Ana Luísa Lima é uma garotinha linda, que estuda num ótimo colégio, tem um cachorro peludo, pais carinhosos e uma porção de amigos. Mas aos 12 anos ela vive uma tremenda crise existencial: seu telefone celular não troca a capinha e ela não agüenta mais dividir o computador com o irmão. ?Como fica no quarto dele, eu acabo usando pouco a internet, umas três horas por dia. E nada me distrai mais do que conversar no ICQ ou no Instant Messenger. Tenho uns 80 contatos em cada um?, diz Ana. Caiu o queixo? Seja bem-vindo ao mundo da geração plugada, uma meninada que nasceu junto com a web, acha manual de instruções ?coisa de mané? e virou alvo preferencial da indústria de tecnologia. Nos Estados Unidos, eles já estão sendo chamados de ?Born to be wired? (Nascidos para estar conectados), um trocadilho com ?Born to be wild? (Nascidos para ser selvagens), música do filme Easy Rider. No Brasil, uma pesquisa inédita mostra que entre 9 e 14 anos as nossas crianças são tão ou mais multimídia que os filhos das grandes economias mundiais.

O estudo foi feito pela Millward Brown, empresa do grupo Ibope, e ouviu pré-adolescentes das classes A, B e C em 70 cidades de sete nações. Os dados mais surpreendentes se referem ao uso de telefone móvel e internet: no Brasil, 21% dos entrevistados têm celular, metade navega na web, 20% preferem o ambiente virtual às ruas para procurar amigos e 44% gostam mais do computador que da televisão. Essas informações foram recebidas com festa por subsidiárias de companhias como Nokia, Motorola, AOL, Oi, Vivo, Microsoft. Basicamente por duas razões, como
explica Loredana Mariotto, diretora de marketing da Motorola: ?A criança que ?entra? na marca e tem uma boa experiência certamente se tornará um adulto fiel a ela. E quando os pais resolvem adquirir um novo equipamento de tecnologia eles recorrem sempre às dicas dos filhos?. Segundo o levantamento da Millward Brown, no mundo todo 80% dos consumidores mirins influenciam as decisões de compra da família. A despeito de viver de mesada, a molecada forma um time poderoso de clientes e garotos-propaganda.

A Oi foi a primeira operadora de celular a lançar um produto sob medida para crianças, em outubro de 2002. É o Oi Xuxa, que toca ?Ilariê? e traz saudação da rainha dos baixinhos na caixa postal. De cada quatro celulares vendidos hoje pela Oi, um é da Xuxa ou da MTV. A TIM pegou carona e nesta semana está colocando nas lojas do Rio Grande do Sul celulares temáticos em parceria com o canal a cabo Cartoon Network. São modelos relacionados aos desenhos animados Meninas Superpoderosas, Johnny Bravo, O Laboratório de Dexter e A Vaca e o Frango. ?A matriz está de olho nesse projeto, porque se der certo ela vai replicar em outros países?, conta Carlos Matos, gerente da operadora italiana.

No entanto, mais do que conquistar os consumidores mirins, as empresas sabem que o esforço maior é para mantê-los. Criança trata os seus bens como brinquedos, dos quais enjoam rapidamente e abandonam sem dó. ?O segredo é apresentar novidades o tempo inteiro, sem descanso?, ensina Cláudio Raupp, vice-presidente da Nokia do Brasil. Por isso a Vivo apostou na diversificação de serviços. Produtos desenvolvidos para a garotada não param de bater recordes nas contas da operadora. Só em agosto, ela vendeu 1,5 milhão de tons musicais. Cada tom, um recurso para o qual os adultos não dão a mínima mas é peça de exibicionismo nos bancos escolares, custa entre R$ 2,40 e
R$ 3,40. E o campeão de downloads é a música ?Tô Nem Aí?, tema da novela Malhação, da Rede Globo. ?Na nossa base de celulares pré-pagos, 10% dos clientes têm menos de 15 anos?, afirma Luís Avelar, vice-presidente de marketing da Vivo.

Na Microsoft, o tema é tão estratégico que há dois anos a empresa criou um grupo de trabalho, o Three Degrees, cuja missão é explorar o universo da geração plugada. Capitaneados por uma antropóloga, técnicos e pesquisadores queimam neurônios para descobrir como fazer meninos e meninas clicarem no ícone do Windows antes de aprender o bê-á-bá. Eles já sabem, por exemplo, que as crianças querem que a internet tenha a cara delas. O novo Messenger 6.0 é fruto desse traballho. Recentemente lançado no Brasil, o software de comunicação instantânea traz como chamariz os ?emoticons?. São pequenos desenhos e símbolos que a molecada, em sua comunicação frenética, usa no lugar das palavras. Osvaldo Oliveira, presidente do portal MSN, credita aos ?emoticons? (e por conseqüência ao público infantil) o sucesso do Messenger no País. ?Crescemos 100% no último ano, já temos 2,4 milhões de usuários e encostamos no ICQ?, diz ele. Mas todo cuidado é pouco para lidar com esse público. Precavida contra possíveis arranhões na sua imagem e preocupada com a qualidade da informação que chega às crianças, a Microsoft decidiu fechar salas de bate-papo não monitoradas.

A Philips também entrou na onda. Para reposicionar a sua marca num mercado de produtos considerados ?commodities?, a empresa está lançando aparelhos de som e imagem que se conectam à internet sem fio, permitindo downloads de trailers de filmes, jogos e músicas, de qualquer lugar da casa. No meio dessa ciranda cibernética, os publicitários estão meio perdidos. ?Para essa galera, a internet, faz parte da paisagem. Como é que eu uso a web para anunciar para esse público??, resigna-se Paulo Jorge, o PJ, vice-presidente de criação da Agência Click, pioneira em publicidade na internet. Ele diz que a única coisa que funcionou até agora foi um tal de ?marketing viral?: a criança recebe um e-mail de uma empresa e só concorre a prêmios se repassá-lo a um número determinado de amigos. A AOL também tem uma pista. Recentemente, a companhia fez uma pesquisa para identificar o perfil dos principais usuários da rede. Descobriu que dois grupos respondem por metade do tráfego virtual no País ? os executivos e os jovens. A AOL produziu sites específicos para eles, com uma diferença: publicidade só para a moçada, porque, para os engravatados nada é mais detestável do que um banner piscando na tela ou um pop-up atrapalhando a navegação. Já dos 9 aos 14 anos, tudo é festa, tá ligado?