Enquanto o Banco Central promove a manutenção dos juros em 13,75% para desidratar a inflação e o Congresso afina os últimos detalhes do novo Arcabouço para restaurar o compromisso fiscal da União, a equipe econômica do governo Lula III precisa tentar garantir que o consumo ajude a economia a reagir e o dinheiro voltar a circular. Mas para isso o primeiro passo tem que ser a redução do endividamento e da inadimplência da população. Com um rosário de medidas de estímulos, como antecipação do 13º para aposentados e pensionistas para maio e junho, aumento das linhas de crédito pelos bancos estatais para microempresários e intenção de limitar os juros do rotativo do cartão de crédito (que hoje chega a 428% ao ano), o objetivo do ministro Fernando Haddad é garantir que o brasileiro gaste mais dinheiro, mas para isso será preciso tirar o peso de suas dívidas. “É preciso encontrar um caminho negociado [com os bancos] como fizemos com o consignado dos aposentados”, disse Haddad, em encontro com jornalistas. “Do jeito que está hoje prejudica demais a baixa renda.”

A intenção do governo de reduzir o sufoco do trabalhador e aumentar o acesso ao crédito se explica por uma série de números. Pelos cálculos do BC, 25,4% da renda dos brasileiros está comprometida com pagamento de dívidas — sem considerar prestações com crédito imobiliário. Um ano atrás, o índice estava em 23%. O endividamento total chegou a 48,8% da renda acumulada nos doze meses. É o pior cenário da série histórica do BC para este indicador tem início em janeiro de 2005. Em fevereiro de 2020, antes da pandemia da Covid-19, o endividamento das famílias somava 41,8%.

A taxa de inadimplência, segundo a Serasa Experian, também está em patamares recordes. Em março (o dado mais recente), 43,4% da população adulta estava com dívidas em atraso há mais de 90 dias, e com o nome sujo. São nada menos do que 70,7 milhões de pessoas em apuros e impedidos de contrair novos financiamentos. Em setembro de 2021, quando os números começaram a piorar, o percentual era de 38,8%, o que representava 62,2% da população.

O economista sênior da Serasa, Luiz Rabi, avalia que o cenário de alto endividamento e inadimplência recorde no País resulta da combinação de inflação de dois dígitos por muitos meses, num passado recente, e da forte elevação da taxa Selic. “O endividamento não é algo ruim se a capacidade de pagamento estiver em condições normais”, afirmou Rabi. “O problema é que a perda do poder de compra, que se torna inadimplência, ajuda a deteriorar o ambiente econômico como um todo”, disse.

Rabi calcula que o comprometimento máximo recomendado com pagamento de dívidas é de 20% (sem considerar parcelas de financiamento de imóveis), 5 pontos percentuais a menos do que está atualmente. “Para não enxugar gelo, a saída é buscar a renegociação das dívidas, enquanto as condições do crédito não melhoram e a Selic não cai, o que só deve começar a acontecer a partir do segundo semestre”, afirmou o economista, prevendo que a Selic só deve baixar para menos de 10% em 2025.

FALTA EQUILÍBRIO O problema é que o cabo de guerra entre governo e Banco Central, com um lado criando mecanismos de estímulo ao consumo e outro perseverando nos juros altos, para exatamente inibir o consumo, demostra a falta de alinhamento das políticas econômica e fiscal, amplificando as dúvidas sobre a capacidade do governo de reativar a dinâmica da economia, segundo o economista Jaime Dib, doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo (USP). “Os atritos de Lula e Campos Neto geram mais problemas do soluções e prejudicam demais o ambiente de negócios”, afirmou.

O equilíbrio entre crescimento econômico e controle da inflação, segundo Douglas Duek, CEO da Quist Investimentos, dependerá a retorno da confiança. “O endividamento das empresas e das famílias está retendo o mercado”, disse Duek. “O governo deve, sim, tentar fazer programas de incentivo, como colocar dinheiro do BNDES e no Plano Safra, para melhorar a confiança e colocar dinheiro no mercado.”

Em paralelo à ofensiva de estímulo ao crédito, o governo tem outros dois pilares para reduzir o endividamento e destravar o crédito. O primeiro, com foco nas empresas, é a entrada da União como garantidora em contratos de Parcerias Público-Privadas (PPP) para obras públicas e a ampliação de setores que podem emitir debêntures incentivadas, como são chamados os títulos de dívidas de empresas que não têm cobrança de Imposto de Renda para o investidor. A intenção é estimular projetos nas áreas de educação, saúde e infraestrutura. Já as debêntures incentivadas de novos setores pode estimular que pequenos investidores pessoa física financiem obras públicas, driblando os juros altos e as novas amarras que impedem o BNDES de conceder crédito subsidiado às empresas de infraestrutura.

O segundo é o Projeto de Resolução Bancária, que já tramita no Congresso como PLP 281/2019, visando simplificar e aprimorar os regimes de resolução em instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central, pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) e pela Comissão de Valores Mobiliários. Assim, financiamentos e seguros poderão ter mais concorrência e, por consequência, oferecer preços melhores. Uma aula de como repensar o endividamento da população que poderia ser aplicada também na dívida pública do Brasil.