento com as Forças Armadas, a Secom afirma que o governo tem estabelecido uma relação institucional, respeitosa, nos marcos da Constituição e que espera uma atuação apolítica e apartidária dos militares. “Nesse sentido, o presidente já fez reuniões com toda a cúpula das FA, participou do Dia do Exército, e damos todo o apoio às Forças Armadas dentro das suas funções constitucionais, apolíticas e apartidárias”, diz o órgão. “O que eu acredito que aconteceu, conscientemente ou não, da parte de Lula é que as imagens geraram uma ponta de desconfiança no compromisso do general com o caminho que Lula gostaria de ver traçado, que é os militares fora da política”, diz Almeida.