O ex-presidente da Guatemala Otto Pérez, que está detido, ouviu nesta sexta-feira uma nova série de evidências apresentadas pelo Ministério Público que o vinculariam a um esquema de corrupção, a dois dias das eleições gerais no país centro-americano.

Enquanto Pérez, de aspecto sério e olhando para baixo, anotava detalhes das escutas telefônicas apresentadas como evidências contra ele, 150 indígenas se manifestavam em frente à sede do tribunal onde ocorria o segundo dia de audiências perante o juiz Miguel Angel Gálvez.

Na quinta-feira, o juiz decretou uma ordem de prisão provisória contra Pérez por risco de fuga e para proteger sua integridade física, horas após sua renúncia à presidência ante a acusação do Ministério Público de ter comandado uma rede de fraude fiscal em seu governo.

O esquema de cobrança de subornos para sonegar impostos veio à tona em abril passado através do Ministério Público e da comissão da ONU contra a impunidade na Guatemala (CICIG), e provocou manifestações populares pedindo a renúncia de Pérez e de sua vice-presidente Roxana Baldetti, que deixou o cargo em maio.

Durante a audiência desta sexta-feira, transmitida por vários canais de TV locais, Pérez afirmou que, em junho de 1993, quando era chefe de inteligência militar, chefiou uma operação que permitiu a captura do narcotraficante Joaquín Chapo Guzmán.

Ele destacou que, naquele momento, Guzmán e seu pessoal ofereceram uma recompensa em troca de sua liberdade, uma quantia muito superior ao dinheiro que, segundo a Promotoria, recebeu do esquema de corrupção e que o rejeitou.

Segundo a Promotoria, a rede de corrupção recebeu propinas equivalentes a 3,8 milhões de dólares, dos quais 800.000 dólares teriam correspondido a Pérez.

“Eu, senhor juiz, não vou por meu sacrifício e dignidade em jogo nem por 800.000 dólares nem por nenhuma quantia. O dinheiro que pude ter recebido no momento da captura (de Guzmán) era 10 vezes mais que isso e não o aceitei”, declarou perante o juiz Gálvez.

O ex-presidente negou-se a responder às perguntas do juiz e seus acusadores.

O caso contra Pérez, que passou a noite de quinta-feira detido no quartel militar de Matamoros, criou um clima de ebulição na reta final para as eleições do próximo domingo, quando a Guatemala escolherá seus novos presidente e vice-presidente, 158 deputados e 20 representantes do Parlamento Centro-Americano.

Os guatemaltecos indignados, que não pararam de protestar pacificamente todas as semanas desde o início das denúncias de corrupção, em abril, exigem uma mudança no sistema político.

“Os políticos faziam o que queriam, mas esses casos de corrupção fizeram com que muitos despertassem e não vamos fechar nossos olhos novamente”, disse à AFP Luisa Monterroso, uma nutricionista de 34 anos que esteve em vários protestos.

“Acredito que a Guatemala mudou de agora em diante os candidatos e as novas autoridades serão mais fiscalizadas”, acrescentou.

À frente das pesquisas eleitorais se destacam três candidatos, do total de 14 inscritos, com possibilidade de passar para o segundo turno, no dia 2 de outubro.

Uma pesquisa publicada na quinta-feira pelo jornal Prensa Libre situou em primeiro lugar Jimmy Morales, um comediante de 46 anos do partido de direita Frente de Convergência Nacional, com 25% das preferências.

Seguem-no o advogado direitista Manuel Baldizón, de 45 anos, do partido Liberdade Democrática Renovada, com 22,9%, e a ex-primeira-dama Sandra Torres, de 59 anos, da social-democrata União Nacional da Esperança, com 18,4% das intenções de voto.

Para muitos guatemaltecos, as eleições de 2015 são um divisor de águas devido à queda de Pérez.

“Este é um período histórico que a Guatemala vive. É uma crise profunda nunca antes vista no país. Nunca teríamos pensado que alguns poderes seriam tocáveis”, afirmou em coletiva de imprensa a líder indígena e Prêmio Nobel da Paz Rigoberta Menchú.

Outros advertem que a renúncia de Pérez não significa o fim das estruturas que propiciam a corrupção na Guatemala.

“Temos que unir forças, a Guatemala não pode baixar a guarda. O fato de que hoje estejam perante a justiça aqueles que praticaram atos de corrupção não quer dizer que a corrupção tenha acabado na Guatemala”, disse a jornalistas Norma Cruz, diretora da Fundação Sobreviventes.

No mesmo sentido, o economista Mynor Cabrera, da Fundação Econômica para o Desenvolvimento, acredita que o problema de fundo é o modelo de financiamento dos partidos políticos, no qual aqueles que financiam “esperam recuperar esse dinheiro depois”.

“O problema é que tem gente que se alimentou deste sistema e tem muito poder”, avaliou Cabrera.

No entanto, o ex-magistrado colombiano Iván Velásquez, chefe da CICIG, disse em uma entrevista que “esta é a oportunidade mais importante, provavelmente a única, que a Guatemala tem de sair deste estado de corrupção”.

mas/ec/aic/cb/ma/mvv