A multinacional australiana Fortescue recebeu autorização do governo federal e estadual para iniciar a primeira fase de um projeto produção de hidrogênio verde (H2V) que será o maior do país em investimento, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O local escolhido para a construção é o Complexo Industrial e Portuário do Pecém, na região metropolitana de Fortaleza (CE).

As obras de preparação do terreno estão previstas para começar já este ano, segundo a empresa. A companhia realiza no momento estudos de impactos ambientais e de engenharia. Já a decisão final de investimento – que garante o progresso para a fase da construção – só será tomada em 2025.

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Caso o projeto avance, a empresa projeta um investimento de R$ 20 bilhões e a criação de 5 mil empregos no pico da edificação, entre vagas na construção civil e em setores transversais.

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) afirma que a capacidade de produção da planta industrial será de 1,2 gigawatts (GW), por ano, podendo chegar a 2,1 GW em uma possível segunda fase. Para efeito de comparação, Itaipu tem capacidade instalada de 14 gigawatts (GW) no ano, e fornece cerca de 8,6% da energia consumida no Brasil e 86,3% do consumo paraguaio, segundo informações da própria usina.

A empresa afirma que a primeira etapa, já em execução, busca garantir que o projeto será viável. “A chave é ser competitivo com outros projetos de H2V em nível internacional e reduzir ao máximo possível a diferença de preços em relação ao hidrogênio produzido a partir de combustíveis fósseis”, diz em nota.

Quem é a Fortescue

Em julho de 2024, quando fez o anúncio do projeto no Pecém, a Fortescue também divulgou a decisão final de investimento de plantas industriais de energia verde nos EUA e na Austrália. A empresa afirma ter planos semelhantes para o Marrocos, Argentina, Nova Zelândia, Omã, Egito, Quênia e Jordânia.

A guinada rumo à sustentabilidade, no entanto, é relativamente recente. Fundada em 2003 como uma mineradora, a companhia era chamada “Fortescue Metals Group” até julho de 2023. Várias de suas minas seguem ativas. Poucos meses antes de mudar de nome, ela firmou acordo para extração de ferro no Gabão, país da costa oriental africana.

Trabalhadores nas minas da Fortescue em Belinga, no Gabão (Crédito:Reprodução/Fortescue)

Listada na Bolsa de Valores da Austrália, a Fortescue reportou uma receita de US$ 16 bilhões em 2023, uma queda de 3% em relação ao ano anterior. Em seu balanço, a empresa destacou os investimentos no segmento verde.

“A Fortescue é a primeira mineradora a se comprometer com a descarbonização de suas operações”, afirma o country manager da empresa no Brasil, Luis Viga, em nota enviada ao site IstoÉ Dinheiro. “O Brasil foi escolhido como um dos projetos prioritários pela empresa no mundo. Nossa planta de hidrogênio verde será um marco para a neoindustrialização do país.”

O que é hidrogênio verde?

O hidrogênio (H2) é utilizado tanto como matéria-prima como para geração de energia. Apesar de ser o átomo mais abundante na natureza, possui pouquíssimas jazidas naturais. O isolamento da molécula deve assim ocorrer a partir de um processo chamado “hidrólise”, que envolve grandes quantidades de energia.

Sua extração pode ocorrer a partir de água ou de biomassa de rejeito (resíduos florestais e da agricultura). Já para ser considerado “verde”, sua cadeia de produção precisa obedecer uma série de critérios, como uso de fonte de energia renovável na fabricação e de veículos que não utilizam combustível fóssil no transporte.

Segundo relatório da CNI, o gás hidrogênio tem potencial sobretudo para setores da indústria que necessitam queima direta em fornos e aquecedores. Também é utilizado como combustível para foguetes, e já há até automóveis movidos a H2. No Brasil, seu principal uso hoje é no refino do petróleo e na produção de fertilizantes.

Como não emite carbono, o hidrogênio é mais sustentável do que os derivados de petróleo e carvão. Assim, várias iniciativas tem apostado no H2V como uma solução para a descarbonização mundial. Um exemplo é o Banco Europeu de Hidrogênio, que financia iniciativas envolvendo o combustível nos países da União Europeia.

Por que no Pecém?

A localização no Pecém é estratégica: inicialmente, a ideia é que o projeto abasteça grandes mercados internacionais. O porto tem posição privilegiada em comparação a outros do Brasil para remeter a produção rumo aos Estados Unidos e Europa.

Joint venture criada para ser ao mesmo tempo complexo industrial e porto, o Pecém surgiu de uma parceria entre o governo do estado do Ceará e o porto de Rotterdam, da Holanda. O local já abriga a maior parte dos projetos de H2V no Brasil, impulsionados também pela presença de 100 parques eólicos no Ceará.

Ilustração das estruturas a serem construídas pela Fortescue caso o projeto avance (Crédito:Reprodução/Fortescue)

Segundo levantamento da CNI, são 66 projetos de H2V no país que juntos somam 188,7 bilhões em investimentos. Destes, cerca de 41% ou R$ 110,6 bilhões estão concentrados só no Pecém. A Fortescue arrendou 100 hectares do espaço.

Os outros principais destinos de investimentos em H2V também se localizam próximos a portos, o que evidencia as aposta neste combustível para exportação. Portos de Parnaíba (PI) tem R$ 20,4 bi; Suape (PE) tem R$ 19,6 bi; e Açu, no Rio de Janeiro, deverá receber R$ 16,5 bilhões.

A Fortescue projeta porém que o mercado interno de H2V possa eventualmente amadurecer e abarcar “a produção de fertilizantes verdes para o Centro-Oeste, aço para o Norte, cimento para o Sul e Sudeste, além de e-combustíveis para todo o território”.

Porto do Pecém (Crédito:Gladison Oliveira/Fortescue)