DINHEIRO ? Grandes negócios foram feitos no Brasil, nos últimos meses. O Cade tem tido mais trabalho?

ARTHUR BADIN ? Acredito que a crise abriu oportunidades interessantes para um novo reposicionamento dos ativos e dos investimentos para todo mundo, por conta da mudança dos preços. E o fato de o Brasil ter sofrido menos os efeitos da crise abriu grandes oportunidades para as empresas. É a isso que nós estamos assistindo, inclusive a oportunidades de internacionalização.

DINHEIRO ? O movimento de fusões e aquisições está maior no Brasil do que no resto do mundo?

BADIN ? Não identifico um movimento anormal. Tivemos em 2008 uma retração em decorrência das incertezas inerentes à crise. E hoje há uma retomada no mesmo ritmo da média histórica. Acho que a mudança está no tamanho das operações. Houve operações maiores nos últimos tempos.
 

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“Na fusão entre a Casas Bahia e o Pão de Açúcar, vamos avaliar onde há sobreposição de atividades”
 

DINHEIRO ? Há, na pauta do Cade, assuntos pendentes como a fusão entre Sadia e Perdigão, Brasil Telecom e Oi, Itaú e Unibanco. O sr. acha que este ano será um ano de agenda movimentada?

BADIN ? Sem dúvida. Será um ano movimentado não só por conta destas fusões, mas também porque a Secretaria de Direito Econômico vem encerrando várias investigações importantes de cartéis.

DINHEIRO ? Como o sr. avalia a concentração no setor de alimentos com a criação da Brasil Foods?

BADIN ? Obviamente, não posso adiantar nenhuma avaliação específica sobre o mérito do caso. O processo ainda está sendo analisado. É preciso olhar o mercado com cuidado. A operação tem como principal justificativa a necessidade de internacionalização, de fortalecimento das exportações. Temos que olhar os mercados globais. Mas isso nunca pode significar um prejuízo ao consumidor nem ao produtor brasileiro. O Cade sempre olha o elo seguinte da cadeia, que são os consumidores, e o elo anterior, que são os produtores de insumos.

DINHEIRO ? Para evitar um prejuízo irreversível, o Cade patrocinou um Apro (acordo de preservação da reversibilidade da operação). Isso será cada vez mais comum?

BADIN ? Como o nome diz, visa preservar a reversibilidade da operação. O seu objetivo é manter intactas as estruturas de governança, de ativos, de contratos, de relacionamentos com fornecedores e redes de distribuição até que o Cade possa tomar uma decisão e evitar uma situação de ?ovos mexidos?, quando não se pode mais ?separar o ovo da gema?. Pelo vulto e pelo tamanho das empresas envolvidas é uma operação que chama a atenção e desperta preocupação. Por isso que as empresas vieram ao Cade explicar o negócio. Isso mostra um amadurecimento das empresas e do mercado em relação ao papel dos órgãos antitruste. O Brasil, como outros países civilizados, tem leis de defesa da concorrência que são parte importante da política de defesa dos consumidores.

DINHEIRO ? A política do governo atual é de estimular a formação de grandes grupos de origem brasileira para competir no mercado internacional, o que implica concentração. Como compatibilizar isso com a defesa da concorrência?

BADIN ? O Cade aplica uma política pública que é uma política de Estado, votada pelo Congresso Nacional, e não se resume a um ou outro governo. Todas as operações, tendo ou não o apoio do governo, são analisadas sob os mesmos parâmetros e paradigmas do direito antitruste. Desconheço qualquer motivação do governo que vise limitar a concorrência. A concentração em si não gera prejuízo ao consumidor. Ela pode ser benéfica. E a diminuição da concorrência pode, muitas vezes, trazer benefícios se trouxer ganhos de escala que reduzam os custos de produção e viabilizem investimentos em inovação. Essa é a análise técnica que o Cade faz. Às vezes, mercados podem ser considerados internacionais. O caso Braskem-Quattor, por exemplo, ainda não foi decidido pelo conselho, mas a constituição da Quattor, em 2007, foi analisada e se constatou que o mercado desses produtos é internacional, no qual o Brasil detém apenas 6% de participação. Não sei se o Cade manterá a mesma orientação. Pode ser que, apesar de não ser essa a intenção, algumas dessas operações tenham malefícios ao consumidor. Mas o Cade vai decidir com independência.
 

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“Há concentração no caso Braskem-Quattor, mas os preços dos produtos são definidos pelo
mercado global Refinaria petroquímica da Braskem-Quattor na Grande São Paulo

DINHEIRO ? O Cade, então, não vai se pautar por esta política de criação de grandes grupos nacionais?

BADIN ? O Cade não é nem a favor nem contra a criação de grandes grupos. O Cade é a favor dos consumidores e do eficiente funcionamento do mercado. Se uma operação gera uma grande concentração, mas é benéfica para os consumidores porque traz consigo eficiências econômicas relevantes, ela vai ser aprovada pelo Cade. Se uma outra operação gera uma concentração que trará prejuízos aos consumidores brasileiros, ela será vetada ou lhe serão impostas restrições.

DINHEIRO ? Não há um risco de, em operações como essas, ocorrer um ?efeito Walmart?, que beneficia o consumidor com preços menores, mas estrangula os fornecedores?
BADIN ?
O Cade olha para o consumidor, com a preocupação de preservar e garantir os seus direitos e também os dos fornecedores. O Cade zela pelo bom funcionamento do mercado, por sua eficiência e pela boa alocação de recursos na economia. Um cartel de compra, por exemplo, pode baixar os preços no curto prazo. Mas, no longo prazo, pode ser ruim porque acaba redirecionando os investimentos para outros mercados. Ou seja, com a redução dos preços os fornecedores passam a produzir menos e a redução da oferta eleva os preços.

DINHEIRO ? Outro grande negócio em análise é a fusão da Casas Bahia e o Pão de Açúcar, que já tinha comprado outros grandes grupos. Ele já chegou ao Cade?

BADIN ? Não chegou aqui ainda. Mas não vejo grande preocupação pelo fato de o grupo Pão de Açúcar avançar para a linha branca, de eletrodomésticos. A preocupação concorrencial é entre o Ponto Frio e a Casas Bahia. Em que há sobreposição de atividades. Entre as atividades do Pão de Açúcar e da Casas Bahia e do Pão de Açúcar e do Ponto Frio, em princípio, não há sobreposição. Os pontos de venda não são os mesmos.

DINHEIRO ? Todas essas operações feitas nos últimos meses eventualmente vão desaguar no Cade. O órgão hoje está em condições de atender satisfatoriamente essa demanda?

BADIN ? Infelizmente, não. O Cade hoje não tem estrutura nem condições legais para dar respostas em tempo razoável para esses casos. Hoje o processo precisa passar por uma verdadeira via-crúcis de pareceres e órgãos previstos em lei. Só a reestruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, em tramitação no Congresso, vai permitir a adequação aos prazos praticados em todo o mundo. Os casos mais simples, que são 92% do total, terão que ser resolvidos em 20 dias e os mais complexos terão que ser julgados em até 180 dias. Isso será possível pela simplificação dos trâmites processuais, eliminação de redundâncias nas etapas do processo e de milhares de pareceres muitas vezes inúteis.

DINHEIRO ? Esse projeto começou a ser gestado há oito anos e há seis está no Congresso. Há previsão para que seja votado em breve?

BADIN ? Acredito que até o fim do semestre seja aprovado no Congresso. Não estamos recriando a roda. Só estamos colocando a legislação brasileira na linha das melhores práticas internacionais. As mudanças vão unificar a estrutura, eliminando sobreposições e redundâncias, introduzir a análise prévia de atos de concentração, com prazos fixos e improrrogáveis, e criar uma estrutura de carreiras para manter os profissionais no órgão.

DINHEIRO ? O conselheiro Fernando Furlan, no caso conhecido como ?cartel das britas?, conseguiu firmar um acordo pelo qual as empresas condenadas abriram mão da disputa judicial em troca de descontos nas multas. Isso é uma prática que essa gestão do Cade quer intensificar?

BADIN ? Sim. No meu planejamento estratégico, um dos objetivos é aprimorar e implementar os mecanismos de negociação para encerrar os processos. Isso muitas vezes traz benefícios para ambas as partes e para o interesse público. É bom para a empresa porque, embora ela não esteja pagando nenhum centavo a menos, elimina os custos associados a riscos de imagem e dos processos administrativo e judicial. É um instrumento importante, que precisa ser bem regulamentado.

DINHEIRO ? Os mandatos de três conselheiros do Cade vencem em agosto, em plena campanha eleitoral. Há a preocupação de que o Senado postergue a análise das indicações e acabe atrapalhando o julgamento de ações?

BADIN ? Não vejo o ano eleitoral como prejudicial do ponto de vista de interferência política nas indicações. Mas temo, sim, que possa influenciar negativamente o processo, na medida em que o Congresso acaba funcionando mais lentamente e as reuniões ocorrem de forma mais escassa.