14/07/2023 - 18:40
O presidente da siderúrgica Gerdau, Gustavo Werneck, passou a primeira metade de junho no Butão, pequeno reino budista encravado no alto do Himalaia. Ele foi a trabalho. Apesar de estar longe dos maiores mercados da companhia no mundo — Brasil e Estados Unidos —, Werneck subiu as montanhas para aprimorar suas habilidades em um tema que ele considera fundamental para o sucesso da empresa: a felicidade.
O Gross National Happiness, ou índice de Felicidade Interna Bruta (FIB), criado pelo rei Jigme Singye Wangchuk, é formado por um conjunto de indicadores que mede a satisfação pessoal e espiritual de pessoas e comunidades. Não que Werneck, um autêntico mineiro de Santa Luzia, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, esteja triste.
Ao contrário. Sob seu comando, a maior produtora brasileira de aço e uma das principais no mundo faturou a soma recorde de R$ 82,4 bilhões no ano passado, crescimento de 5,2% sobre 2021 e o melhor resultado em 122 anos de história.
O objetivo daquela imersão, portanto, não era melhorar os resultados financeiros da Gerdau. Os números do balanço mostram que Werneck não precisaria disso. Em vez de transformar minério de ferro em aço, o foco era aprender como transformar gente. “Voltei com uma visão mais atenta para nossos funcionários, fornecedores e clientes”, afirmou Werneck, em entrevista à DINHEIRO.
“Agora, nossa preocupação não está apenas em preços de produtos ou em cifras de investimento, mas como está a espiritualidade das pessoas, em como elas investem seu tempo e até em como está a qualidade do sono. Essa é a grande fronteira de desempenho organizacional que ainda não foi entendida por muitas empresas”, disse o CEO.
O depoimento de Werneck sobre sua experiência na Ásia não tem a pretensão de descrever uma aventura ou de inspirar livros de autoajuda. Trata-se de parte da explicação, segundo ele, de como a Gerdau chegou aos recordes atuais. A motivação da viagem de Werneck surgiu no caos econômico e social durante a pandemia. Nos últimos dois anos, do portão para dentro, a empresa lançou uma série de inciativas para dar suporte a seus mais de 36 mil funcionários em todo o mundo.
Os programas de assistência aos colaboradores e familiares, como atendimento psicológico, flexibilidade de jornada e respaldo financeiro, forjaram também a forma como a Gerdau se relaciona dos portões para fora — e, por consequência, seus resultados no balanço.
Uma gestão vencedora
Logo em 2020, a companhia decidiu, pela primeira vez em mais de um século, encurtar o pagamento de pequenos fornecedores para o mesmo dia, o que antes era praxe em 30 ou 60 dias. “Sem isso, os pequenos fornecedores poderiam não sobreviver. Proteger a empresa é proteger os clientes também”, disse o CEO.
E mais: Werneck determinou que todos os projetos em andamento ou em desenvolvimento fossem mantidos, garantindo que toda a cadeia do setor pudesse participar da execução das iniciativas em um momento crítico para a economia brasileira e mundial.
E parece que ele fez bem. Tanto é que depois de desembolsar R$ 4,3 bilhões no ano passado — sendo R$ 2,6 bilhões em manutenção e R$ 1,7 bilhão em projetos — a Gerdau definiu para este ano um novo plano de R$ 5 bilhões em investimentos para manutenção, expansão e atualização tecnológica de suas operações.
Outros R$ 640 milhões foram destinados a expansão de ativos florestais, atualização e aprimoramento de controles ambientais, com foco em eficiência energética e redução de emissões de gases de efeito estufa. A meta é reduzir em 10% as emissões até 2030 e ser carbono zero até 2050.
Para alcançar essa meta, a Gerdau vai ampliar seus projetos florestais e, em paralelo, acelerar operações de reutilização de metais. Hoje, mais de 70% da matéria-prima da empresa é sucata reciclada, percentual que garante à companhia baixos índices de emissão de carbono.
Além disso, a empresa mantém 254 mil hectares de florestas, sendo 90 mil de área de preservação ambiental, distribuídos em 90 municípios mineiros. “Construímos os melhores resultados da história da companhia em sintonia com as melhores práticas sociais e ambientais”, disse Werneck.
Na área de logística, o plano de descarbonização se resume em trocar parte do transporte feito por caminhões por canos. Entre 2023 e 2025, a Gerdau vai investir R$ 3,2 bilhões para construir um mineroduto ligando a mina da empresa em Ouro Preto à planta de Ouro Branco.
A obra faz parte de programa chamado pela empresa de plataforma de mineração sustentável. A tubulação terá 15 quilômetros e capacidade para escoar 5,5 milhões de toneladas de minério por ano. A previsão é que comece a funcionar em 2026.
Seja pela ótica ambiental ou financeira, os bons resultados do ano passado — e o provável novo recorde neste ano — estão fazendo a alegria da siderúrgica e de seus acionistas.
Com o resultado recorde de 2022, foram distribuídos R$ 6,1 bilhões para os acionistas da Gerdau S.A. (R$ 3,63 por ação) e R$ 1,3 bilhão para os acionistas da Metalúrgica Gerdau S.A. (R$ 1,25 por ação), o que representou um provento total sobre o lucro líquido ajustado do ano de 58,7% e 38,8%, respectivamente.
Na avaliação do economista Pedro Lang, head de renda variável e sócio da Valor Investimentos, a Gerdau tem sido ajudada por um esforço global dos governos de incentivos a obras de infraestrutura, especialmente nos Estados Unidos.
“No Brasil, com o governo Lula, há uma perspectiva boa com a aprovação do novo Minha Casa, Minha Vida, o que é muito positivo para a Gerdau”, afirmou Lang.
“A Gerdau está muito bem posicionada no mercado americano e muito bem no Brasil. Quando os juros começarem a cair, teremos uma demanda habitacional na veia.”
Por dentro da Gerdau
A companhia brasileira vive o melhor momento de sua história
• Fundada em 1901, em Porto Alegre, por João Gerdau e Hugo Gerdau
• 11 milhões de toneladas recicladas anualmente, maior recicladora de sucata metálica da América Latina
• Presença em 9 países nas Américas (Brasil, Argentina, Uruguai, Peru, Colômbia, República Dominicana, México, Estados, Unidos e Canadá)
• +5,2% sobre o resultado de 2021
36 mil funcionários
• 12,7 milhões de toneladas de produção aço bruto por ano
• 71% do aço produzido pela Gerdau tem a sucata metálica como matéria-prima
• R$ 82,4 bilhões de faturamento em 2022
• 32 unidades industriais para produção de aço
• Investimentos de R$ 4,3 bilhões em 2022 e de R$ 5 bilhões em 2023
A Gerdau, vista por fora
• Maior produtora de carvão vegetal do mundo, com mais de 250 mil hectares de base florestal no estado de Minas Gerais
• Possui uma das menores médias de emissão de gases de efeito estufa (CO2e), de 0,89t de CO2e
por tonelada de aço, o que representa aproximadamente a metade da média global do setor, de 1,91t de CO2e por tonelada de aço (worldsteel)
• Ações listadas nas bolsas de valores de São Paulo (B3), Nova Iorque (NYSE) e Madri (Latibex)
Brasil ao cubo
Em paralelo às iniciativas ambientais e de descarbonização está a estratégia de “descomoditizar” o aço. Para os próximos anos, o plano de Werneck é agregar valor ao metal, aumentando a capacidade de produção de aços especiais — mais leves e com mais resistência, como os utilizados em veículos elétricos — e oferecendo serviços associados ao metal na construção civil.
O pilar mais importante desse plano atende pelo nome de Brasil ao Cubo, uma empresa catarinense especializada em steel frame que recebeu aporte de R$ 60 milhões da Gerdau em 2020.
“Em vez de a gente entregar o aço para o cliente, o cliente contrata uma consultoria nossa. E já entregamos a solução.”
Gustavo Werneck, presidente da Gerdau
A construtech executou grandes obras para empresas como Ambev e Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e tem projeção de faturar R$ 650 milhões neste ano. A Brasil ao Cubo, que despontou como uma importante aliada das empresas no combate à pandemia, já que seu modelo de negócio permitiu a construção de grandes prédios e galpões de forma rápida, planeja entrar no segmento residencial de alto padrão.
Toda essa conjuntura interna e externa da Gerdau ajudou a acelerar também a incorporação de novas tecnologia aos processos produtivos. A megafábrica da companhia em Ouro Branco, interior de Minas Gerais, implementou sistemas de algoritmos para tomar decisões antecipadas na parte de manutenção.
A unidade também incorporou o sinal 5G para execução de todos os seus processos, a primeira grande empresa brasileira a tomar essa decisão. Com isso, a empresa reduziu em mais de 90% o tempo de parada das máquinas para reparos, turbinando exponencialmente a produtividade da planta.
“A Gerdau está muito bem posicionada no mercado americano
e muito bem no Brasil. Quando os juros começarem a cair,
teremos uma demanda habitacional na veia.”
Além disso, foram instalados 40 mil sensores em todas as fábricas da Gerdau no País, o que garante coleta de dados com muito mais assertividade. “O que antes era feito com uma planilha e um operador de máquinas hoje está totalmente automatizado”, disse Werneck.
Graças a essas inovações, os algoritmos e a inteligência artificial conseguem prever, segundo o CEO, falha nos equipamentos sete dias antes que aconteça. Com isso, houve também significativa redução dos custos de produção e possibilidade de capturar ineficiências que antes eram imperceptíveis.
A extensa lista de iniciativas, dentro e fora da companhia, tem a tarefa de preparar os negócios para a nova economia e garantir um futuro longevo e saudável para uma das maiores e mais eficientes empresas brasileiras. Missão que, segundo Werneck, só vale a pena para a Gerdau se tiver um único propósito: a felicidade.
Entrevista Gustavo Werneck, presidente da Gerdau
Quais foram as lições da viagem ao Butão?
Fui lá para entender como é que um conceito desse de Estado pode ser aplicado na empresa. Aprendi que não existe empresa de sucesso com funcionários tristes. Temos que criar sempre uma situação muito maior de apoio, de felicidade e de suporte. Esses olhares se ampliaram muito. Da integralidade de entender cada público.
Essa demanda é um legado da pandemia?
A Covid acelerou muita coisa. Na pandemia, mudamos coisas dentro e fora da empresa. Tomamos, por exemplo, uma decisão contrária ao que muitas empresas fizeram. Em vez de adiar o pagamento de fornecedores, segurar dinheiro em caixa e cortar projetos, passamos a pagar à vista o que antes era em 30 ou 60 dias. Sem isso, os pequenos fornecedores poderiam não sobreviver. Proteger a empresa é proteger os clientes também. Então, empresas brasileiras, como a Gerdau, conseguiram entender muito melhor a realidade do Brasil.
As iniciativas não geraram mais custos?
Quanto mais a gente investe em pessoas e em cultura, mais a gente lança o olhar para a sociedade. E mais resultado financeiro a gente entrega. E não abrimos mão de nossos princípios. Quando a gente olha só para o próprio umbigo, destrói a reputação. Se isso acontece, desestrutura toda a cadeia.
A reputação da Gerdau saiu fortalecida?
Talvez sim, mas não é esse o objetivo. Mas os números sugerem que sim. Nosso programa de recrutamento ano passado tinha 200 vagas. Atraímos 40 mil candidatos. Nunca tinha acontecido isso. As pessoas querem trabalhar com empresas que têm um olhar muito mais amplo do que um olhar econômico.
As ações foram iguais em todos os mercados em que a Gerdau atua?
A gente customiza em cada cultura. Programas de diversidade e inclusão nos Estados Unidos são diferentes dos daqui. Lá, não há indígenas. Não é um tema que precisa ser tratado. Então, diversidade e inclusão são iguais em todo o mundo, mas a forma como a gente implanta precisa ser adaptado às realidades locais.
Por que a Gerdau decidiu sair de alguns mercados, como a Espanha?
Porque passamos a focar nos mercados em que a gente é mais relevante, como Brasil e Estados Unidos. E abrimos mão de países onde a gente não tinha tanta relevância, como na Espanha. Hoje, pela primeira vez na história, nossa operação nos Estados Unidos é maior do que no Brasil. E o potencial do Brasil é imenso. Então, estamos mais focados.
O mercado americano ficou maior do que o do Brasil pela questão cambial?
Não só por isso. A economia americana está muito forte. Os investimentos em infraestrutura na América do Norte estão superaquecidos. O fenômeno do reshoring, ou seja, a repatriação de empresas que nas últimas décadas haviam deixado os EUA para produzir em outros países, está demandando muito aço. Além disso, o governo está investindo muito em energias renováveis, como eólica.
É difícil para uma empresa de perfil industrial e centenária fazer mudanças?
Com certeza é mais difícil fazer essa transformação digital. Muitas empresas tradicionais acabam morrendo por não querer deixar a zona de conforto. É arrogância. Quando você acha que tá bem, é aí que começa a baixar a guarda e achar que nenhuma transformação consegue te pegar. Nosso pensamento na Gerdau não é esse. Temos medo de desaparecer. Então, a gente fica o tempo todo pensando o que pode causar uma transformação no mercado que a gente não está vendo.
Questões como recessão, guerra e o dólar não preocupam?
A gente tem como filosofia interna não se preocupar com fenômenos macroeconômicos que a gente não controla. Não dá pra ficar arrancando os cabelos com dólar barato ou dólar alto. Por mais que tudo esteja incerto, a Gerdau segue em frente, trabalhando.
Dá para continuar crescendo nesse cenário mais desafiador?
Sim. Vamos crescer de forma diferente do que a gente cresceu no passado, com menos aquisições, com menos alavancagem. A nossa estratégia é muito mais focada nos nossos clientes, criar valor para os nossos clientes, entrar em mercados mais de nicho, entregar mais serviços conectados ao aço. Cada vez mais a gente vê que os nossos clientes estão buscando isso: não só comprar o aço, mas o aço com serviço agregado. Então, olhando os próximos dez anos, vamos continuar operando nas Américas, muito mais centrados em criar serviços e valores aos clientes.