06/05/2024 - 7:33
O mundo era bem diferente em 2019, quando o presidente da China, Xi Jinping, visitou a União Europeia (UE) pela última vez. Ninguém ainda tinha ouvido falar em covid-19, a invasão da Ucrânia pela Rússia ainda estava distante, e Bruxelas e Pequim miravam um acordo de comércio e investimentos.
Hoje as relações estão bem mais frias: o acordo está parado após a imposição de sanções de ambos os lados, e uma UE cada vez mais agressiva elaborou uma lista de novas leis para diminuir a dependência da China.
Xi iniciou sua viagem nesta segunda-feira, 6, pela França, e depois segue para a Sérvia e Hungria. Em Paris, deve sentir uma postura mais rígida da UE, em encontros com o presidente francês, Emmanuel Macron, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Já em Belgrado e Budapeste, onde os governos são vistos como mais simpáticos a Moscou e Pequim, a recepção deverá ser mais amistosa.
Posição “neutra” da China sobre a guerra
Na abertura da reunião com Xi na manhã desta segunda, Macron declarou que eram necessárias “regras justas para todos” nas relações comerciais entre a China e a UE, e que a coordenação com Pequim em temas globais era “decisiva”. Em seguida, os líderes francês e chinês seguem para o destino de férias de infância de Macron, nas montanhas dos Pirineus.
À parte o bucolismo, um funcionário do gabinete do presidente francês disse que as conversas serão políticas – com foco nas posições divergentes sobre a guerra da Rússia na Ucrânia.
A França impôs sucessivas rodadas de sanções a Moscou, no âmbito da UE, desde 2022, enquanto a China, ao contrário, intensificou suas relações com a Rússia. “O governo chinês sempre manteve uma postura objetiva, neutra e equilibrada e não favorece nenhuma das partes”, disse o embaixador da China na França, Lu Shaye, à imprensa chinesa no início desta semana.
O funcionário do governo francês disse que Macron incentivará a China, como um dos principais parceiros da Rússia, a usar os canais à sua disposição para tentar mudar a posição de Moscou e contribuir para a resolução do conflito.
Isso pode, é claro, não dar em nada: em 2023, Xi concordou em telefonar para o presidente da Ucrânia depois da visita de Macron à China, mas o resultado foi pequeno.
O pesquisador Emmanuel Lincot, do Instituto Católico de Paris e do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, avalia que Pequim vê a França como importante por esta ser a única potência nuclear da UE.
Mas Lincot acrescenta que a planejada visita à China do presidente da Rússia, Vladimir Putin, no fim deste mês, é um sinal de que Pequim não mudará de posição. “Não haverá um pingo de mudança em termos da abordagem de Xi”, afirma.
Comércio é ponto de atrito
A visita de Xi à França também será marcada pela assinatura de novos acordos comerciais, incluindo possíveis pedidos de compras à Airbus. UE e China estão entre as maiores parceiras comerciais uma da outra, mas a UE compra da China muito mais do que a China compra da UE, e Bruxelas frequentemente alega acesso injusto ao mercado chinês.
Em 2023, a UE abriu uma investigação sobre os subsídios chineses para veículos elétricos, o que foi criticado por Pequim como “protecionismo puro e simples”.
A pesquisadora Isabelle Feng, da Universidade Livre de Bruxelas, diz esperar que o comércio entre a UE e a China diminua “muito, muito lentamente” em meio a essa situação tensa. “Mudar cadeias globais de fornecimento leva tempo”, observa.
“Ambos se veem como vítimas”
Da França, Xi segue para a Sérvia. Sua chegada coincidirá com o 25º aniversário do bombardeio dos EUA à embaixada chinesa em Belgrado, como parte da campanha aérea da Otan para impedir a campanha de limpeza étnica da então República Federal da Iugoslávia contra os albaneses kosovares.
Os EUA pediram desculpas pelo incidente, chamando-o de acidental, e pagaram uma indenização pelas mortes de cidadãos chineses. Mas muitos na China ainda acreditam que o alvo foi deliberado.
“Para a China, isso desempenha um papel como momento histórico no qual o ‘grande e malvado Ocidente’ prejudicou diretamente a China. Pequim coloca muita ênfase na narrativa de que é necessário reconstruir a ordem global”, diz o pesquisador Stefan Vladisavljev, da Fundação BFPE para uma Sociedade Responsável. “É um momento em que ambas se veem como vítimas”, referindo-se à China e à Sérvia.
Oficialmente candidata a membro da UE, a Sérvia e outras nações dos Bálcãs Ocidentais estão situadas numa região onde diferentes potências competem por influência. Embora a UE seja o principal parceiro econômico da Sérvia, cerca de 10,3 bilhões de euros em investimentos chineses fluíram para o país de 2009 a 2021, de acordo com a rede de ONGs Balkan Investigative Reporting Network.
“Há um certo impacto econômico positivo da presença chinesa na Sérvia, mas o que também deveria ser discutido – e não se está fazendo isso – são os aspectos negativos ou corrosivos da presença do capital chinês. Principalmente em questões ambientais”, diz Vladisavljev.
Hungria: um amigo interno?
Xi encerra seu giro europeu na Hungria, o país-membro da UE que tem a relação mais conflituosa com Bruxelas. O ministério das Relações Exteriores da China afirma que os dois países “aprofundaram a confiança política mútua” nos últimos anos.
Mas a pesquisadora Isabelle Feng descreve essa tendência de forma diferente: “A Hungria é o cavalo de Troia da China na UE”, disse ela à DW. No passado, Budapeste já bloqueou declarações críticas da UE sobre Hong Kong e atrasou o envio de ajuda do bloco à Ucrânia e aplicação de sanções contra a Rússia.
O ministro das Relações Exteriores da Hungria, Peter Szijjarto, disse ao jornal chinês The Global Times na terça-feira que a investigação da UE sobre os subsídios chineses às montadoras de veículos elétricos era “muito perigosa e prejudicial”, e que seu país está “muito empenhado” em melhorar os laços entre a UE e a China.
Feng diz que essa divisão interna da UE é útil para Pequim. “A estratégia da China em relação à UE durante 20 anos sempre foi dividir e conquistar”, explicou. Para Emmanuel Lincot, a atitude de Xi de cortejar a Hungria e não ir a Bruxelas, capital da UE, envia uma mensagem: “Ele quer trabalhar com uma Europa que está desencantada com Bruxelas – uma Europa que joga o jogo de Moscou.”