Fotos de um grupo de pinguins andando pelas ruas da cidade? Com inteligência artificial (IA), talvez. À medida que ferramentas como MidJourney — capaz de produzir imagens ultrarrealistas em poucos segundos — se popularizam e substituem ou complementam o trabalho de fotógrafos, observadores de empresas de conteúdo visual podem considerar que o setor está caminhando para o fim. Na visão da Getty Images, uma das principais fornecedoras mundiais de mídia digital, a IA generativa representa mais uma oportunidade para alavancar o negócio.

A empresa, por trás do iStock, acaba de lançar seu próprio modelo de IA generativa. Desenvolvida pela Nvidia Picasso, a ferramenta funciona por comandos de texto e dá outra possibilidade aos usuários: ter autonomia sobre a criação de suas peças e gerar conceitos complexos para sessões de fotos, indo além dos limites das técnicas tradicionais.

“Para muitos profissionais, a IA generativa criou possibilidades de produzir conteúdo que, de outra forma, seria muito caro ou logisticamente impossível, como é o caso dos pinguins marchando em Nova York”, disse Grant Farhall, diretor de produtos da Getty, à DINHEIRO.

Enquanto o atual cenário da IA é movimentado por manipulação de imagens, deep fakes, sobrecarga de informação e saturação tecnológica, Farhall afirma que a nova ferramenta se destaca por ter sido construída em cima da ideia de que a narrativa visual autêntica é uma via fundamental para estabelecer confiança entre empresas e consumidores.

A estratégia, nesse caso, foi a construção do novo recurso com base na biblioteca criativa da Getty e nas fotos do próprio iStock, impedindo o uso de imagens protegidas por direitos autorais e os possíveis perigos envolvidos nos fins comerciais.

Para simplificar: o modelo de IA não sabe quem é a Taylor Swift, o Bob Esponja ou o que é um swoosh da Nike. Por isso é preciso treinar a IA com preceitos legais e morais. Isso impede que usuários gerem imagens no estilo de artistas nomeados, como Van Gogh ou Salvador Dalí, por exemplo.

“Permitir que a IA generativa seja treinada com base em obras protegidas eleva a criação de conteúdos ilimitados e de baixo custo, que competem com trabalho de artistas essenciais para uma sociedade vibrante e progressista”, afirmou Farhall.

Grant Farhall, diretor de Produtos Getty: “Treinar a ia com base em obras protegidas é um risco para o trabalho de artistas essenciais para uma sociedade vibrante e progressista” (Crédito:Divulgação)

PERIGOS

Com a proximidade das eleições presidenciais nos Estados Unidos, empresas de IA já começaram a se posicionar com relação aos perigos envolvidos na tecnologia. Um exemplo é a OpenAI, startup responsável pelo desenvolvimento do ChatGPT.

Em anúncio recente, a companhia se comprometeu a “evitar abusos, proporcionar transparência em conteúdos gerados por IA e melhorar o acesso a informações precisas sobre votações”.

No caso da Getty Images, reconhecida por fornecer conteúdos de alta qualidade e clicados por fotógrafos profissionais, o compromisso é o mesmo.

Segundo Farhall, a dona do iStock reconhece os riscos potenciais da tecnologia e destaca a necessidade dos fornecedores de modelo de IA generativas abordarem questões como desinformação, preconceito e utilização indevida.

Ainda de acordo com Farhall, a parceria com a Nvidia tem sido essencial para driblar esse tipo de problema. “Estamos trabalhando para bloquear solicitações que possam gerar qualquer tipo de conteúdo problemático.”

Quando se trata do Brasil, ele afirma que a Getty Images encontrou um terreno propício para impulsionar seus avanços, aproveitando a receptividade dos brasileiros às novas ferramentas.

De acordo com uma pesquisa global realizada pela empresa, a América Latina se destaca como uma das regiões mais entusiasmadas e interessadas na inteligência artificial em todo o mundo. Com uma amostragem de 7 mil adultos em 25 países, o estudo VisualGPS revelou que o interesse dos brasileiros na IA é 15% superior à média global.

Além disso, nove em cada dez pessoas na região acreditam que a IA pode contribuir para tornar suas vidas mais eficientes. “Vemos o Brasil como um mercado dinâmico e em crescimento, por isso estamos investindo não apenas com nossas ferramentas de IA, mas em todas as ofertas e experiências em conteúdo visual”, disse Farhall. A Getty Images não divulgou o valor investido.

(Gettyimages)

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A NOVA FERRAMENTA

O preço da ferramenta será de US$ 14,99 para 100 prompts (comandos), com cada prompt gerando quatro imagens.

Além disso, cada imagem gerada licenciada vem com a cobertura legal padrão de US$ 10 mil (cerca de R$ 50 mil).

De acordo com Farhall, não há expectativa de que o novo recurso gere (agora) níveis de receitas equivalentes às bibliotecas de imagens, parcerias e soluções de conteúdo personalizado. Porém, ele diz acreditar que o produto está bem posicionado para competir a longo prazo.

“Estamos com uma enorme vantagem devido à quantidade de dados e conteúdo de classe mundial em imagens editoriais, criativas e arquivos, que inclusive remontam a algumas das primeiras fotos já tiradas”, afirmou.

Como próximos passos, o executivo adianta que a plataforma iStock vai ganhar recursos inpainting e outputting, que permitem mascarar a região de uma imagem e, em seguida, preencher com uma pessoa ou objeto descrito por meio de um prompt e expandir imagens para ajustá-las em diversas proporções. “Recursos poderosos para criar imagens com tamanhos exclusivos para publicidade e mídias sociais”, afirmou.

BATALHAS JUDICIAIS

Além dos algoritmos, a nova ferramenta da Getty Images carrega, indiretamente, a mensagem sobre a importância dos direitos autorais e da propriedade intelectual. A batalha, contudo, vem sendo travada de outras formas. Recentemente, a gigante do banco de imagens entrou com uma ação contra uma empresa proprietária de uma ferramenta de inteligência artificial, acusando a companhia de usar indevidamente suas fotos.

De acordo com um comunicado emitido pela dona do iStock, a disputa é pela propriedade intelectual das imagens que tem aparecido em montagens realizadas pela empresa acusada.

Na opinião de Farhall, a defesa da privacidade individual e da obtenção do consentimento dos titulares de direitos para o treinamento da tecnologia estão numa batalha sobre a regulamentação. “Sem regulamentação, o fardo da verificação de conteúdos gerados por inteligência artificial recai sobre o público, levando potencialmente ao plágio e à influência de conteúdos enganosos”, afirmou o diretor de produtos da Getty.