24/09/2008 - 7:00
TODAS AS MANHÃS, POR volta das 10 horas, Ji Lee deixa o seu apartamento no coração de Manhattan, pega a bicicleta e vai trabalhar. Quase sempre, ele veste jeans, camiseta e um blazer descolado. Para completar o visual, tênis e óculos de lentes coloridas. Sua figura não chama a atenção na cidade mais cosmopolita do mundo, mas é bem provável que, pelo menos uma vez, muitos nova-iorquinos tenham se deparado com suas criações. Lee colou mais de 50 mil balões de diálogos, daqueles das histórias em quadrinhos, sobre algum banner publicitário. A idéia, chamada de “Bubble Project”, virou febre na cidade e muita gente o copiou. O novo projeto de Lee, porém, terá um alcance muito maior. Na quarta-feira 24, entra no ar um site que ele desenvolveu para celebrar os dez anos do Google. É a primeira campanha que o buscador faz em uma década de existência. Com a estréia do site, sua experiência como artista anônimo provavelmente estará com os dias contados. Lee acaba de ser descoberto pelo Google. Aos 37 anos, foi convidado para assumir o cargo de diretor de criação da Google Creative Lab, agência interna de marketing da empresa. Sua ascensão a um dos postos de trabalho mais cobiçados do planeta é também uma conquista brasileira. Nascido na Coréia, Lee morou no Brasil dos dez aos 17 anos.
Entrar para o time do Google não é uma tarefa fácil. Para trabalhar na empresa, é preciso muito mais do que diplomas ou bom desempenho escolar. Fundado pelos jovens Larry Page e Sergey Brin, o Google busca indivíduos sintonizados com os novos tempos. Seu modelo de seleção prioriza talentos que tenham a chamada “atitude positiva”, personalidade cativante e vocação para inovar. Gente criativa e diferente, enfim. Apenas 0,7% das mais de 100 mil pessoas que se candidatam a uma vaga por ano consegue ser contratada. No caso de Lee, a oportunidade bateu à sua porta. Ele trabalhava na premiada agência Droga 5, fundada pelo publicitário australiano David Droga, quando foi procurado. O designer correspondia a todas as expectativas do Google. “Sou uma pessoa verdadeiramente globalizada”, disse ele à DINHEIRO, com um sotaque indecifrável. “Acho que não falo nenhuma língua direito.” Embora tenha um currículo escolar invejável (estudou no colégio Bandeirantes, em São Paulo, e se formou com nota máxima na Parsons School of Design, em Nova York), Lee se destaca por sua bagagem cultural. Nasceu em Seul, passou a infância em São Paulo e se profissionalizou nos Estados Unidos, tendo trabalhado para a agência Saatchi & Saatchi. Segundo ele, o fato de ter passado a vida em vários países é uma vantagem. “Por ter alma coreana, coração brasileiro e mente americana, vejo as coisas por um ângulo diferente”, afirma Lee, que adora pastel de feira e vem ao Brasil pelo menos uma vez por ano (os pais têm uma confecção em São Paulo).
No Google, o designer diz se sentir em casa. “Quando estou lá, pareço viver uma utopia. Ninguém fuma, todos são jovens, inteligentes e compartilham das mesmas idéias”, afirma Lee, que se considera um “geek”, expressão que define pessoas obcecadas por tecnologia e inovação. A grande responsabilidade que carrega torna o trabalho estressante, a ponto de doer o cérebro, como diz. Por dia, recebe mais de 100 e-mails da própria companhia para ficar a par das decisões globais do grupo. Mas o jeito Google de ser neutraliza as pressões. Salas de videogame, máquina de sorvetes e pingue-pongue ajudam os funcionários a combater a árdua rotina. “À primeira vista, parece uma empresa de adolescentes ricos”, afirma. Mensalmente, assiste a palestras com personalidades como Al Gore, eventos que buscam aumentar a motivação da equipe. Além disso, os funcionários têm acesso a um cardápio assinado pelos chefes mais renomados do mundo. E os benefícios ultrapassam o limite do escritório. A companhia doa US$ 5 para uma instituição de caridade toda vez que um funcionário vai ao trabalho a pé ou de bicicleta.
Nas poucas horas vagas, o coreano, que adora cantar em karaokês, se dedica a projetos pessoais, como as tais campanhas do “Bubble Project”. O apartamento confortável em Manhattan, onde vive com a esposa suíça e dois gatos, não lembra nem de longe a casa humilde onde morava com os pais no bairro do Cambuci, em São Paulo. Sempre teve aptidão para a arte e desde pequeno foi encorajado pela família a seguir carreira. A mãe acreditava tanto no talento do filho que decidiu mandá-lo estudar fora. “Em retribuição ao esforço dos meus pais em me manter nos Estados Unidos, virei um bitolado e me destaquei da turma”, afirma Lee. As dificuldades financeiras ficaram no passado. Ele não revela o salário, mas diz que os ganhos são superiores aos US$ 150 mil anuais que recebia no emprego anterior. O grosso dos rendimentos vem de outra fonte. Como é comum na empresa, ao ser contratado ele recebeu um generoso pacote de ações.