Diz a máxima popular que pai é quem cria. Se entendermos cria como fazer surgir, de fato, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pode ser considerado o criador da Reforma Tributária, aprovada por meio de Emenda Constitucional ano passado. Mas se a interpretação do “criar” tratar sobre o processo de maturação e construção de algo, bom, então a paternidade das novas regras tributárias no Brasil será desconhecida.

Enquanto o governo federal montava suas mais de 300 páginas para justificar o primeiro dos três Projetos de Lei que visam regulamentar 70 pontos em aberto da PEC, o Congresso Nacional já se organizava para colocar seu próprio DNA no texto.

Já são ao menos 19 alterações em curso (antes mesmo de lerem a proposta do governo) e mais de 172 pedidos de alteração na mesa dos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e Senado, Rodrigo Pacheco. Com toda essa pressão em cima do texto, especialistas em direito tributário temem que o resultado final da proposta que visava simplificar e baratear o custo dos impostos no Brasil, seja um tiro no pé. O próprio ministro Haddad, ao entregar o texto, deixou claro isso. “Uma coisa que é importante frisar é que temos hoje uma alíquota de 34%. Queremos baixar essa alíquota. Agora, isso vai depender das exceções à regra e da digitalização para diminuir a evasão e ampliar a base tributária”, disse.

Ao lado de Haddad na entrega do PL, o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, disse estimar que o imposto médio após a reforma fique em torno de 26,5%, isso considerando as métricas indicadas pelo governo federal. A primeira parte da regulamentação, segundo ele, trata justamente dos nortes para chegar a esse valor.

Ao todo a Emenda Constitucional aprovada ano passado faz cerca de 70 menções à necessidade de regulamentação por lei complementar em temas específicos.

Nessa primeira fase, apelidada de Lei Geral, o governo sugere cinco pontos. São eles:
isenção total para todos os itens da cesta básica,
cashback de 50% para pessoas de baixa renda em água, luz e esgoto;
redução de 30% no CBS e IBS para 18 profissões regulamentadas de natureza científica, literária ou artística;
desoneração integral dos 18 itens da cesta básica;
imposto do pecado para automóveis poluentes; redução de 60% nos impostos para serviços ligados à educação.

Além disso, o texto do governo garante 100% de desoneração para as exportações e investimentos que gerem empregos. Todo o processo, segundo Haddad, será digital, aumentando a capacidade do governo de monitorar e gerenciar o pagamento.

Até o final do semestre o governo quer enviar mais dois PLs:
um sobre a transição na distribuição da receita (para os estados e municípios) e com questões relativas a contencioso administrativo;
 o outro para tratar das transferências de recursos aos fundos de desenvolvimento regional e de compensações de perdas dos estados.

Assuntos espinhosos que talvez fiquem para depois da janela eleitoral, pela sensibilidade do tema com os parlamentares. Se tudo correr dentro da agenda programada pelo governo federal, a meta é terminar a regulamentação e dar início ao período de transição em 2026.

NEGOCIAÇÃO

O ministro Fernando Haddad, que vinha encontrando dificuldades de dialogar com a Câmara e chegou a ser cobrado publicamente pelo presidente Lula por “negociar pouco” afirmou após a entrega que o diálogo sempre esteve aberto com o Legislativo, e admitiu que mesmo nem tudo saindo como o planejado, a estrutura republicada do governo entende que há avanços.

“Estamos muito confiantes no processo. Nem sempre saímos daqui eufóricos com os resultados das negociações. Mas em todos os casos houve avanços, demos passo na direção correta”, afirmou Haddad.

Ainda não há relator definido para se debruçar no PL enviado e Lira já sinalizou que usará os 60 dias previstos na Constituição para que grupos de trabalho se dediquem ao tema. Só depois desse período de concepção, será possível ter ideia, pela cara da reforma, quem foi o seu verdadeiro pai.