07/09/2017 - 8:56
Moradora da Mangueira – o morro da zona norte do Rio conhecido por seus gênios do samba e pelo histórico de violência -, Leonor (*) tem três filhas, de 13, 9 e 4 anos. Depois de “um bom tempo” de tranquilidade, que veio com a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), em novembro de 2011, a dona de casa agora se sente tão temerosa quanto frustrada. O anúncio, feito pela Secretaria de Segurança Pública no dia 22, de que o efetivo do programa será reduzido em um terço, para reforço do patrulhamento em ruas “do asfalto”, chega depois do retorno dos confrontos dos policiais com traficantes da favela.
“Minha caçula está conhecendo o que é tiro agora. Fica muito assustada, se esconde, tenta abafar o barulho para não ouvir”, lamenta Leonor, com a menina no colo. Ela já cogita se mudar para o interior do Estado, onde tem parentes. “Os tiros voltaram para a Mangueira há um ano mais ou menos. Agora vai piorar ainda mais. O governo está dizendo: ‘Olha, a UPP não deu certo, então acabou, vamos embora. Você se vira aí’. Isso é abandono.”
A apreensão, misturada à decepção de ver ruir um programa que, ao menos em parte, e por um determinado período, teve resultados significativos na redução dos embates armados, é compartilhada pelo atendente de farmácia Robson. Ele mora há 20 anos no Morro Dona Marta, na zona sul, cuja unidade, a primeira, considerada modelo, completa dez anos em dezembro de 2018.
A filha de Robson, Julia, de 8 anos, faz parte da “geração UPP”: nasceu e vinha crescendo em uma favela sem tiroteios. Tanto ele quanto Leonor pediram para não terem a identidade publicada. Eles temem represálias – e não sabem de que lado poderia vir. “Se a UPP sair, vai ser um desastre. Minha filha foi criada na paz. Agora tem tiro, e eu tento despistar, digo ‘já vai passar’”, conta Robson, resignado. “Isso muda a infância. Ela passa a conviver com o medo, como era quando eu era pequeno. Como pai, fico sem chão. Mas acho que vão manter (o programa) pelo menos aqui na zona sul, que é vitrine.”
Robson e os vizinhos já restringem seus percursos na favela há cerca de um ano, desde que traficantes, no passado intimidados, passaram a afrontar os integrantes da UPP. Recentemente, um deles repousou um fuzil na estátua de Michael Jackson, lembrança da passagem do cantor pela favela, em 1996, e um ponto turístico pós-UPP.
A foto da “brincadeira” viralizou e foi vista como um símbolo do colapso do programa, vendido pelo então governador Sergio Cabral Filho (PMDB) como a solução para o fim do “poder paralelo” do tráfico em favelas. O pressuposto era a reversão da animosidade entre a PM e moradores, o que considerava a entrada de projetos sociais. A algumas localidades, eles chegaram; outras nunca os viram como prometido. Acusado de chefiar um grande esquema de corrupção, o que nega, Cabral está preso há nove meses.
Bem-sucedido em lugares como a Vila Cruzeiro, na zona norte (um terço a menos de assassinatos de 2011, um ano antes da UPP, até 2015), não vingou em outros, como a Vila Kennedy, na zona oeste (este crime quase triplicou de 2014, quando a UPP foi criada, a 2015). A divulgação dos dados está defasada em um ano e meio, o que impede comparações com 2016 e o primeiro semestre de 2017.
A mudança está ligada à explosão dos índices de criminalidade no Estado – a chamada letalidade violenta (como homicídios dolosos e roubos seguidos de morte), que cresceu 26% nos últimos seis anos. Essa situação, segundo o secretário da Segurança Roberto Sá, leva a um incremento de PMs nas ruas.
Prazo – Como não há como contratar novos policiais, diante da crise financeira do governo, a solução encontrada foi queimar “a gordura” das UPPs. A secretaria nega que as unidades vão ser extintas. Alegando tratar-se de “questão estratégica”, a PM mantém sigilo sobre o processo de transferência dos contingentes, que deve terminar em “no máximo 45 dias”. (Roberta Pennafort)
(*) OS NOMES DOS PERSONAGENS DESTA REPORTAGEM FORAM ALTERADOS, POR MEDIDA DE SEGURANÇA.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.