30/01/2025 - 17:06
Para James A. Robinson, um dos ganhadores do Nobel de Economia de 2024, é preciso parar com a obsessão de substituir postos de trabalho por inteligência artificial e tentar fazer com que a IA seja mais “amigável” ao trabalhador, e chama atenção para o fato de que a sociedade não está pensando nos impactos políticos e sociais da tecnologia para além do trabalho.
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Robinson reforça o discurso geral de que sim, a IA e outros avanços tecnológicos vão substituir tarefas dos trabalhadores, mas, assim como outros especialistas, também acredita que ela “cria novas coisas para fazer”.
Ele diz que 85% do crescimento do mercado de trabalho nos EUA nos últimos 80 anos ocorreu pela criação de novas tarefas. “Isso que temos que ter em mente sobre IA, a mecanização pode substituir pessoas ou complementar o trabalho das pessoas. Quando eu penso no ChatGPT, não penso sobre ele me substituindo, mas me fazendo mais produtivo”.
Mas, o principal para o premiado, é que é urgente que a sociedade comece a pensar em como fazer a IA mais “amiga” dos trabalhadores. “Não tem uma receita simples, mas, para começar, precisamos tentar resolver como fazer IA mais amigável no trabalho, sem essa obsessão de substituir pessoas por máquinas”.
Desafios para além do trabalho
Em sua participação na Global Labour Market Conference (GLMC), conferência promovida pelo governo da Arábia Saudita sobre o mercado de trabalho e seus desafios atuais e futuros, e que reúne professores, economistas, especialistas e autoridades em Riade esta semana, James Robinson destacou ainda que tem estudado como a tecnologia tem atuado na “destruição da criatividade”.
O Nobel recebido por Robinson foi dividido com os professores Daron Acemoglu e Simon Johnson, e teve como motivação seus estudos sobre prosperidade das nações. O economista e cientista político atua hoje como professor na Universidade de Chicago.
“Falando como um cientista social, digo que a tecnologia está criando um enorme desafio global. No meu trabalho eu mostro como a tecnologia está criando a destruição da criatividade, o avanço da tecnologia está destruindo a criatividade. Sim, elas melhoram a produtividade e podem incrementar o PIB, redistribui oportunidades e salários, e de uma forma bem importante, com impactos do ponto de vista econômico, social e politico”
Apesar desses impactos, aponta, “todas as pessoas trabalhando em IA não se importam em nada com as consequências políticas e sociais e só querem correr pela IA Geral, em seus avanços técnicos, e não pensam nas implicações ‘tectônicas’”, diz, em referência aos abalos que essa acomodação pode gerar.
Ele exemplifica com o fato de que pessoas com menos qualificações estão perdendo seus postos de trabalho, o que impacta diretamente em “fazer a América grande”.
Questionado posteriormente sobre essa colocação, se era uma referência aos eleitores de Donald Trump que votaram no republicano pelo sentimento de que estão perdendo seus trabalhos e culpam os imigrantes por isso, Robinson explicou que, na verdade, há evidências de que muito do declínio nos salários de pessoas sem qualificação universitária é explicado pela substituição de máquinas pelos trabalhos que elas costumavam fazer. Combinado com a importação de produtos, especialmente chineses, levam a esse sentimento de que o país precisa resgatar sua grandeza, que, na visão desse grupo, se perdeu.
“A automação é um dos grandes fatores por trás da mudança na distribuição de salários nos Estados Unidos. E essas são as pessoas da classe trabalhadora cujos empregos desapareceram. Não é o único fator, tem as importações chinesas, a globalização, a dessindicalização que também estão acontecendo”.
E aí que chegamos no ponto dos impactos sociais mais profundos, já que, ele diz ao site IstoÉ Dinheiro, “são exemplos de consequências sociais desse tipo de transformação econômica que estão fornecendo a base política para o Trump”. De acordo com o Robert, o republicano usa esse argumento de que imigrantes “roubam” empregos dos americanos, mas é apenas uma narrativa. “Não é isso que a evidência científica. Mas talvez seja parte do que ele está usando como uma retórica, já que ele tem um tipo nacionalista e racista”.
“70% das atividades estão sendo automatizadas. Então, tarefas sendo substituídas por máquinas. Isso reduz a demanda por pessoas sem qualificação. E isso não tem apenas consequências econômicas, é a base social para fazer a América grande. E os desafios políticos não são apenas nos EUA. Mas globalmente estão tendo que lidar com isso. Isso é um bom argumento sobre quais podem ser as consequências da IA”. O economista também pontua que por um lado, a IA pode ajudar pessoas menos qualificadas em algumas tarefas, compensando suas fraquezas, ao invés de apenas ocupar o seu posto de trabalho.
Robinson reforça a falta de foco da sociedade nos impactos da IA para além dos empregos, resgatando o momento “Reaganomics”, em alusão à gestão econômica do presidente norte-americano Ronald Reagan nos anos 1980, pautada, entre outras políticas, pela redução de regulações governamentais.
“O que eu acho assustador é que ninguém está prestando atenção, ou pensando sobre esses efeitos sociais da IA e que são inevitáveis. Focam em cortar impostos, regulação e deixam para o mercado resolver, e que tudo se acomoda, fica tudo bem. Sim, a produtividade aumenta, mas não ficou ok para todos, não está ok em muitas formas”.
*A jornalista acompanha a conferência a convite da organização da GLMC.