Lolita Pille, uma francesa de 20 anos, não tem papas na língua. Logo no início de Hell, romance semi-autobiográfico lançado na França em 2002 e recentemente no Brasil, ele diz ao que veio. ?Sou o mais puro produto da geração Think Pink; meu credo: seja bela e consumista?. E prossegue: ?Sou francesa e parisiense e estou me lixando para o resto; pertenço a uma única comunidade, a mui cosmopolita e controversa tribo Gucci Prada ? a grife é meu distintivo?. Hell é um soco no estômago de quem vive no mundo exclusivo das etiquetas de luxo, num vazio existencial. A autora sabe o que diz porque viveu nesse planeta dos 14 aos 19 anos, na cola de amigos. ?Não é a história da minha vida porque já não ando mais assim?, diz ela, filha de funcionários públicos de classe média alta.

DINHEIRO conversou com Lolita por telefone. A moça atendeu o celular no cinema, com o filme já em andamento, numa atitude muito adequada aos personagens do livro. Depois do lançamento, as boates fecharam-lhe as portas, incomodadas com as denúncias de consumo excessivo de cocaína e haxixe. Os mais próximos reclamaram dos detalhes sórdidos. É, sem dúvida, um feio retrato dessa geração cor-de-rosa que, nas palavras da própria Lolita, nada tem na cabeça. São jovens que, para reproduzir um estilo de falar das primeiras linhas do célebre romance do russo Nabokov, com ?a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes, Lo-li-ta?, conseguem apenas atravessar dois patamares, duas sílabas, para dizer: Gu-cci ou Pra-da.

 

Pé na Estrada. A cada tempo seu livro. Nos anos 50 do século passado, um romance do americano Jack Kerouac, ?Pé na Estrada?, ajudou a retratar e a definir uma geração: os beatniks. Era um grupo de jovens cansados da explosão do consumismo. Ao som de jazz, drogas e sexo lideravam um novo estilo de vida. Queriam apenas sair por aí, sem rumo. Um crítico literário chegou a dizer que ?Pé na Estrada? foi escrito como se Kerouac ouvisse Miles Davis ? com frases longas, improvisadas, sem pontuação. O texto de Lolita, independentemente de sua qualidade literária (é apenas razoável), reflete um outro som: o da chatíssima música lounge tocada nos intervalos do zum-zum-zum techno das boates. Ela e seus amigos adoram a gravação insossa de Insensatez, de Tom Jobim, ao som do grupo Sun Trust. É a trilha sonora de um modo de vida. ?Não posso dizer que é uma geração perdida, mas não está longe disso?, diz Lolita. ?Há um terrível vazio que não pode ser preenchido por dólares e euros?.

 

Cabe uma pergunta diante da explosão do livro na França, com 25.000 exemplares vendidos, e de seu sucesso no Brasil (já aparece em nono lugar entre os dez mais, com quase 6 mil unidades): a que público ele se dirige por aqui? Há, evidentemente, um lote interessado em muito sexo e droga. Mas só isso já não atrai. ?O que talvez impressione as pessoas são as semelhanças das elites na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil?, diz Lolita. No País da Daslu, o pedaço que se encaixa à perfeição no povo reproduzido pela francesa é pequeno ? é feito de gente que, a rigor, em vez de aproveitar as marcas nas ruas de São Paulo ou do Rio, ou em redutos selecionadíssimos das capitais nordestinas, prefere mesmo o aeroporto como saída.

Quem são eles: 0,03% da população, segundo um estudo recentemente lançado pelo sociólogo Marcelo Medeiros, do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA. São pouquís-
simos, 10 mil pessoas com renda per capita mensal de R$ 22,6 mil ? mas como consomem. A eles, e a quem está interessado em
estudá-los como uma classe social exótica, recomenda-se a leitura das 215 páginas de Lolita Pille ? e pé na estrada com a geração think pink. Mesmo que incomode descobrir como ela se diferencia dos outros. Ou, nas palavras da personagem central: ?A gente toma Prozac como vocês tomam Melhoral?.