Para Nadia Harris, advogada e “militante” do trabalho remoto, fundadora da consultoria Remote Work Advocate, a tendência é a manutenção e a ampliação do modelo remoto – talvez o híbrido – apesar dos recentes movimentos que grandes empresas têm feito de chamar seus funcionários de volta ao escritório os dias.

Harris foi uma das debatedoras da Global Labour Market Conference, conferência sobre os desafios do mercado de trabalho realizada em Riade, na Arábia Saudita. Em entrevista ao site IstoÉ Dinheiro, ela aponta que o modelo tradicional de trabalho das 9h às 17h foi “projetado na era industrial, há 100 anos”, tornando-se obsoleto na realidade atual, onde há uma demanda cada vez maior por flexibilidade.

“O futuro do trabalho está em transformação, e a flexibilidade é o principal elemento dessa mudança. O trabalho remoto não é apenas uma tendência passageira, mas uma resposta à evolução tecnológica e às novas expectativas de produtividade e qualidade de vida”

Em seu livro “How to Tackle Hybrid Working” (Como lidar com o trabalho híbrido, em tradução livre) ela destaca que “um dos pontos centrais do trabalho remoto é a flexibilidade”, o que estaria alinhado ao cenário social contemporâneo. Mas ela reconhece que, apesar das vantagens, há desafios legais e culturais para essa mudança se consolidar.

“Diferentes países têm regulações diversas sobre trabalho remoto, e alguns estabelecem políticas nacionais que garantem ao funcionário o direito de optar por esse modelo. Além disso, empregadores ainda enfrentam incertezas sobre como contratar e gerenciar equipes distribuídas, seja por meio de contratos tradicionais, freelancers ou outras soluções flexíveis”

Quanto ao trabalho híbrido, ele pode ser uma solução viável, mas deve ser implementado com estratégia. “O modelo não se resume a ‘três dias no escritório e dois fora’ [3×2]. A consultora diz que o híbrido pode ser considerado diferentes modelos para além do “3×2”, como uma parte da equipe que sempre estará presencial, outra que nunca estará e aqueles que revezam. Mas o importante é desenhar um modelo de negócio e trabalho que faça sentido dessa forma. “A colaboração, os processos de trabalho, tudo tem que ser digital para que o fator humano complemente. O híbrido também é uma boa solução, mas tem que fazer sentido.”

 

“Viés de proximidade”

Outro desafio, ela aponta, é o chamado “viés de proximidade”. “Tendemos a favorecer pessoas e objetos que estão perto de nós. É um instinto básico embutido no nosso DNA”, explica. Essa tendência pode levar líderes a preferirem funcionários fisicamente presentes no escritório, impactando avaliações de desempenho e crescimento na carreira.

A produtividade também é um ponto de atenção dos RHs quando o assunto é funcionários em modelo remoto de trabalho. “Tradicionalmente, o tempo de permanência no escritório era visto como sinônimo de produtividade, e as empresas não redesenharam totalmente a maneira de medir a produtividade”. Por isso, diz, novos modelos e métricas precisam ser estabelecidos para refletir o impacto real do trabalho. E claro, para que o trabalho remoto funcione, é necessário investir em comunicação digital eficiente e processos bem desenhados e claros.

Nadia Harris (Crédito:Reprodução/Divulgação)

O escritório, avalia, deve ser visto como uma ferramenta de trabalho, ter um objetivo para utilizá-lo, em como ele vai servir ao propósito do trabalho.

“Eu sempre digo que devemos olhar para o escritório como uma ferramenta. É uma ferramenta que nos ajuda a atingir nossos objetivos, assim como os e-mails, telefones e as vídeo-chamadas. Por que estamos no escritório? Isso também é uma ferramenta? Bem, muitas empresas nem pensaram nisso. Acho que para elas, é mais fácil continuar apenas seguindo as coisas do jeito que eram”.

Para ela, no longo prazo, a tendência é que a flexibilidade se torne padrão, impulsionada pelas novas gerações. “A Geração Z e a Geração Alpha são nativas digitais. As lideranças vão mudando conforme as gerações mudam, e isso terá um impacto na forma como trabalhamos. Nada está ‘escrito em pedra’, mas acredito que ainda pode levar um tempo.”

Harris afirma gostar de colocar o tema sobre perspectiva histórica. “Por que um arranha-céu é visto como algo de prestígio?”, indaga. Isso retrocede quando começaram as migrações em massa para áreas urbanizadas, explica, em que, para estarmos conectados, tínhamos que estar perto uns dos outros. “E como não havia muito espaço dentro das cidades, eles tiveram a ideia de começar a construir arranha-céus, para que mais pessoas se encaixassem e pudessem estar no epicentro do trabalho e da colaboração”.

Mas, ressalta, isso aconteceu antes do advento da tecnologia. “O que está acontecendo é que tudo está se tornando mais descentralizado”.

Impacto no mercado imobiliário

Outro fator, destaca, é o aumento do custo de vida. “Existem tantas cidades ao redor do mundo onde o custo de vida é absurdamente caro e a qualidade de vida é tão baixa. A ideia inicial das migrações em massa era ter uma vida melhor, e é por isso que toda a infraestrutura foi projetada dessa forma. Agora isso está mudando com a tecnologia.”

Questionada sobre o impacto econômico da descentralização de escritórios, com efeitos no mercado imobiliário e em todo o ecossistema de comércio ao redor, ela concorda que é “relevante”. “O modelo remoto afeta o setor imobiliário comercial, restaurantes e serviços que dependiam do fluxo de trabalhadores nos centros urbanos”. No entanto, acredita, também pode abrir oportunidades para pequenas cidades e regiões rurais. “Finalmente, há pessoas com dinheiro e acesso a oportunidades de trabalho em diferentes lugares, impactando positivamente a economia local”, avalia.

*A jornalista acompanhou a conferência a convite da organização do GLMC