15/08/2007 - 7:00
Um dos últimos baluartes do socialismo russo está prestes a ruir. Bom, simbolicamente. O protagonista: Mikhail Gorbachov, líder derradeiro da antiga União Soviética, que, em 1989, desmoronou junto com o Muro de Berlim, ícone máximo da Guerra Fria. Em setembro, Gorbachov voltará às páginas de revistas. Mas não para estampar matérias de cunho políticoeconômico, ou mesmo para falar de seus famosos projetos, como a glasnost e a perestroika. Contratado pela Louis Vuitton ? marca francesa de malas de luxo ?, estrelará uma campanha publicitária na Vogue, porta-voz do consumo da moda. O público-alvo são os mercados da Rússia e da China. Detalhe: na fotografia, produzida por Annie Leibovitz, o ex-estadista passeia numa limusine, com a mão direita firme na alça de segurança, a mala ao lado e o olhar perdido no Muro ? pauta sugerida por ele próprio. ?Ele gostaria de ser recordado como um dos artífices da queda do Muro de Berlim. É seu maior orgulho?, contou Antoine Arnauld, herdeiro da Louis Vuitton, à France Presse.
É uma mudança de carreira e tanto. No início dos anos 90, Gorbachov foi uma das mais importantes personalidades políticas do mundo. No Ocidente, é celebrado por liderar uma solução pacífica para a polarização ideológica entre os norte-americanos e soviéticos, e por modificar as relações da URSS com os demais países, especialmente os do Leste Europeu e a Alemanha Oriental. ?A reforma institucional veio com um movimento de abertura democrática muito grande, com povo na rua e liberdade de organização?, lembra a economista Lenina Pomeranz. Por que agora viajar pelo mercado publicitário? Bom, os tempos mudaram e a Cruz Verde Internacional, ONG que ele fundou em 1993 e ainda hoje preside, precisa de caixa. Não se fala em valores, mas a imprensa tem ventilado que a Louis Vuitton o convenceu fazendo uma doação à entidade, cujo nome aparece discretamente na foto. ?Provavelmente, ele não está recebendo tanto quanto recebia pelas conferências no exterior no passado?, diz Lenina. Arnauld, da Louis Vuitton, desconversa: ?Doar o pagamento para a fundação foi um fator importante, mas era evidente que ele devia ser um apreciador da marca?. Não é a primeira vez que Gorbachov aparece em propagandas. Na década passada, fez um comercial para a Pizza Hut por US$ 150 mil, o que lhe rendeu duras críticas dentro e fora da Rússia.
?Hoje, não é tão paradoxal, porque ele abandonou o comunismo e foi para a social-democracia. Está inserido no contexto capitalista?, conta Ângelo Segrillo, professor de história da USP.