22/06/2022 - 12:57
O presidente Jair Bolsonaro costuma repetir que não há corrupção em seu governo. O chefe do Executivo já fez essa afirmação em diversas ocasiões, formais e informais – até quando se dirigiu à Assembleia Geral da ONU, em 2021 -, tentando indicar que não tolera desvios de conduta de seus auxiliares. Mas seu mandato, como os de seus antecessores desde a redemocratização, também registra denúncias e suspeitas do crime envolvendo nomes importantes da gestão federal e aliados, que geraram investigações como a que levou à prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, da Educação.
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Outubro de 2019: Ministro do Turismo
Em outubro de 2019, a Polícia Federal indiciou o então ministro Marcelo Álvaro Antônio, do Turismo, no inquérito da Operação Sufrágio Ostentação – investigação sobre suposto desvio de recursos por meio de candidaturas femininas laranja nas eleições 2018.
A PF imputou ao ministro de Bolsonaro os crimes de falsidade ideológica, associação criminosa e apropriação indébita. Na ocasião, Marcelo Álvaro Antônio ocupava o posto de presidente do PSL em Minas.
À época, o presidente disse que pretendia manter o ministro no cargo e ‘aguardar o desenrolar do processo’. Segundo as investigações, o então partido do presidente Bolsonaro – ele saiu do PSL em novembro daquele ano – utilizou candidatas em disputas de fachada para acessar recursos de fundo eleitoral exclusivo para mulheres. Os investigadores atribuem ao ministro o papel de articulador do esquema de laranjas.
Abril de 2021: Ricardo Salles
Em abril de 2021, o então ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, foi acusado de dificultar a ação de fiscalização ambiental e patrocinar diretamente interesses privados de madeireiros investigados por extração ilegal de madeira. Segundo notícia-crime encaminhada pela PF para o Supremo Tribunal Federal (STF), Salles, “na qualidade de braço forte do Estado”, integrava organização criminosa orquestrada por madeireiros alvos da Operação Handroanthus com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza.
Salles pediu demissão do cargo em junho daquele ano, alegando uma suposta “criminalização” de opiniões divergentes na área ambiental. O inquérito contra ele ainda tramita na Polícia Federal.
Maio de 2021: Tratoraço
Em maio de 2021, o Estadão deu início à série de reportagem que revelou um esquema montado pelo presidente Bolsonaro para manter sua base de apoio no Congresso. O chefe do Executivo criou, em parceria com o Congresso, o chamado orçamento secreto. O primeiro lote de emendas exposto pela reportagem incluía a liberação de R$ 3 bilhões. Boa parte dessas emendas foi destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo.
No esquema montado por Bolsonaro, parlamentares que apoiavam o governo conseguiam mais recursos em emendas para seus redutos eleitorais. O caso virou alvo de investigação por parte da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU). O Supremo Tribunal Federal determinou mudanças no esquema do orçamento secreto, cobrando mais transparência na dotação das emendas. O Congresso, até o momento, atendeu apenas em parte a determinação.
Maio de 2021: George Divério
No mesmo mês, o governo federal teve de demitir George da Silva Divério do cargo de Superintendente Estadual do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro devido a uma suspeita de corrupção. Ele, que é coronel do Exército, havia sido nomeado para o cargo pelo então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.
O caso veio à tona após reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo. Segundo a emissora, Divério assinou, em novembro de 2020, contratos de R$ 29 milhões com duas empresas, sem licitação, para fazer reformas em prédios da pasta no Estado. As obras foram consideradas urgentes, por isso a licitação foi dispensada. Depois de assinados, os contratos foram anulados pela Advocacia-Geral da União (AGU), que não constatou razão para a dispensa de licitação.
Junho de 2021: Covaxin
Em plena pandemia e em meio à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, mais uma denúncia de corrupção foi desvelada na Saúde. Documentos do Ministério das Relações Exteriores mostraram que o governo aceitou negociar a compra da vacina indiana Covaxin por um preço 1.000% maior do que, seis meses antes, era anunciado pela própria fabricante.
A ordem para a aquisição da vacina partiu pessoalmente do presidente Jair Bolsonaro e a negociação durou somente cerca de três meses, um prazo bem mais curto que o de outros acordos. Os recursos para a compra da vacina chegaram a ser empenhados pelo governo, mas, após investigação da CGU, a aquisição foi suspensa. Depoimentos à CPI da Covid mostraram a pressão interna para acelerar a compra da Covaxin, o que foi decisivo para o pedido de indiciamento do relatório final que pesou sobre o próprio Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazzuelo.
Junho de 2021: Propina de US$ 1
Em junho de 2021, o ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias foi acusado de pedir propina para autorizar a compra de vacinas pelo governo. Segundo a denúncia, ele teria condicionado a aquisição de imunizantes da AstraZeneca ao recebimento ilícito de US$ 1 por dose.
Dias chegou ao cargo por apadrinhamento do Centrão e foi exonerado do posto em 29 de junho, depois da denúncia. Ele foi alvo da CPI da Covid e chegou a receber ordem de prisão durante sua oitiva.
Março de 2022: Gabinete paralelo do MEC
O Estadão revelou que dois pastores capturaram o Ministério da Educação e passaram a interferir na agenda do então titular da pasta, Milton Ribeiro, para privilegiar determinados municípios no empenho de recursos do órgão. Gilmar dos Santos e Arilton Moura levam demandas de prefeitos a Ribeiro e conseguem a liberação dos recursos em tempo recorde.
Os municípios mais beneficiados são aqueles governados pelos partidos do Centrão – PL, Republicanos e Progressistas. Em conversas reveladas pelo Estadão, os próprios pastores admitem priorizar as demandas de prefeitos ligados à igreja Assembleia de Deus, da qual eles fazem parte.
O ex-ministro Ribeiro acabou preso pela Polícia Federal no âmbito da investigação sobre o caso.
Abril de 2022: Ônibus escolares
Em abril deste ano, o Estadão revelou que uma licitação bilionária do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) previa a compra de ônibus escolares com preços inflados. O alerta partiu de instâncias de controle e da própria área técnica do fundo. Segundo documentos obtidos pela reportagem, o governo aceitava pagar até R$ 480 mil por um ônibus que, de acordo com o setor técnico, deveria custar no máximo R$ 270,6 mil. Os recursos sairiam de um programa destinado a atender crianças da área rural, que precisam caminhar a pé quilômetros em estradas de terra para chegar à escola.
Após a publicação da reportagem, o governo recuou e reduziu na véspera as cotações dos veículos. Por fim, o pregão ficou R$ 500 milhões a menos do que o governo estava disposto a pagar quando os preços estavam superestimados.
Abril de 2022: Escolas fake
Também em abril, o Estadão mostrou que, apesar da falta de recursos para terminar 3,5 mil escolas em construção há anos, o MEC autorizou a construção de outras 2 mil unidades. Bom para mostrar no palanque de campanha, o projeto não tinha recursos previstos no orçamento, e só faria aumentar o estoque de escolas não entregues pelo governo e esqueletos de obras inacabadas. Mesmo assim, os colégios já vinham sendo anunciados por deputados e senadores aos seus eleitores.
O esquema de “escolas fake” tinha como base o FNDE, controlado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, por meio de um apadrinhado. O fundo precisaria ter R$ 5,9 bilhões para tocar todas as novas escolas contratadas. Com o orçamento atual, levaria 51 anos para isso.
Maio de 2022: Farra do caminhão do lixo
Em maio, o Estadão revelou que o investimento público federal com coleta de lixo virou foco de despesas milionárias crescentes e fora do padrão nos últimos anos.
Nas mãos do Congresso e do governo, a compra e distribuição de caminhões de lixo para pequenas cidades saltaram de 85 para 488 veículos de 2019 para 2021.
Avaliados com cuidado, esses gastos revelam transações difíceis de entender, como a da cidade do interior de Alagoas que tem menos lixo do que caminhões para recolhê-lo ou a diferença de R$ 114 mil no preço de veículos iguais, comprados no espaço de apenas um mês.
A distribuição de caminhões compactadores de lixo é usada por senadores, deputados e prefeitos para ganhar a simpatia e o voto dos eleitores de cidades pobres, onde a chegada desse tipo de auxílio é visível e faz enorme diferença. Até a publicação da reportagem, o governo havia destinado R$ 381 milhões para essa finalidade.
A reportagem identificou pagamentos inflados de R$ 109 milhões. A diferença dos preços de compra de modelos idênticos, em alguns casos, chegou a 30%.