Em um muro na parte sérvia de Mitrovica, uma cidade etnicamente dividida no norte do Kosovo, um gigantesco afresco mostra um tanque com a letra “Z” e proclama que “os sérvios apoiam os russos, pela liberdade e pela vitória”.

A invasão russa da Ucrânia acrescenta um novo elemento de discórdia nesta ex-província da antiga Iugoslávia, onde a minoria sérvia apoia a Rússia e a maioria albanesa apoia os ucranianos.

Essas diferenças são especialmente visíveis em Mitrovica, uma cidade dividida em linhas étnicas. Ao norte do rio Ibar, há cerca de 20.000 sérvios leais a Belgrado. Ao sul, cerca de 80.000 albaneses kosovares.

“Apoio a Rússia e (Vladimir) Putin”, admite Branka Sofric, estudante de literatura de 20 anos. O presidente russo “é um homem que luta pelo seu povo”.

Do outro lado da ponte principal sobre o Ibar, símbolo da divisão da cidade, as opiniões são muito diferentes.

“De agora em diante você não vê mais o Z”, diz Ekrem Vllahiu, um vendedor de tabaco de 24 anos. “Por quê? Porque é uma letra de sangue”.

– Empatia com a Ucrânia –

Esta ponte foi palco regular de confrontos entre as duas comunidades nos anos que se seguiram à guerra entre as forças sérvias e os rebeldes da independência albanesa, que deixou 13.000 mortos.

O conflito não terminou até 1999, com uma campanha de bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) liderada pelos Estados Unidos.

Há mais empatia pelos ucranianos porque “eles sofrem o mesmo que nós sofremos” durante o conflito contra as forças sérvias, considera Dan Syla, um bombeiro aposentado de 81 anos.

Os albaneses kosovares andam de mãos dadas com o governo de Pristina, capital do Kosovo, que apoiou a Ucrânia inabalavelmente desde o início da guerra, embora não reconheça sua independência, assim como Rússia e Sérvia.

Os quase 120 mil sérvios do Kosovo não reconhecem a soberania de Pristina e são leais a Belgrado, que tenta manter um delicado equilíbrio entre Moscou e a Europa Ocidental.

A Sérvia é candidata a aderir à União Europeia e condenou a invasão russa na ONU, mas não quis se alinhar com os ocidentais nas sanções contra Moscou.

Muitos sérvios se sentem próximos do “irmão mais velho russo”.

Em Mitrovica do Norte, um mural pintado há alguns anos celebra a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 e traça um paralelo com a situação no Kosovo, considerado por muitos o berço da nação sérvia.

“Kosovo é Sérvia, Crimeia é Rússia”, proclama o mural.

– “Conversa interrompida” –

No lado sul, a bandeira dos Estados Unidos está por quase todos os lugares. Os edifícios oficiais geralmente ostentam os símbolos da Otan e da UE.

Para Nexhmedin Spahiu, professor de Ciência Política em Pristina, o novo antagonismo entre os dois lados decorre de seus sentimentos contraditórios em relação aos Estados Unidos, salvadores dos albaneses e instigadores de bombardeios ilegais e injustos para os sérvios.

“O apoio à Rússia é uma manifestação de antiamericanismo. A percepção dos sérvios é que os Estados Unidos são a razão pela qual Kosovo foi tirado deles. Para os albaneses, os Estados Unidos representam a liberdade”, diz ele.

Nas duas margens do Ibar, as pessoas “não se falam”, confirma Dan Syla. “A conversa está interrompida. Mas sabemos que eles apoiam a Sérvia e a Rússia”.