06/07/2011 - 21:00
Depois de uma sucessão de derrotas em disputas internacionais, o Brasil conseguiu colocar um representante numa organização multilateral. O engenheiro agrônomo José Graziano, militante histórico do PT, ex-coordenador do programa Fome Zero no primeiro governo Lula, e atual representante do País na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), vai se tornar o diretor-geral do órgão a partir de janeiro do ano que vem.
Ao ser eleito com 92 votos, quatro a mais do que o ex-chanceler espanhol Miguel Moratinos, Graziano disse que “deixava de ser o candidato brasileiro para ser o diretor-geral de todos os países”. Isso não significa que abdicará de defender os interesses nacionais, como no caso do etanol. “Os biocombustíveis são como o colesterol, há um bom e outro ruim”, disse Graziano.
José Graziano: boca de urna de ministros brasileiros e
apoio dos países em desenvolvimento para assumir a direção-geral da FAO
No governo brasileiro, a eleição de Graziano foi considerada uma coroação pelo avanço da agricultura do País. “É um reconhecimento de que a economia agrária brasileira é uma das melhores do mundo”, disse à DINHEIRO o ministro da Agricultura, Wagner Rossi. Junto com o ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, e o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, Rossi passou o fim de semana fazendo boca de urna pelo brasileiro. Foram mais de 50 reuniões bilaterais em Roma. “Foi uma vitória apertada, e nosso trabalho de corpo a corpo foi importante”, diz Rossi.
A vitória foi celebrada também pela presidente Dilma Rousseff. “Graziano terá todo o apoio do governo brasileiro para levar soluções à FAO, mostrando que é possível compatibilizar o combate à fome, a melhoria de renda dos agricultores e uma produção de alimentos que só cresce em quantidade e produtividade”, disse Dilma.
Além do empenho brasileiro, Graziano contou com a união dos países em desenvolvimento. Os sócios do Mercosul e outros latino-americanos – com exceção do México – não apenas votaram, como fizeram campanha por Graziano. Ainda assim, o resultado mostrou uma FAO dividida praticamente ao meio. O sucesso do Brasil no combate à pobreza, com programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, e a ascensão social dos mais pobres, graças ao crescimento da economia, foram também eficientes cabos eleitorais de Graziano. Mas ele vai precisar mais do que a boa imagem do Brasil para tirar a instituição da irrelevância em que se encontra.
Criada nos anos 1950, a FAO tem um orçamento de apenas US$ 2,2 bilhões, dos quais 65% são consumidos com os salários dos funcionários. Graziano prometeu mudanças. “Espero que ele ajude a evitar o uso abusivo das normas internacionais”, diz o ex-ministro da Agricultura Marcus Pratini de Moraes. “Se o objetivo da FAO é acabar com a fome, é fundamental simplificar o comércio mundial de alimentos.” Moraes lembra que são necessários US$ 15 bilhões – o equivalente aos subsídios agrícolas pagos, no mundo todo, em duas semanas – para acabar com a fome no mundo por um ano.
Para o agronegócio brasileiro, especialmente para os produtores de etanol, ter um brasileiro no comando da FAO pode ser o aval que o País precisava para consolidar o discurso de que é possível conciliar a produção de alimentos com a de biocombustíveis. Por outro lado, Graziano criticou o uso de transgênicos na agricultura, posição defendida pelo agronegócio e pelo próprio governo.
Segundo os especialistas, o maior desafio da FAO é a falta de recursos para comprar comida, num cenário de alta de preços. Depois do recuo, em 2009 e 2010, os preços internacionais dos alimentos já se aproximam dos níveis recordes de antes de 2008. Isso só amplia a tarefa de Graziano. Segundo estudos da própria FAO, há 36 países em crise alimentar, e um contingente de 925 milhões de desnutridos. “Estou convencido de que erradicar a fome é uma meta razoável e alcançável”, afirmou Graziano.