Pelas fotos acima é fácil perceber como diferentes governantes mostram apreço por uma obra como a da transposição do Rio São Francisco. Considerada um dos maiores projetos de infraestrutura do País, a construção se estende por 480 km e tem uma importância incontestável: garantir segurança hídrica a 12 milhões de pessoas, em 390 municípios de quatro Estados do Nordeste. Difícil é dizer a data de sua conclusão e o custo total. Hoje, o prazo estimado é até o final deste ano, com investimentos de cerca de R$ 10 bilhões. Se a pergunta fosse feita em 2014, porém, a previsão seria 2016 e um orçamento de pouco mais de R$ 8 bilhões. Dois anos antes, as estimativas indicariam conclusão em 2012 e cerca de R$ 5 bilhões em recursos. Trata-se de variações comuns a grandes projetos brasileiros. Se, de um lado, transformam o fim iminente da obra em mérito, de outro, escancaram ineficiências históricas do processo de planejamento da infraestrutura nacional.

Há diversos casos semelhantes de empreendimentos atrasados e com custo superior aos estimados. Um levantamento da consultoria Inter B. retrata a saga em números. Em 2010, um conjunto de 13 grandes construções apresentava investimentos estimados em R$ 121 bilhões. As previsões de conclusão se estendiam até dezembro de 2015 (confira detalhes de alguns deles ao final da reportagem). No ano passado, as estimativas de custo haviam mais que dobrado e os atrasos na execução passavam de 90 meses (sete anos e meio). Segundo Claudio Frischtak, responsável pelo estudo, os dados ainda precisam de uma nova atualização. “No Brasil, a gente investe pouco e mal”, diz Frischtak. “Não é que não tenha gente competente, é que há algo profundamente errado com o sistema político, com a forma como o ciclo político se traduz em decisões equivocadas.”

A ênfase do consultor é repetida por outros especialistas e remete às fotos acima, uma forma de chamar a atenção de como a busca pela capitalização política atropela o já caótico processo de planejamento dos projetos. Os equívocos se arrastam desde a fase de projetos, com estudos superficiais e insuficientes, e vão até a imprevisibilidade orçamentária. Consultores citam ainda a existência de riscos regulatórios, a falta de interlocução de órgãos públicos em diferentes instâncias governamentais e o engessamento de órgãos de controle. “Tem um monte de gente que interfere no processo e, na verdade, quando uma obra começa, nada garante que vai terminar”, afirma José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). “É um problema seriíssimo, uma brincadeira de ‘me engana que eu gosto’.”

Entre os projetos com prazo indefinido de conclusão estão o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e a segunda fase da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, com custos que somam mais de R$ 100 bilhões. Ao lado da Transposição do Rio São Francisco, iniciada em 2006, a Transnordestina engrossa a lista dos atrasos no Nordeste, com novo prazo estimado para junho de 2020. “Vários projetos acabaram sendo colocados para serem desenvolvidos sem a devida equação financeira”, afirma Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). Para ele, o governo precisa definir melhor quais são as prioridades.

A usina nuclear Angra 3 já custa 50% mais do que o previsto e acumula um atraso de sete anos em relação ao prazo inicial. Obras estão paralisadas (Crédito:Divulgação)

No Congresso, é possível verificar uma face dos problemas. Parlamentares da bancada nordestina batalharam para tentar garantir recursos suficientes para concluir o projeto de Transposição do Rio São Francisco neste ano. As emendas incluídas no Orçamento para a construção somam R$ 500 milhões. Para a senadora Fátima Bezerra (PT-RN), obras prioritárias, de caráter estruturante, como a do Rio São Francisco, deveriam ser carimbadas pelo Executivo, com garantia de recursos. “O São Francisco significa a margem de segurança para os períodos de estiagem”, diz Bezerra. “Como iríamos sobreviver sem água? Agora é o momento oportuno para cobrar a conclusão das obras”

Sobre os atrasos, a senadora diz que é preciso dar um desconto, devido à complexidade da obra. A mesma posição é endossada pelo governo. Em nota, o Ministério da Integração atribui a necessidade de “replanejamento” dos prazos a serviços que não estavam incluídos no projeto básico. Cita, por exemplo, a dificuldade de lidar com interferências em estruturas existentes, como linhas ferroviárias, além dos 38 programas ambientais diferentes, que incluem até ações arqueológicas. Segundo a pasta, o projeto é semelhante a outras transposições no mundo, em que as conclusões foram superiores a dez anos. Entre as complicações, somam-se ainda impasses judiciais e a saída da construtora Mendes Júnior, após ter sido declarada inidônea para contratar com o poder público por conta da Operação Lava Jato. Aliás, obras grandiosas como essas são geralmente usadas por partidos políticos para desviar dinheiro público para o famoso Caixa 2. A Transposição do Rio São Francisco, a Refinaria Abreu e Lima, a Usina de Angra 3, entre outras, foram alvo de corrupção e são investigadas pelas autoridades. Trata-se de um processo que aumenta os custos e a extensão dos prazos.

Mesmo diante de atrasos e de desvios, a visibilidade política pesa mais para que uma determinada obra seja concluída com mais rapidez. É o caso da transposição do “Velho Chico”, que deve ser terminada em dezembro e servirá como uma vitrine eleitoreira. A primeira parte foi entregue em março de 2017 e já beneficia cerca de um milhão de pessoas, em 32 municípios. O trecho Norte, que ainda precisa ser acabado, está com uma execução de 94,9% do total. Depois de finalizado, ainda haverá pendências. Para que possa garantir o alcance previsto, serão necessárias obras complementares com ramais que ampliam a distribuição. Um levantamento da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado, presidida pela senadora Bezerra, estimou um custo de R$ 6,83 bilhões adicionais para esses projetos, parte delas ainda nem iniciada. Segundo o Ministério da Integração, o prazo médio dessas obras é de pouco mais de três anos.

O estudo levanta outros desafios para garantir a eficácia do projeto. Um dos principais é o risco de contaminação decorrente da insuficiência de esgoto sanitário em 57% dos municípios localizados na área de influência do projeto de Transposição. Segundo a senadora, as obras estavam previstas no projeto original, mas acabaram não saindo do papel. “Enquanto a obra está perto de ser concluída, as ações de revitalização praticamente não andaram”, diz Bezerra. A intenção é dar um foco maior nessas ações e garantir recursos orçamentários que evitem a degradação da bacia e o consequente risco de impacto na disponibilidade de água do empreendimento, como atestou a comissão. Apesar das ressalvas, a senadora enaltece o projeto lembrando o período em que ela experimentou a seca. “É de uma grandiosidade do ponto de vista humano e social extraordinário.” Disso, poucos duvidam. Mas se houvesse um planejamento melhor, poderia estar pronto no prazo e a um custo menor.