Há um inconveniente gigantesco na sala de estar da Nação. Por ora, ele só ocupa a realidade de quem não costuma ter sala de estar: os quatro a cada dez negras & negros adolescentes brasileiros que não terminam o Ensino Médio. Pense em dez pessoas pretas com quem você convive. Saiba que quatro delas não podem sonhar com a universidade. Pior. O acesso de jovens negros ao Ensino Médio tem agora o mesmo patamar de estudantes brancos em 2012. Sim, uma década de atraso.

Para criar a mínima empatia com esses dados é preciso outro exercício mental: lembre-se de quem você era há dez anos e pense no agora. Seus planos, suas realizações; seus conhecimentos conquistados; suas viagens; os bens comprados; a casa; o carro… Pense que de lá até aqui tudo o que ocorreu com você não ocorreu. Sim. Foi tirado de sua existência. É por aí que devemos significar (ou ressignificar) esse tipo de tragédia que envolve nossos jovens negros. Prefiro chamar de genocídio, e logo explicarei.

As assustadoras conclusões recém-divulgadas pela ONG Todos pela Educação são baseadas em dados de 2012 a 2022 do IBGE com adolescentes de 15 a 17 anos que frequentavam ou haviam concluído o Ensino Médio + jovens de até 19 anos (que já deveriam ter finalizado essa etapa do ciclo educacional). Houve avanços? Bem, a taxa de preto que conclui dobrou nesse período. Você pode ler de forma otimista.

Eu prefiro na forma realista: saímos da Idade Média para a barbárie — ou vice-versa. “A desigualdade étnico-racial ainda permeia todo o sistema educacional”, afirmou Gabriel Corrêa, diretor de Políticas Públicas da ONG, na divulgação das análises. “Revela-se um ciclo de exclusão de jovens pretos e pardos.” Não conheço Corrêa. E suponho que ele foi polido e educado em falas públicas. Eu também me esforço nessa seara. Mas o que eu li do que ele disse foi: “A gente f… preto & pardo na educação porque ela é a única ponte de acesso”.

Para cada negro fora do Ensino Médio, o bolso de quem desviou dinheiro da educação ficou mais gordo

Historicamente, a maior transferência de renda do Brasil não acontece pelo Bolsa Família (R$ 70 bilhões). Acontece na educação (R$ 184 bilhões). E boa parte de forma perversamente invertida. Pega dinheiro do bolso de baixo para afagar o cofre de cima. Este país de letras minúsculas criou uma estrutura de ensino público de qualidade quando é voltado às classes altas — com as exceções de sempre. É um Brasil cheio de vovôs & vovós dizendo que “na minha época a escola pública era boa”.

Eles apenas se esquecem de afirmar, por senilidade ou má-fé, que na tal de ‘minha época’ só acessava essa escola pública a molecada que não precisava trabalhar, a minoria. E não pretas & pretos de hoje. Vamos fazer uma pergunta reversa: que C Level ou diretor de sua empresa, ou político federal, ou magistrado, mantém um rebento (mesmo que legitimado) em escola pública? OK, obrigado… Nenhum.

Por essas é que instrumentos como FNDE e Fundeb precisam ser amplamente vigiados. Kit robótica, laptops nas escolas, ou o plano recém-anunciado (segunda-feira, 12) por Lula, de destinar R$ 2 bilhões em quatro anos para garantir que todas as crianças saibam ler e escrever até o fim do segundo ano do ensino fundamental, d-e-v-e-m ser tecnologicamente vigiados.

Na real, só blockchain vai sanar as safadezas que o Brasil provoca em nome da educação. Nossa Pátria Pilantra. Aquela que vincula orçamentos bilionários na educação para Pix milionários na família.

Acredite: para cada negro fora do Ensino Médio, o bolso de um bandido ficou mais gordo. Eu sou a favor de zero dinheiro para a educação. Só assim esse projeto de Nação vai se rebelar de verdade. E começar (c-o-m-e-ç-a-r) a acabar com o Soft Genocídio. Aquele que mata sem matar. Mata pela asfixia de acesso ao conhecimento e ao ensino. Pode chamar de Brasil.

*Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.