O Brasil tem vivido uma fase sensível da relação do governo federal com as empresas, notadamente com organizações que ainda têm controle estatal (Petrobras), e com as que ainda sofrem pressão direta ou indireta (Vale). E tende a afetar outros negócios e organizações.

Boas práticas ensinam que na gestão corporativa o foco deve ser a organização, em detrimento deste ou daquele grupo de stakeholders. Companhias existem para desempenhar seu objeto social, em benefício de todos os stakeholders, por meio da defesa da própria empresa, sem abandonar questões sociais e ambientais, gerando empregos, pagamento de tributos e a justa remuneração do capital.

Os casos citados demonstram tendência de influência injustificada da esfera governamental sobre empresas, direta ou indireta: da indicação de conselheiros e presidentes, até a pressão por destino de lucros. Esses movimentos indicam risco de retrocesso.

O governo federal declarou pela mídia que as empresas brasileiras deveriam seguir as diretrizes do governo, “aniquilando” princípios basilares, como a livre iniciativa, a propriedade privada, o empreendedorismo, a liberdade econômica e até a própria ordem econômica.

Sistemas de governança corporativa existem para fortalecer as instituições empresariais e, também, para que se evite (dentre outros) pressões, escolhas pessoais, erros e corrupção. E, no caso, uso político das organizações.

As pressões dos governos não podem ser ideológicas, nem beneficiar interesses que agridam a coletividade, sob pena de serem contrárias ao próprio interesse público.

As empresas estatais brasileiras sofreram com a ausência de governança corporativa por muitos anos, com uma curta fase de tranquilidade: a legislação determinando a quarentena de políticos para a ocupação de cargos de comando nas organizações.

Mas episódios recentes indicam que, infelizmente, o Brasil ainda não aprendeu a separar os interesses do Estado, e do País, dos interesses dos governos. E não vem respeitando pontos básicos para o bem da economia e das organizações, afetando adversamente a todos. Como consequência, ao menos grande parte dos ganhos de governança corporativa que empresas “estatais” tinham conquistado nos últimos anos, está sendo perdida, inclusive no tocante a indicações políticas, e sem respeito à quarentena.

Adicionalmente, é preciso considerar que companhias listadas em bolsas internacionais estão sob firme monitoramento adicional, o que pode levar a processos perante à SEC (nos EUA), como já ocorreu. Sem contar o próprio risco de uso inadequado das empresas, e o efeito sobre os investidores.

Já se observam perigosos efeitos práticos importantes, como a notícia de que, além de indicações puramente políticas e ideológicas para cargos executivos, os dividendos da Petrobras estariam sendo limitados em sua distribuição, por orientação da Presidência da República, o que afetou o valor das ações e da empresa.

Casos assim demonstram ausência de boa governança, risco sistêmico, afastamento de investidores e até mesmo prejuízos ao País, que perde com a redução dos dividendos. Preocupante também a pressão pela substituição da presidência da Vale. Esse episódio, se confirmado, revelará crises de governança tanto na Vale, quanto na Previ, uma de suas acionistas que deveria zelar, além do bem da empresa, pelos interesses do fundo de pensão, sem interferência do governo federal.

Os mercados observaram denúncias de pressões governamentais à Vale sobre suas operações, e a renúncia de um de seus conselheiros, que teria considerado indevida a interferência governamental na escolha do CEO.

Na esfera do Direito Societário, existem conceitos, princípios e normas que norteiam a gestão das companhias, envolvendo o acionista controlador e o de referência, bem como os administradores, por exemplo, no que diz respeito aos deveres de lealdade e de diligência.

É provável que, a depender dos próximos acontecimentos, tanto a CVM quanto o Judiciário (e talvez até a SEC, no contexto internacional) sejam instados a avaliar esses temas e, eventualmente, a investigar e se manifestar. Acompanhemos com atenção, na esperança de que esses solavancos sejam casos isolados e passageiros; e que ainda seja possível salvar a boa governança corporativa brasileira, que realmente está em xeque.