14/08/2020 - 22:57
Com a presença dos presidentes dos principais partidos da oposição ao governo de Jair Bolsonaro, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), participou nesta sexta-feira, dia 14, de um encontro do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) na qual ele criticou o que chamou de defesa do uso da “utilização de placebos ou de falsos medicamentos” no combate à pandemia de covid-19. Ao defender a ação da Corte durante a pandemia, o magistrado disse: “Era preciso que se levasse a pandemia a sério.”
A fala do ministro foi uma referência à defesa do uso de cloroquina pelo governo federal. “A crise expôs de forma contundente as fraturas expostas do quadro social do Brasil”, disse o ministro, que pela primeira vez participava de um encontro do MST. Com música e muita festa e elogios para o convidado, o evento foi transmitido pela organização por meio de uma live para convidados do movimento, magistrados, juristas, políticos, artistas, além de bispos da Igreja Católica e da Anglicana e presidentes de algumas das principais centrais sindicais do País.
“Nós só construímos a democracia com diálogo. Eu prometi que falaria sobre a saga que tem marcado o ano 2020 sobre a covid-19. Todos temos sofrido as consequências dessa crise, de proporções enormes “, disse Gilmar Mendes. O ministro começou a explicar as decisões da Corte durante a pandemia. “Era fundamental que houvesse uma maior integração entre União, Estados e municípios. E uma das decisões polêmicas do Supremo foi aquela que afirmou que União Estados e municípios tinham o mesmo grau de responsabilidade, que o poder do presidente da República não retirava a responsabilidade de Estados e Municípios.”
O ideal, segundo o ministro, era que houvesse uma ação harmoniosa entre todos, mas “isso não houve”. “O Tribunal mostrou de forma clara que o federalismo cooperativo da Constituição Federal devia ser respeitado. Tenho a impressão de que, se não fosse a decisão do Tribunal, muito provavelmente estaríamos flertando com um quadro de maior gravidade do que aquele que estamos passando, em que só estamos atrás dos Estados Unidos em números absolutos de mortes e de casos, um quadro constrangedor.”
Mendes afirmou que o tribunal agiu ainda para coibir abusos, como a Medida Provisória do governo Bolsonaro que permitia o acesso ao governo federal aos dados dos cadastros dos clientes de operadoras de telefonia. “O tribunal agiu para coibir abusos.” De acordo com o ministro, outro ponto importante durante a pandemia foi a descoberta de 11 milhões de pessoas “invisíveis” no País, que não receberam o auxílio governamental porque não estavam em cadastros formais do governo. “Isso nos enche de vergonha.”
O ministro citou logo a seguir o que chamou de uma outra perplexidade no começo da ação contra a covid-19: “O governo disse que talvez não pudesse pagar o auxílio emergencial porque aquilo feria a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas o ministro Alexandre Moraes (STF) já havia dado liminar afastando essa possibilidade. Nas hostes governamentais chegou a se falar que se precisava até de uma Emenda Constitucional. Faço esse relato, para dizer que, naquele momento, quando percebi a perplexidade do ministro Paulo Guedes (Economia), eu chamei a atenção para que não se demorasse demais com essa decisão e se pagasse logo.”
Mendes depois relatou o nascimento da PEC do orçamento de guerra que deu “condições ao governo de enfrentar a pandemia em situação relativamente confortável”. “Temos discutido um sem número de questões aqui no tribunal sobre a crise da covid-19. Repudiamos de forma clara a tentativa de tratar a pandemia de maneira atenuada. Enfatizamos sempre a necessidade de que todos nós nos pautássemos por uma medicina calcada em evidências. E nós nos orientássemos e fortalecêssemos as posições de governadores e prefeitos que defendem a aplicação das orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde).”
Em uma referência ao uso de cloroquina e sua distribuição feita pelo governo Bolsonaro, sem que haja evidências científicas para tanto, o ministro criticou que o fato de “em lugar de medicamentos testados, se advogasse a utilização de placebos ou de falsos medicamentos”. “Era preciso que se levasse a pandemia a sério.” Gilmar Mendes afirmou que o tribunal “não faltou ao povo brasileiro” durante a crise. “Ele defendeu o texto Constitucional, algumas vezes de forma criativa.”
O ministro concluiu afirmando que a crise revelou um Brasil com fraturas sociais, como as más condições sanitárias existentes nas grande metrópoles do País. “Nós negligenciamos essa questão da moradia, apesar de ser tratada no texto constitucional como um direito explícito. É preciso enfrentar o fato de existirem mais de cem milhões de pessoas sem acesso a esgoto e água tratada. Independentemente das posições políticas que tenhamos temos de colocar isso em nossas conversas.”
Mendes defendeu o debate sobre a criação de uma Lei de Responsabilidade Social, que o País trabalhe com metas sociais e que o Brasil coloque esses temas em sua agenda política e social. “Tenho defendido que essa é uma forma de ter um legado positivo desse ambiente pós-pandemia: defesa intransigente da democracia, defesa intransigente dos direitos fundamentais e pensar sim em uma lei de responsabilidade social. Para superar esse quadro que nos enche de vergonha. Uma parte do resultado escabroso que temos na pandemia se deve às más condições sanitárias.”
Líderes da oposição e sindicalistas participaram do encontro
Entre os participantes estavam o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), e os presidente do PT, Gleisi Hoffmann, Carlos Lupi (PDT), Carlos Siqueira (PSB), Luciana Santos |(PCdoB) e Juliano Medeiros (PSOL), além de parlamentares dos partidos, os ex-ministros da Justiça Tarso Genro e José Eduardo Cardozo, de presidentes des centrais sindicais e apoiadores do MST, como o cantor Chico Buarque.
“O Brasil vive a pior crise de sua história, pois aglutinou uma crise política, uma crise ambiental e uma crise de saúde pública, com mais de 100 mil brasileiros mortos, como se a bomba de Hiroshima tivesse caído sobre nós, pois outros países de mesma dimensão territorial enfrentaram a pandemia com muito menos custo social”, afirmou o líder do MST João Pedro Stédile, que participou do encontro. Ele afirmou ainda que “temos um governo federal ocupado por um homem que usa métodos fascistas”.
Diante de Mendes, que há um mês alertou para a possibilidade de as Forças Armadas serem associadas à acusação de genocídio dos povos indígenas em razão da política do governo para enfrentar a covid-19, o líder sem-terra disse: “As Forças Armadas estão tutelando esse governo e serão responsabilizadas perante a história. Pois em um governo democrático teríamos outro resultado.” Por fim, Stédile defendeu uma campanha “fora Bolsonaro”, que seja acolhida por toda oposição.
Por fim, o líder sem-teto defendeu que as escolas públicas permaneçam fechadas enquanto a epidemia de covid-19 não seja controlada. “Nós vamos nos insurgir. Não vamos permitir que abram as escolas”, afirmou, após mencionar o desejo dos dirigentes de escolas privadas de voltar às aulas, em alguns Estados, o mais cedo possível.
O encontro começou às 19 horas. A presença de Mendes foi saudada pelo jurista Celso Antônio Bandeira de Mello. “O ministro Gilmar Mendes é o mais próximo de todos os ministros em relação às pessoas que têm reivindicações profundas em relação à justiça social. É a primeira vez que um ministro do supremo comparece a uma reunião do MST, o que revela uma aproximação importantíssima”, afirmou. De acordo com ele, a presença do ministro é “a demonstração da união do povo de do STF”.
Cerca de 70 juízes e 200 juristas participaram do encontro, além dos presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, do presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT, Ricardo Patah, e de representantes da Intersindical e da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). Ao todo, cerca de 1,2 mil pessoas acompanharam o evento.