05/11/2017 - 10:09
O cenário para a aprovação da reforma da Previdência está difícil, mas o governo deve fazer um esforço para conseguir passar o que for possível das medidas o quanto antes, afirma o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, ex-diretor do Banco Central. Um dos riscos de deixar a reforma para o próximo presidente pode ser um novo rebaixamento do rating soberano do Brasil, disse ele. Já a aprovação pode ajudar o Banco Central a reduzir ainda mais a taxa de juros. Mesquita prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) do País vai crescer 3% em 2018, puxado pelo consumo. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O sr. acredita que a reforma da Previdência, mesmo que diluída, tem chance de ser aprovada neste governo?
Acho que está difícil. Primeiro, pelo fato de que o tempo está acabando e tem outras pautas que podem ser prioritárias, como a própria pauta do ajuste fiscal de curto prazo, que são as medidas para atingir a meta fiscal (de déficit de R$ 159 bilhões) em 2018. Há outras pautas importantes para os congressistas, como a segurança pública. Parece que há um certo “engarrafamento legislativo”. Não é impossível que uma versão light seja aprovada, mas está se tornando mais difícil, dada a questão do tempo. O ideal é passar o que for possível o quanto antes, porque a cada momento que se adia a reforma, o problema não é resolvido e faz com que a reforma tenha de ser mais severa, as regras de transição mais abruptas. A versão mais light geraria economia de 50% da economia proposta pelo governo.
Se a reforma da Previdência não passar este ano, as agências de rating podem rebaixar o Brasil novamente?
A comunicação das agências tem sinalizado que a manutenção do rating do Brasil pode ser desafiadora se não avançar a reforma da Previdência. A equipe econômica goza de enorme credibilidade, mas as agências ressaltam que, ao avaliar um país, consideram não só as políticas, mas o comprometimento da classe política como um todo com a solvência do país. Se essa elite dirigente, que envolve Executivo, Legislativo e Judiciário, não consegue chegar a um acordo a respeito das medidas para estabilizar a dívida, o rebaixamento acaba sendo inevitável.
Nos últimos anos, vimos um enorme salto da dívida pública em relação ao PIB. Para onde caminha essa situação?
Com a volta do crescimento da economia, o efeito da queda dos juros e a devolução de recursos do BNDES ao Tesouro, o ritmo de crescimento da dívida bruta nos próximos um ou dois anos vai ser bem mais lento do que foi nos últimos dois anos. Não significa, de forma alguma, que a questão fiscal está sendo resolvida. Continuamos com um problema fiscal muito sério, que é transformar um déficit primário (resultado das receitas menos as despesas do governo, sem contar o pagamento dos juros da dívida) de 2,5% do PIB em um superávit ao redor de 2,5%, ou seja, um desafio de 5 pontos do PIB. É muito difícil conseguir superar esse desafio e também viver com outra trava fiscal, que é o teto de gasto, sem a reforma da Previdência. Se tiver reforma, pode ser que a relação dívida/PIB se estabilize. Sem reforma, não tem perspectiva.
O governo vai conseguir cumprir o teto de gastos nos próximos anos?
Estimamos que consegue cumprir, sem a reforma da Previdência, este ano e em 2018. Mas em 2019 complica e em 2020 fica inviável.
Qual o cenário para a taxa de juros no País?
Seguimos com a previsão de que o atual ciclo de cortes vai terminar com a Selic em 6,5%. Me parece claro que, se passar a reforma da Previdência, ainda que seja uma versão mais diluída, tem chance maior de o BC continuar reduzindo os juros no início de 2018. Se a reforma não encontrar respaldo no Congresso, essa chance diminui. Não é condição absolutamente necessária a aprovação das reformas, mas acho que favoreceria de forma importante a continuidade do ciclo no ano que vem.
Com a retomada da economia e a volta do consumo, o País corre o risco de ter inflação de demanda?
Estimamos que a folga na economia, o hiato de produto, muito provavelmente só vai se fechar lá para 2020. Assim sendo, deve ser esse o prazo para termos pressão de demanda, o que não quer dizer que não existam riscos no cenário inflacionário. Tem riscos do lado da oferta, algumas pessoas já estão começando a ficar preocupadas com o comportamento do preço de alimentos, que foi uma ajuda muito grande para trazer a inflação cheia para baixo. Um movimento mais agressivo de política monetária lá fora poderia ensejar uma depreciação da moeda, o que teria implicação inflacionária.
O que esperar do investimento?
Já devemos ver recuperação do investimento no terceiro trimestre. O consumo de bens de capital teve recuperação, o setor de construção, que vinha em contração, deve ter tido atividade estável. Para 2018, prevemos expansão de 3% do PIB, muito em função dos efeitos defasados da política monetária. Vamos ver o efeito mais intenso do corte de juros na atividade a partir já talvez deste trimestre e no ano que vem.
A retomada de investimentos por parte das empresas pode ficar para depois das eleições?
Depende do grau de incerteza que o processo eleitoral pode vir a suscitar. Se existe um certo consenso sobre o tipo de política econômica que será implementado após 2019, aí a incerteza tende a ser mais limitada. Os pré-candidatos não têm propostas econômicas e não estão falando sobre isso. É um tema meio árido para a maioria da população e é razoável que não seja mencionado na largada. O cenário fiscal incerto, que tem a ver com trajetória de reformas e a política econômica depois de 2019, é algo que pode atuar negativamente sobre o investimento. Se tivermos eleição em que todos os principais candidatos se comprometam com o ajuste fiscal, a eleição passa a ser algo que não vai elevar a incerteza fiscal. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.