04/11/2025 - 15:35
Ministro propõe inclusão de treinamento para situações de crise no currículo escolar, em momento de tensão sobre a Rússia. Críticos alertam para alarmismo que pode ser prejudicial para estudantes.O Ministro do Interior da Alemanha, Alexander Dobrindt, quer que o treinamento para situações de crise, desastre e guerra integre o currículo escolar. A proposta vem num momento em que, diante de uma percebida crescente ameaça da Rússia, aumenta na sociedade alemã a tensão sobre um hipotético cenário de guerra.
Na prática, a sugestão do ministro, membro do partido conservador União Democrata Cristã (CDU), significaria que os alunos aprenderiam habilidades como usar um extintor de incêndio, prestar socorro a um colega ferido e até performar reanimação cardiopulmonar.
“Minha sugestão é que, uma vez por ano letivo, seja realizada uma aula prolongada com os alunos mais velhos, abordando vários cenários de ameaças possíveis e como se preparar para eles,” disse Dobrindt ao jornal Handelsblatt.
Numa declaração recente, o chanceler federal alemão, Friedrich Merz, afirmou que “nós não estamos em guerra, mas também não mais em paz” ao se referir à Rússia.
Boa recepção nas escolas
Muitos especialistas consideram possível que a Rússia, sob o comando do presidente Vladimir Putin, ataque o território daOrganização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) antes do fim da década.
A Alemanha tem demonstrado que quer se preparar com o reforço de meios militares e de defesa civil desde que a guerra da Ucrânia foi deflagrada.
A proposta para o currículo escolar foi bem-recebida pela influente Associação de Professores Alemães (DL, na sigla em alemão), que representa 165 mil docentes escolares.
“A guerra há muito tempo chegou às salas de aula, e é necessário ser honesto e apenas dizer isso”, disse o presidente da associação, Stefan Düll, à DW. “Os jovens têm em última instância o direito de discutir abertamente aquilo que pode afetá-los.”
Para Quentin Gärtner, secretário-geral do Conselho Federal de Estudantes Escolares (BSK, na sigla em alemão), que representa os interesses dos alunos, os treinamentos seriam úteis, mas devem ser acompanhados por psicólogos e assistentes sociais.
“As pessoas se sentem mais seguras se estão preparadas para uma emergência e sabem o que vai acontecer”, segundo ele, enfatizando que uma “sociedade resiliente” seria particularmente importante num cenário de guerra.
Críticas no Parlamento
Entre os partidos de oposição, entretanto, as reações foram mistas. “O objetivo claro é incitar medo”, disse Nicole Gohlke, líder do A Esquerda no Parlamento, à agência AFP. “Considero esse alarmismo, especialmente com crianças e jovens, inaceitável.”
Do outro extremo do espectro político, um porta-voz da Alternativa para a Alemanha (AfD), partido populista e de ultradireita que costuma adotar posições simpáticas à Rússia, disse que o ministro do Interior faz “a aproximação de uma guerra parecer inevitável.”
A ideia teve apoio, no entanto, do Partido Verde. O co-líder do partido Felix Banaszak discordou, em entrevista à emissora RTL, que haja alarmismo na proposta. Disse ainda não estar convencido de que uma aula prolongada por ano seja suficiente.
Cabe ao governo federal apenas fazer recomendações sobre o conteúdo ensinado nas escolas. Somente os ministérios da educação de cada estado têm autoridade para decidir sobre o currículo.
Onde fica o limite da precaução?
O governo alemão quer aumentar significativamente os gastos com proteção civil e proteção contra desastres. Cerca de 10 bilhões de euros (R$ 62 bilhões) foram orçados até 2029 para um “pacto de proteção civil”, que inclui a modernização de abrigos, sistemas de alerta, fornecimento de reservas de água e veículos de emergência.
Na entrevista ao Handelsblatt, Dobrindt também exortou a população a estocar suprimentos. “Não custa nada. Suprimentos para alguns dias, uma lanterna, pilhas ou um rádio a pilhas são precauções razoáveis. Quem tem isso não está em pânico, mas sim preparado.”
A Polônia, que também divide fronteiras com a Alemanha e a Ucrânia, tem treinamento obrigatório sobre o uso de armas e segurança para jovens de 14 a 15 anos. Não são utilizadas munições reais, mas os alunos aprendem a montar, carregar e descarregar uma arma de fogo. O tiro é praticado com lasers ou munições de festim.
“A vida é assustadora hoje em dia, então você tem que estar preparado para qualquer coisa”, disse Marta Stolinska, da escola primária Nicolaus Copernicus em Skarszewy, perto de Gdansk, à DW em 2024. Diversos pais e professores apoiam o treinamento com armas.
A abordagem, entretanto, é vista com ceticismo por parte da sociedade alemã. “Os pátios das escolas alemãs não são campos de parada em quartéis”, prosseguiu Düll, da associação de professores, à DW. Aprender a atirar não é “tarefa dos alunos, mas do Exército”, acrescentou.