08/08/2025 - 18:58
Algumas cidades alemãs querem tratar crianças palestinas gravemente doentes e traumatizadas, mas dois ministérios federais travaram a iniciativa.Cinco cidades alemãs ofereceram-se para acolher e prestar tratamento médico a crianças gravemente doentes ou traumatizadas da Faixa de Gaza, que está devastada após 22 meses de guerra.
A proposta foi apresentada pela cidades de Hannover, Düsseldorf, Bonn, Leipzig e Kiel, mas elas precisam do respaldo do governo federal para isso. As autoridades federais teriam que assumir os procedimentos de entrada no país, a seleção das crianças e a coordenação geral dos esforços de ajuda humanitária.
Em uma carta ao ministro do Interior, Alexander Dobrindt, da União Social Cristã (CSU), e ao ministro do Exterior, Johann Wadephul, da União Democrata Cristã (CDU), os prefeitos dessas cidades pediram ajuda.
Mas o governo federal tem dúvidas sobre a iniciativa, e os ministérios do Exterior e do Interior querem primeiro examinar a situação. O apoio dependeria “fundamentalmente da situação de segurança”, bem como da “possibilidade de viagem e outros fatores”, disse um porta-voz do Ministério do Interior na quarta-feira (06/08). O foco principal seguiria sendo “a ampliação da assistência médica no local e na região”.
Em princípio, no entanto, o governo federal vê a oferta de forma positiva. É “uma preocupação importante” apoiar os atores da sociedade civil no tratamento médico de crianças da Faixa de Gaza, segundo um porta-voz do Ministério do Exterior.
O ministro do Interior, Dobrindt, foi um pouco mais claro na quinta-feira. “Devemos ser muito cuidadosos com as possíveis medidas que estamos agora discutindo”, disse ele à plataforma Table Media. O governo federal já está apoiando a população da Faixa de Gaza, pontuou. “A prioridade deve ser a prestação de ajuda no local.” Ele afirmou que compreende a ideia, mas que o objetivo deve ser ajudar o maior número possível de pessoas, não apenas algumas.
Secretária da CDU fala em ideia eleitoreira
Já Serap Güler (CDU), secretária de Estado do Ministério do Exterior, causou indignação. Ela não viu a oferta das cidades como algo totalmente altruísta, pelo menos não no caso das duas cidades do estado da Renânia do Norte-Vestfália, Düsseldorf e Bonn, onde haverá eleições legislativas locais em setembro. “Essa ideia é boa para a campanha eleitoral ou para ganhar pontos, mas não ajuda as pessoas em si”, disse Güler ao jornal Kölner Stadt-Anzeiger.
Ines Schwerdtner, líder do partido de oposição Die Linke, classificou a declaração como “mesquinha”. Não pode ser “que a Alemanha seja um dos poucos países da União Europeia a ficar de braços cruzados vendo as pessoas morrerem”. Até mesmo uma porta-voz do Ministério do Exterior rejeitou posteriormente a declaração feita por sua própria secretária.
Receio de nova onda de migração
Mas há algo mais por trás da relutância dos dois ministérios, liderados pela CSU e pela CDU. Os dois partidos conservadores temem uma nova onda de migração, mesmo que inicialmente envolva apenas algumas dezenas de crianças.
A migração foi uma dos temas mais importantes da última campanha eleitoral, e limitá-la foi uma promessa feita tanto pela CDU e como pela CSU. A migração também é uma questão sempre explorada pelo partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) para pressionar o governo.
Essa suspeita foi confirmada por Alexander Hoffmann, líder da bancada da CSU no Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão). Em entrevista ao jornal Bild, ele disse: “Os Estados árabes vizinhos são os principais responsáveis pela possível admissão de grupos vulneráveis”. E então veio a frase decisiva: “Um movimento migratório para a Alemanha não pode ser a resposta.”
Palestinos são considerados apátridas na Alemanha
Aparentemente, os membros dos dois partidos estão preocupados em especial com o fato de que isso não se limitaria ao tratamento médico das crianças, mas que seus parentes também poderiam vir para a Alemanha por meio da reunião familiar e viver aqui permanentemente. Seu retorno à terra natal também seria dificultado pelo fato de que os palestinos são considerados apátridas na Alemanha, pois o país não reconhece os territórios palestinos como um Estado.
O Partido Social-Democrata (SPD), que integra a coalizão de governo com CDU e CSU, por outro lado, está mais aberto a aceitar crianças de Gaza. Dirk Wiese, secretário da bancada do SPD no Bundestag, disse que dar tratamento médico às crianças seria um “sinal de humanidade”. O pré-requisito é uma viagem segura. “Se houver possibilidades, se puderem ser feitos acordos para fornecer tratamento médico na Alemanha, acredito que devemos fazê-lo.”
Belit Onay, filiado ao Partido Verde e prefeito de Hannover, uma das cidades que deseja acolher crianças palestinas, também rechaçou as críticas do Ministério do Exterior. A iniciativa é apoiada por uma ampla rede de participantes, independentemente de filiação partidária, disse Onay ao Serviço de Imprensa Evangélico. Além disso, a Alemanha já acolheu feridos da Ucrânia e membros da minoria yazidi que sofreram violência no Iraque no passado: “Este é um procedimento testado e comprovado. Basta querer fazê-lo.”
Outros países europeus já recebem crianças de Gaza
A hesitação do governo alemão contrasta com iniciativas de outros países europeus. Itália e Espanha já estão acolhendo crianças gravemente feridas de Gaza para tratamento.
O governo britânico também anunciou uma operação de evacuação, mas os números são baixos, pouco mais de cem crianças. Organizações humanitárias estão pedindo ao governo em Londres que aja rapidamente. Crianças já morreram em Gaza por causa de processos burocráticos demorados. O prefeito de Hannover, Onay, sugeriu uma cooperação com o Reino Unido.
O chanceler federal Friedrich Merz, da CDU, ainda não se pronunciou sobre a oferta das cidades alemãs.