Na quinta-feira, 25, a Gol Linhas Aéreas entrou com um pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos. O pedido vale também para todas as suas subsidiárias. A companhia aérea não informou qual é a sua dívida atual, mas, segundo dado divulgado em setembro do ano passado, a empresa possuía, naquele momento, R$ 20,2 bilhões em dívidas.

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Mas, afinal, como o pedido pode impactar os passageiros com voos já marcados pela companhia?

Em nota à imprensa, a Gol afirmou que seus clientes podem continuar voando normalmente pela empresa e ainda acumular minhas pelo programa Smiles.

“A Gol planeja honrar todas as obrigações com Clientes, incluindo reembolsos de passagens, cupons de viagem e pagamentos ou crédito associados a reclamações de bagagem ou serviços, em conformidade com políticas da empresa em vigor”, afirmou.

Em anúncio de fato relevante, a Gol afirmou que tem o compromisso de um financiamento de US$ 950 milhões a ser aprovado judicialmente. De acordo com a empresa, o empréstimo, se aprovado, servirá para reestruturar obrigações financeiras de curto prazo e fortalecer sua estrutura de capital para ter sustentabilidade no longo prazo.

“A Gol está confiante de que este processo atende aos melhores interesses de seus stakeholders, incluindo colaboradores e clientes, que continuarão a contar com a oferta de voos acessíveis e seguros, além do melhor serviço”, disse a companhia, em nota.

A dívida da Gol é prioritariamente com arrendadores de aeronaves. Ainda assim, a empresa diz que não vai diminuir sua frota de aviões disponível nos locais onde atua.

A pandemia, os juros altos e a valorização do dólar são outros fatores que explicam o alto nível de endividamento da companhia aérea. Ainda em setembro de 2023, a dívida da empresa era de R$ 18,5 bilhões, uma alta de 15,9% na comparação com o mesmo mês de 2022.

Para acompanhar o processo de recuperação judicial, a Gol contratou a empresa Seabury Capital no último mês de dezembro. A companhia espera que a empresa especializada no setor de aviação ajude-a a reestruturar as finanças da companhia aérea.

No começo de dezembro de 2023, a Fitch Ratings, agência de classificação de risco, rebaixou a nota da Gol para CCC-. Antes, a classificação da empresa era considerada CCC+. A decisão foi fundamentada pelas chances crescentes de uma restruturação da dívida da Gol como resultado de riscos elevados de refinanciamento.

CEO da Gol, Celso Ferrer disse acreditar que o processo de recuperação dure “significativamente menos” do que o de outras companhias aéreas. No entanto, Ferrer não revelou qual o prazo esperado pela companhia para concluir o trâmite.

Latam e Avianca, por exemplo, demoraram cerca de dois anos. Para Ferrer, o processo de reestruturação das duas empresas foi bem sucedido, mas o momento atual é mais favorável para a Gol.

“Não estamos em uma pandemia, é um cenário de demanda consistente”, afirmou.

Ferrer destacou que a operação da Gol é mais simples, com apenas um tipo de aeronave, o que deve também contribuir para agilizar a conclusão do Chapter 11 — como é conhecido o processo de recuperação judicial nos Estados Unidos —. O executivo também avalia que o fato de a empresa ter feito dois rounds de negociação com lessores – os arrendadores de aeronaves – em 2023 deve também garantir que essas conversas sejam concluídas com sucesso em pouco tempo.

O executivo disse ainda que quase metade da dívida da Gol, de R$ 20 bilhões ao final do terceiro trimestre de 2023, é detida por 25 operadores de leasing de aeronaves.

“A negociação com lessores está evoluindo, e em diferentes estágios, alguns estão nos apoiando muito”, disse em entrevista à imprensa.

Ferrer afirma, ainda, que o processo de renovação de frota da companhia aérea continua e que a Gol está recebendo um novo avião agora. A Gol iniciou a primeira rodada de negociação com lessores em junho de 2023 e outra rodada de reuniões ocorreu em outubro.

Voos da Gol serão afetados?

À imprensa, a Gol diz que todas as suas operações, incluindo o programa de fidelidade Smiles e os acordos com outras companhias aéreas seguem funcionando normalmente.

“A decisão de entrar (com a recuperação judicial) é para garantir que a companhia tenha estrutura de capital correta para enfrentar os desafios da indústria de aviação. Todos os voos seguem operando como programados e as vendas estão mantidas”, comentou Ferrer.

Com 14 mil funcionários, a Gol também confirmou que não há previsão de demissões e que seus colaboradores seguem operando de forma habitual.

“Não há precisão de redução de operação, de pessoal ou do número de bases que a Gol possui hoje. Estamos recorrendo ao Chapter 11 justamente para proteger (a companhia) de qualquer ação que possa ser tomada pelos arrendadores de aeronaves. Enquanto isso, temos tempo e condições para que as negociações sejam realizadas”, acrescentou o CEO da Gol.

Atualmente, a companhia aérea possui 143 aviões em sua frota. Todas elas são do modelo Boeing 737. No ano passado, a empresa deveria ter recebido 15 novas aeronaves conforme pedido junto à fabricante norte-americana, porém, só uma foi entregue. Em outro comunicado, a Gol reafirmou sua confiança em cumprir todos os compromissos com seus passageiros.

“Os clientes da Gol poderão continuar a organizar suas viagens e voar pela companhia como sempre fizeram, com a utilização de passagens e vouchers”, disse, em nota.

Pedido da Gol não deve causar alardes no mercado

Para o advogado especialista em direito empresarial, Dr. Arthur Francisco Silva, o caso da Gol não deve gerar alardes no mercado. Pelo contrário.

“É preciso ter em mente que recuperação judicial, ainda que em território estrangeiro, não significa um atestado de inadimplência, muito pelo contrário. O real motivo por detrás disso é continuar com as atividades regulares da empresa, manter postos de trabalho, e se reorganizar financeiramente, de modo que todos os interessados saiam satisfeitos, sobretudo os consumidores”, opina.

Silva lembra que a Gol detém uma participação expressiva do mercado aéreo brasileiro. Em 2022, a companhia aérea tinha uma participação de 32% nesse setor, o que a situa entre as maiores empresas de aviação no período.

Além disso, o advogado ressalta que a Gol não é a primeira companhia aérea a se utilizar do Chapter 11 para reorganização financeira. A norte-americana United Airlines e a Latam já optaram pelo recurso em anos anteriores.

“Na atual conjuntura da empresa, em que as dívidas se sobrepunham, em muito, aos créditos, nada mais viável que interromper o modo de gestão, reunir credores, e rediscutir todo processo operacional da empresa, visando a otimização de caixa, e tudo isso sob o pálio do poder judiciário”, salienta.

Silva também afirma que o mercado não deve se alardear por conta do caso da Gol. Um dos fatores para isso é que, além de deter grande parte do mercado em que atua, a Gol não enfrenta problemas como falta de passageiros, por exemplo.

O setor aéreo brasileiro, cabe ressaltar, está em expansão, com aumento expressivo de passageiros em 2022, em relação ao ano anterior, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A recuperação no período pós pandemia e a contínua melhoria de índices econômicos do Brasil contribuem para a projeção positiva.

“A Gol possui uma atuação significativa, uma frota extensa e uma marca forte entre os brasileiros. Que seja uma turbulência, sem a necessidade de se lançar máscaras de oxigênio aos passageiros”, comenta Silva.

Gerente Jurídica da Multiplike — gestora de créditos —, Tamara Rodrigues, lembra que a experiência de recuperação judicial da Latam por meio do mesmo processo nos Estados Unidos foi considerada positiva, não paralisou voos e nem diminuiu sua atividade.

“A Gol possui um alto nível de endividamento, demonstrando que necessita ainda de crédito, o pedido nos EUA demonstra justamente esse interesse em realizar essa reestruturação sem afetar os passageiros, o momento é de cautela com situações de longo prazo, no entanto, dada a operação estruturada atualmente acreditamos que não deva impactar negativamente de forma imediata aos passageiros”, ressalta.

Na avaliação da gerente, a decisão de entrar com o pedido no exterior é acertada. No Brasil, diz Tamara, a recuperação judicial possivelmente teria um trâmite mais lento.

“Além disso, a operação da Gol atualmente é bem desenhada e não há notícias de graves falhas operacionais recentes ou atraso de pagamento de funcionários”, afirma.

Para ela, as situações envolvendo as dívidas de leasing serão negociadas na recuperação judicial, possibilitando o prosseguimento normal da empresa em sua atividade.

A Gol Linhas Aéreas foi fundada em 2001 pela família Constantino, que tinha expertise no setor rodoviário. Foi a primeira companhia aérea a ingressar no mercado brasileiro com o modelo de baixo custo e baixa tarifa. Seis anos depois, em 2007, a Gol comprou a Varig, abrindo caminho para a expansão da malha nacional e internacional. Em 2022, a família e os acionistas da Avianca criaram o Abra Group, atual controladora da empresa.