27/02/2024 - 14:04
O transporte internacional de contêineres enfrenta turbulências: baixo nível da água no Canal do Panamá e ataques de milícias houthis no Mar Vermelho obrigam navios a longos desvios e encarecem os fretes.No último dia 12 de fevereiro, rebeldes houthis atingiram um navio grego no Mar Vermelho que transportava milho do Brasil para o Irã. Parece ter se tratado de um engano, pois o Irã é um aliado dessa milícia iemenita, mas o ataque ilustra bem a situação atual do transporte marítimo global.
O que não falta são restrições e obstruções que afetam enormemente o comércio global. O transporte aquaviário, responsável por mais de 80% do volume global de mercadorias, sofre não apenas com os efeitos de conflitos armados, mas também com a pirataria nas águas da Ásia e da África e os baixos níveis de água.
Duas das três vias artificiais mais importantes do mundo não estão totalmente navegáveis no momento: o Canal de Suez, no Oriente Médio, por motivos de segurança, e o Canal do Panamá, na América Central, devido aos níveis de água permanentemente baixos.
Ambas são atalhos importantes nas rotas internacionais do transporte aquaviário por tornarem desnecessária a passagem ao redor dos extremos sul da África e da América do Sul, o Cabo Horn e o Cabo da Boa Esperança.
A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) abordou as atuais restrições no transporte marítimo na quinta-feira passada (21/02), em Genebra. As transportadoras de carga por vezes precisam fazer longos desvios para evitar ataques ou para ter água suficiente sob a quilha. Isso aumenta os custos de frete e o impacto ambiental das emissões dos navios.
As alterações nas rotas e os prolongamentos dos tempos de viagem estão desorganizando muitos planos de distribuição: contêineres estão chegando mais tarde do que o previsto, criando assim problemas para as operadoras portuárias, que costumam organizar e planejar suas capacidades com meses de antecedência. Como resultado, os navios precisam esperar mais para entrar nos portos, e as entregas para os clientes atrasam.
Empresas em dificuldades
Várias transportadoras não estão conseguindo cumprir seus cronogramas, disse o diretor da Ocean Network Express (ONE), Jeremy Nixon, ao jornal Financial Times. Isso começou no mais tardar em dezembro de 2023, quando as milícias iemenitas houthis atacaram embarcações no Mar Vermelho que passariam pelo Canal de Suez. Desde então, os atrasos são constantes.
“Todos estão lutando para cumprir seus cronogramas, e em alguns portos já há superlotação”, disse Nixon. Ele se referia a Xangai e Dubai, bem como a vários portos ao redor do Estreito de Gibraltar.
Os desvios em torno do Cabo da Boa Esperança, no extremo sul da África, elevam de 10 a 14 dias a duração das rotas, o que encarece as importações e exportações não só na Europa, mas também em outras regiões do mundo, inclusive no Brasil.
Segundo Nixon, normalmente a ONE necessita de 12 navios para oferecer um serviço ininterrupto na rota entre a Ásia e o norte da Europa. Os desvios ao redor do Cabo da Boa Esperança custam tempo, e para os 102 dias de uma viagem de ida e volta por esse desvio seriam necessários 16 navios.
A transportadora dele, porém, não dispõe desses navios. Para compensar, os navios da ONE navegam numa velocidade de 10% a 15% mais rápida do que a normal. Mas isso também não basta. “Globalmente, simplesmente não há capacidade de transporte suficiente para compensar as rotas mais longas.”
Atualmente as frotas estão crescendo em todo o mundo – calcula-se que em 2024 haja um aumento na capacidade de 8%, quando o esperado era de apenas 3%. Mas, por um lado, essas novas construções ainda não estão disponíveis e, por outro, no médio prazo elas são uma faca de dois gumes para as empresas de logística, pois uma elevação na oferta de transporte também significa uma queda nas taxas de frete e, portanto, lucros menores.
Custos também ambientais
A Unctad determinou que os preços atuais dos contêineres de Xangai para a Europa aumentaram em média 256% entre dezembro e fevereiro. O principal motivo para isso é o conflito no Oriente Médio. Um número significativamente menor de navios de carga está passando pelo Canal de Suez – 42% a menos do que no mesmo período do ano passado.
A Unctad prevê “efeitos econômicos de longo alcance para o transporte de contêineres”, que levarão a atrasos nas entregas, custos mais altos e aumento da inflação. “O impacto total das taxas de frete mais altas será sentido pelos consumidores dentro de um ano”, afirma.
E a Unctad lembra que rotas de transporte mais longas não significam apenas custos mais elevados. O impacto ambiental também aumenta, tanto devido às rotas mais longas como ao maior consumo de combustível por os navios viajarem mais rapidamente. Numa rota como Cingapura-Roterdã, as emissões de gases de efeito estufa podem aumentar em 70% numa viagem de ida e volta. De acordo com a Unctad, isso tem “custos econômicos e ambientais, que exercem uma pressão adicional sobre os países em desenvolvimento”.