21/12/2020 - 13:00
A poucos dias da segunda metade de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro ainda não imprimiu uma marca de eficiência na máquina pública, arquivou promessas e retrocedeu nas ações sociais. Levantamento feito pelo Estadão indica que ao menos 12 medidas de impacto na política e na economia, anunciadas na campanha de 2018 e nos primeiros meses de governo, foram deixadas de lado, como privatizações, reforma tributária e apoio à Lava Jato. Em dois anos de gestão, prevaleceram discursos ideológicos, alianças com partidos do Centrão e “agendas” de família.
O presidente atuou nas redes sociais sob influência do “gabinete do ódio”, comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho “02”. Além disso, tentou frear denúncias envolvendo o primogênito, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), alvo de inquérito que investiga um esquema de rachadinha à época em que ele era deputado estadual no Rio.
Nas transmissões ao vivo na internet, Bolsonaro recorreu a discursos sob medida para apoiadores radicais. Mas, se por um lado não atendeu às expectativas do mercado e da opinião pública, por outro, temas da pauta de costumes – como redução da maioridade penal, Escola Sem Partido e “banimento de marginais vermelhos” – só apareceram para manter a tropa unida em momentos de crise.
Na economia, reformas desidratadas foram encaminhadas ao Congresso sem uma articulação política capaz de viabilizá-las. A simplificação de tributos e a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até cinco salários nunca saíram do papel. Até mesmo a reforma previdenciária, aprovada no ano passado, foi arquitetada no governo de Michel Temer.
O “choque liberal” delegado ao ministro da Economia, Paulo Guedes, permanece estacionado e a agenda internacional, sob a batuta do chanceler Ernesto Araújo, é marcada por confrontos com potências como China, ataques à Venezuela e críticas a países europeus. Agora, com a derrota do aliado Donald Trump nos Estados Unidos e a vitória de Joe Biden, Bolsonaro terá de fazer mudanças na política externa.
As tentativas de privatização, por sua vez, só renderam baixas na equipe econômica. Nenhuma estatal foi privatizada. Em setembro, porém, Bolsonaro mais uma vez prometeu pôr empresas à venda. “Tudo aquilo que a iniciativa privada pode fazer, a gente pode abrir mão”, disse ele. Atualmente, há 46 empresas de controle direto da União, além de 152 subsidiárias. Uma delas criada pelo próprio Bolsonaro, a NAV Brasil.
Ao fazer o balanço do ano, na sexta-feira, Guedes não se desviou da autocrítica. “Falei ’em 15 semanas vamos mudar o Brasil’. Não mudou nada, teve a pandemia. Agora a mesma coisa. ‘(Eu disse): Vamos anunciar em 90 dias as privatizações’. Aí descubro que tem um acordo político para inviabilizar”, afirmou.
Rombo
Zerar o déficit primário era um dos desafios do “Posto Ipiranga”, apelido dado por Bolsonaro a Guedes, ainda antes da posse. A previsão, porém, é que o rombo alcance R$ 844 bilhões neste ano, por causa da pandemia. Em 2019, foram R$ 95 bilhões no vermelho. Há ceticismo generalizado sobre o que, de fato, a equipe econômica conseguirá entregar.
Sempre se esquivando de prejuízos políticos, o presidente não esboça empenho no andamento dessas pautas. “Bolsonaro não tem perfil reformista. Sabemos que reformas profundas são construídas tecnicamente, mas é essencial a liderança do presidente”, argumentou a consultora Zeina Latif, doutora em Economia pela USP. “No fundo, é a vontade do presidente em avançar que traduz o funcionamento do governo.”
Em conversa com eleitores, há dois meses, Bolsonaro foi parabenizado pela criação do Pix, a inovadora tecnologia lançada pelo Banco Central para agilizar transações bancárias. Respondeu, no entanto, como se estivesse falando de assunto da aviação civil. Ao ouvir a explicação do apoiador sobre o que era o Pix, confessou desconhecer.
O episódio foi mais um exemplo de “desnorteamento”, na opinião do professor de Estratégia e Gestão Pública do Insper, Sandro Cabral. “Além da falta de rumo, há um completo despreparo para formatar conteúdos e para negociar com ‘stakeholders’, como políticos, órgãos de controle, Judiciário e Ministério Público”, observou. “Não podemos dissociar a política da administração: andam de mãos dadas”.
Saúde
A desconexão entre as promessas do governo e a gestão também vão além da economia. O presidente Jair Bolsonaro tem se afastado da maneira como prometeu lidar com o que chamava de “velha política”. Hoje, ele estende a mão para a mesma ala que quer aumentar gastos públicos e não se constrange ao se aliar a líderes do Centrão, como o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL).
Na avaliação do Palácio do Planalto, investir na candidatura de Lira para comandar a Câmara de 2021 a 2022 significa poupar Bolsonaro de eventuais processos de impeachment. Para ter alguém de sua confiança na Câmara, o presidente recorre ao modelo do toma lá dá cá que sempre criticou, com oferta de cargos e emendas em troca de apoio.
A ineficiência do Executivo muitas vezes passa despercebida diante das polêmicas ideológicas. Com a média de um ministro por semestre, o Ministério da Educação, por exemplo, ficou fora de uma das mais importantes discussões desse biênio: a renovação do Fundeb, principal fonte de financiamento da educação básica.
O governo agiu para desconstruir a proposta e o Congresso avocou o tema para si. “Ninguém estava esperando um MEC progressista, mas que no mínimo olhasse para as questões essenciais ao desenvolvimento, e não para temas irrelevantes”, afirmou Rafael Parente, PhD em Educação pela Universidade de Nova York.
A Saúde era uma das poucas áreas para as quais o plano de governo de Bolsonaro trazia propostas concretas, como prontuário eletrônico interligado, credenciamento universal de médicos e dentista para gestantes no pré-natal. Tudo continua no papel.
Desde o início da pandemia do coronavírus, que já matou mais de 180 mil pessoas, o Brasil teve três ministros. Dois deles (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich) deixaram a pasta impedidos por Bolsonaro de agir conforme as diretrizes científicas. Por motivos mais ideológicos do que técnicos, o programa Mais Médicos foi desfigurado. A alternativa, o Médicos pelo Brasil, não emplacou.
No Meio Ambiente, o movimento para esvaziar os órgãos de proteção pôs em alerta até mesmo exportadores. “São dois anos de retrocesso”, avaliou Virgílio Viana, PhD por Harvard. Ele ressalvou, porém, que as possibilidades de avanço na política de carbono representam uma esperança.
No campo da energia, Bolsonaro prometeu transformar o setor em “um dos principais vetores de crescimento” do País. O governo aposta suas fichas na usina nuclear de Angra 3, ainda inoperante. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.