Os conselhos de saúde dos Estados e municípios rejeitaram a nova diretriz do Ministério da Saúde sobre distanciamento social. Pela proposta federal, os gestores regionais teriam de fazer um levantamento de uma série de dados – da capacidade dos leitos até o número de mortos. Com base nessas informações, haveria uma pontuação, que definiria qual seria a medida mais apropriada, que poderia ir de um isolamento parcial até o bloqueio total, o lockdown.

A diretriz, que foi rejeitada pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), era a principal promessa do ministro Nelson Teich ao assumir a pasta.

Nesta segunda-feira, o ministro se disse surpreso com a rejeição. Teich afirmou que, no fim de semana, tratou do assunto com representantes regionais e houve consenso de que as medidas seriam anunciadas para balizar e orientar cada gestor local a tomar suas decisões. “No sábado, quando a gente terminou a reunião, aparentemente havia um consenso. Fui surpreendido hoje (ontem), com algumas notas de jornal, mostrando que esse não era o cenário de hoje (ontem)”, comentou. A decisão dos conselhos foi revelada pelo Estado.

Segundo gestores regionais ouvidos pela reportagem, o argumento mais forte para não dar apoio às regras federais é que seria inoportuno lançá-las em meio ao aumento de casos e mortes pela doença. O risco é causar dubiedade sobre a mensagem de isolamento social, ou seja, incentivar a população a sair de casa, disseram estes gestores. “Enquanto estivermos empilhando corpos, não tenho como discutir isso”, disse o presidente do Conass, Alberto Beltrame.

O governo federal não tem poder de impor restrições ou flexibilizações a cidades e Estados. Sua missão é orientar medidas, mas quem decide o que efetivamente deve ser feito são governadores e prefeitos, que têm autonomia para isso.

Para a população, portanto, continuam a valer as orientações locais sobre medidas de prevenção e segurança.

Segundo Teich, “a argumentação que foi colocada hoje (ontem) foi diferente da que foi colocada para mim na semana passada”, disse, em relação aos gestores dos conselhos. “Para mim foi uma surpresa enorme. No sábado, a discussão foi absolutamente técnica. O que me foi passado é que havia um consenso. Naquele momento, não tinha um posicionamento, um questionamento, alguma crítica, como a que a gente teve hoje (ontem) do Conass em relação ao modelo”, declarou.

Sem consenso com os conselhos locais, a diretriz de Teich não pode ser publicada como portaria, como estava previsto. Outro reflexo é que também não ganha efeito prático para, por exemplo, exigir que secretários locais busquem os dados exigidos na diretriz recusada. Na prática, portanto, as regras se tornaram apenas uma recomendação vaga.

A nova regra que poderia balizar e unificar a forma como Estados e municípios fariam o isolamento social vinha sendo discutida em reuniões entre o Ministério da Saúde, o Conass e o Conasems. Representantes da Casa Civil e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) também participavam das tratativas.

Os conselhos dos Estados e municípios, no entanto, decidiram não dar apoio à regra. A ideia de Teich era obter consenso para publicar uma resolução nacional sobre o tema. A proposta do ministro deveria, então, ser apresentada à imprensa ontem.

A chamada “matriz de risco” era carro-chefe da gestão Teich e promessa levada pelo médico a Jair Bolsonaro ao candidatar-se ao cargo de ministro da Saúde. Teich chegou a afirmar, em vídeo publicado nas redes sociais, em 20 de abril, que já estava em elaboração um “plano” para “revisão do distanciamento social” no País.

Inoportuno

Os Estados e municípios não seriam obrigados a seguir a regra, mas gestores locais ouvidos pela reportagem temem que as diretrizes virem arma para discurso contrário ao isolamento. Além de considerarem inoportuna a discussão, secretários afirmam que seria inviável levantar dados como os de número de servidores da saúde com sintomas de gripe, kits de equipamento de proteção individual (EPI) para cada um destes trabalhadores, entre outras informações que a nova diretriz exigia, pois esses dados mudam diariamente.

A proposta de Teich era que a pontuação, a partir das informações objetivas, servisse para orientar os gestores regionais. Adotar medidas, porém, não seria obrigatório. Mas secretários afirmam que apenas iniciar a discussão nacional sobre o tema já daria a entender que é possível flexibilizar o distanciamento social no País. “Gerar dubiedade na mensagem de isolamento social me parece um desserviço à saúde pública”, disse Beltrame.

Para o presidente do Conass, Estados podem discutir individualmente flexibilizar quarentenas. Mas a discussão ainda não pode ser nacional.

O Rio Grande do Sul, por exemplo, começou ontem um plano de distanciamento controlado. O governo dividiu o Estado em 20 regiões, cada uma com uma bandeira – amarela, laranja, vermelha, preta -, que prevê graus diferentes de restrições e abertura da atividade econômica.

Para Beltrame, o plano é válido. “Desejo sucesso na sua implementação, com a ressalva da necessária cautela diante da proximidade do inverno no sul, ocasião de maior sazonalidade das síndromes respiratórias na região.”

Fila única

Os 26 Estados e o Distrito Federal disseram ao Supremo Tribunal Federal ontem que são contrários ao pedido feito pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) para que o Sistema Único de Saúde (SUS) passe a controlar os leitos privados de UTI com objetivo de criar uma “fila única”. Os governos estaduais viram o pedido como interferência indevida na autonomia.

O procurador-geral do Estado do Maranhão e presidente do Colégio Nacional dos Procuradores-gerais, Rodrigo Maia Rocha, disse que a manifestação não significa uma oposição à possibilidade de requisitar leitos da rede privada e isso já vem ocorrendo no seu Estado, por exemplo. “Já estamos fazendo isso. O que a ação pretendia era impor a requisição de leitos, o que entendemos ser inadequado, pois viola a autonomia”, explicou. “Não somos contrários à requisição”, reforçou.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) tramita no Supremo desde o início de abril. O ministro Ricardo Lewandowski negou o pedido em 3 de abril, destacando que “não cabe ao Supremo Tribunal Federal substituir os administradores públicos dos distintos entes federados na tomada de medidas de competência privativa destes”.

O partido recorreu dizendo que “uma decisão como essa não é opcional, mas sim um dever do poder Executivo, uma questão de precaução”. A posição exposta pelo Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais, que representa os Estados, diz que é necessário se observar a realidade de cada região.

“Enquanto Amazonas, Maranhão e Rio de Janeiro possuem situação crítica de ocupação de leitos de UTI (taxa acima de 90%), há Estados como Mato Grosso do Sul, Tocantins e Santa Catarina em patamar abaixo dos 20% de ocupação”, lê-se no documento. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.