Por Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) – O governo federal estuda uma regulamentação para criar um modelo novo de contribuição previdenciária para trabalhadores de aplicativos, em especial de transporte e entregas de comida, com a previsão de aportes tanto das empresas quanto dos trabalhadores.

De acordo com o ministro do Trabalho, José Carlos Oliveira, já existe um desenho prévio de uma nova legislação, que vem sendo debatida com os trabalhadores e com as plataformas, mas não ainda uma proposta fechada.

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“Encontrar um modelo novo de legislação não é fácil”, afirmou nesta quarta-feira em um encontro com jornalistas.

Não existe ainda um cronograma para que a legislação seja enviada ao Congresso, possivelmente por um projeto de lei, mas a intenção é que isso aconteça até o final deste ano.

A preocupação central é encontrar uma forma de incluir os trabalhadores na Previdência Social, mas sem colocá-los como celetistas.

“Os trabalhadores já foram claros que não querem ser celetistas, querem continuar como autônomos, querem manter a liberdade de definir horários e dias de trabalho, como fazem hoje”, disse o secretário-executivo do ministério, Bruno Dalcolmo, que encabeça as negociações.

Sem dar detalhes, Dalcolmo revela que as negociações feitas até agora prevêem a criação de um modelo novo de contribuição ao INSS para abarcar essa categoria. A proposta que está sendo analisada inclui um pagamento por parte das empresas, ao mesmo tempo que deixa claro que não há vínculo empregatício com os trabalhadores.

“Elas (as empresas) sabem que terão que contribuir e que precisam aumentar a relação com os trabalhadores”, disse Dalcolmo.

Ao mesmo tempo, a preocupação é não criar uma legislação tão dura que acabe tornando o negócio inviável ou com pouca competitividade. “Em locais de menor poder aquisitivo, com uma população menor, podem acabar sem os serviços”, disse o secretário.

A legislação deve incluir também uma contribuição por parte dos trabalhadores. Hoje, eles podem fazer isso como microempreendedor individual (MEI), mas a maioria não faz. A intenção é que, com a contribuição do trabalhador e das empresas, um trabalhador de aplicativo possa vir a receber, de aposentadoria, mais que um salário mínimo, que é o pago aos contribuintes como MEI.

“Com o incentivo de receber mais que o salário mínimo pode atrair mais os trabalhadores. Todo mundo vai ter que ceder, as empresas e os trabalhadores”, disse Dalcolmo.

Apesar de registrar que os trabalhadores cobram, nas reuniões que tiveram com o governo, outras questões como maior transparência nos pagamentos feitos a eles pelas empresas, Dalcolmo apontou que a questão previdenciária é a central, e inclui também o interesse do governo.

“Se um trabalhador desses de moto se acidenta, ele acaba indo parar no SUS”, lembrou. “Precisamos olhar condições de trabalho, a gente precisa oferecer algum tipo de segurança.”

Um dos pontos que ainda está em discussão é o alcance da medida. Em um primeiro momento, pode abarcar apenas motoristas de aplicativos e entregadores, para depois incluir outras categorias. Dalcolmo lembra que hoje há vários tipos de serviços oferecidos, de manicures a toda uma rede de logística de entregas para comércio online, que se apoia também em aplicativos.

A precarização do trabalho, com o crescimento dos aplicativos como Uber e iFood, entre outros, tem ocorrido em vários lugares do mundo, e novas legislações trabalhistas vêm surgindo para tentar abarcar essa nova forma de relação entre empresas e trabalhadores.

Recentemente a Espanha aprovou uma lei que exige a assinatura de contratos entre os aplicativos e os motoristas e entregadores. Defendida como uma alternativa pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial, a alternativa espanhola é criticada por Dalcolmo.

“A Espanha aprovou uma lei que terminou por não avançar e não promoveu melhora no ambiente”, disse.

Em nota, a Uber afirmou que defende publicamente a inclusão dos trabalhadores de aplicativos na Previdência com uma parte da contribuição vindo das empresas “de forma de reduzir o valor a ser desembolsado pelos parceiros”.

“É fundamental que essa integração previdenciária seja feita a partir de um modelo mais vantajoso para motoristas e entregadores do que as opções atuais, consideradas muito caras e burocráticas por grande parte desses trabalhadores”, afirmou a empresa.

Já a Rappi afirmou que participa das negociações sobre este tema por meio da Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O).

O iFood, por sua vez, defendeu um “debate amplo” sobre a construção de uma legislação que envolva os entregadores e motoristas de aplicativo na Previdência.

Para a empresa, essa legilação precisa garantir aos profissionais “autonomia e flexibilidade para dispor de seu tempo da maneira que considerarem mais adequada”.

“O iFood defende, inclusive, que as empresas assumam a maior parte da contribuição tornando, assim, mais acessível o ingresso à Previdência para o trabalhador de plataforma digital.”

Também em nota, a 99 também disse apoiar a inclusão de motoristas e entregadores de aplicativos ao sistema público de Previdência Social.

“A 99 entende seu papel nesse processo e reforça o comprometimento com os motoristas parceiros por meio de sua tecnologia, disponibilizando-se a facilitar essa integração. Indo além, propomos ainda a participação direta no financiamento da proteção social dos motoristas parceiros, reduzindo os impactos em sua renda”, afirma na nota Diogo Souto, diretor de Políticas Públicas da empresa.

 

(Reportagem adicional de Gabriel Araújo, em São Paulo)

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