10/10/2022 - 20:18
Uma das lideranças empresariais mais engajadas na questão ambiental, o empresário Guilherme Leal, cofundador da Natura, sabe que as mudanças positivas na sociedade dependem da política. Tanto é assim que, em 2010, ele foi vice na chapa de Marina Silva à Presidência da República. Em entrevista ao Estadão na última sexta-feira, 7, ele afirmou que essa fase de envolvimento direto nas eleições ficou para trás. No entanto, o empresário deixou bem claro que isso não quer dizer ficar isento politicamente, especialmente em um momento em que ele vê riscos à democracia em uma eventual reeleição de Jair Bolsonaro (PL). “Eu acho que um segundo mandato (de Bolsonaro) é perigoso.”
Diante dessa apreensão com o futuro da democracia, mas também em relação à educação e sobretudo ao meio ambiente, Leal afirmou que seu voto é de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 30 de outubro, embora tenha críticas a gestões petistas no que se refere à condução da economia, especialmente no governo de Dilma Rousseff. Ele também apontou a tendência do PT de “olhar para trás” na hora de governar, embora veja uma oportunidade para o petista em um eventual novo mandato: “Lula tem chance de ser um líder mundial na questão ambiental.” O empresário disse que o mundo espera que o Brasil retome seu papel de liderança na discussão da agenda de preservação do planeta.
Com base no que viu nos últimos quatro anos, a chance de protagonismo do País nas discussões globais sobre o clima é nula caso Bolsonaro seja reeleito. O governo federal, segundo ele, não fez o suficiente para combater o desmatamento ilegal na Amazônia e tem fechado os olhos a práticas que historicamente só degradaram as riquezas naturais, sem trazer desenvolvimento para o País, como o garimpo ilegal. E disse ainda que, no exterior, a mudança de percepção sobre o Brasil é bastante clara: “O País deixou de ser protagonista nos acordos climáticos para se tornar um pária (na questão ambiental).”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O sr. tem uma história de trabalho na pauta da sustentabilidade. Estamos em uma encruzilhada em relação a este tema?
Eu acho que tem uma oportunidade fantástica para o Brasil, mas o País deixou de ser protagonista nos acordos climáticos para se tornar um pária (na questão ambiental). Isso pode nos tirar do bonde da história. Temos uma oportunidade única porque temos o melhor e mais importante capital natural do planeta. Podemos ser uma potência econômica, ambiental e agrária. Mas nós estamos em uma política totalmente contrária, de dilapidação do capital natural, uma apropriação por poucos que não gera prosperidade: garimpo, grilagem e desmatamento. É uma apropriação por poucos que gera pobreza e miséria para muitos.
E como mudar essa agenda?
Ainda em 2010 (eleição em que Guilherme Leal foi vice na chapa de Marina Silva), a gente já tentava colocar isso na agenda. Eu acho que os candidatos da época, Lula e José Serra, estavam olhando para trás naquele momento, embora tanto o governo do FHC quanto os governos do Lula tenham sido bons. Desde aquele momento já se tinha a ideia de olhar nosso patrimônio natural e investir em educação, que pode se transformar em ciência e tecnologia e, posteriormente, em riqueza a ser distribuída.
Mas o sr. acha que a preocupação com o meio ambiente se reflete na sociedade? O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi eleito deputado federal, apesar de uma gestão muito criticada na pasta.
O que a gente vê nas pesquisas é que o brasileiro é majoritariamente contra o desmatamento. Mas então qual é o fenômeno que fez isso (a eleição de Salles) acontecer? Acho que tem uma visão, em uma parcela relevante da população, de que ser a favor do agronegócio significa ser a favor do desmatamento. É uma visão que eu considero equivocada. Eu acho que o agronegócio e a conservação inteligente deveriam ser parceiros, pois é claro que a chuva que rega o agronegócio depende da integridade da Amazônia. Além disso, o trânsito do Brasil no comércio internacional depende de uma política responsável de meio ambiente.
Muitos empresários, inclusive sócios da Natura, votaram na Simone Tebet no primeiro turno. O senhor também foi de Tebet? O sr. percebia nela essa visão de combinação de agronegócio e sustentabilidade?
Acho que sim. Entendo que a diversidade é muito importante, e acho que a Simone tem qualidades importantes de conciliação, de promoção do diálogo. Ela se comportou muito bem nos debates. Mostrou sobriedade, inteligência e articulação. Acho que ela era uma opção bastante interessante. Nesse processo de aproximação, não existe consenso absoluto sobre nada, o que tem que se buscar é convergência, com diálogo inteligente, respeitoso e bem informado.
O sr. fez doações no 1º turno a 35 candidatos. Como foi feita essa escolha?
A sustentabilidade não pode ser agenda de um único partido, tem de ser transversal. Saí da política, da minha experiência eleitoral, com a convicção de que não queria mais estar nessa linha de frente. Não é minha vocação. Tenho contribuições melhores a dar, de outras formas. Mas saí também absolutamente convencido que, sem política, é o caos, é a barbárie. Então foi nessa perspectiva que a gente começou a criar essa rede (de apoios). Quem não deve estar nessa rede? Quem estiver nos extremos, quem não aceita o diálogo como essência da política. E tem muita gente hoje, tanto à esquerda quanto à direita, que infelizmente não reconhece o diálogo como elemento essencial. Com fundo eleitoral, porém, as contribuições individuais se tornam absolutamente inexpressivas. É muito mais para marcar posição. Não tenho ilusão que R$ 10 mil para uma campanha de um deputado federal vá fazer muita diferença. É mais algo assim: “preste atenção nessa pessoa porque ela tem qualidades e tem valores”.
Então, voltando ao foco na sustentabilidade, sua escolha de voto é óbvia?
Eu acho que é. Já tomei a minha decisão, porque o governo atual não tem se mostrado, ao longo desses quatro anos, comprometido com a democracia e com o diálogo. Educação, que é outra base do que falo… Nós tivemos quatro ministros, sendo que vários foram alvos de acusações. Na questão ambiental, (o governo) foi na contramão. Por mais que o negacionismo imperasse, os satélites mostram como disparou o desmatamento. E o desmanche institucional do Ibama e de todos esses organismos que deveriam zelar pela preservação e pela aplicação das leis. Noventa por cento do desmatamento que nós temos (no Brasil) é ilegal, isso está provado. A verdade é que esse governo desmanchou a estrutura que poderia fazer com que a lei fosse cumprida. A criminalidade hoje é um problema seríssimo na Amazônia. As condições de segurança, todos os estudos mostram que crime organizado chegou lá, o garimpo ilegal e tantas outras coisas. Hoje realmente a situação está bem pior do que era cinco ou seis anos atrás.
Seu voto no Lula é convicto? Alguns empresários declararam quase que um voto envergonhado no Lula nos últimos dias.
Não acho que meu voto seja envergonhado, mas espero que o Lula tenha aprendido com o passado. Ele é uma liderança política inquestionável, um dos maiores líderes políticos que nós tivemos na capacidade de comunicação com os eleitores. Mas é óbvio que eu tenho enormes divergências com o Lula. Espero que o Lula possa liderar um projeto de grande entendimento. Espero que ele tenha aprendido com as várias experiências não tão positivas do passado e que tenha uma visão de futuro.
O sr. espera um governo mais moderno do Lula?
Eu acho que espero um governo mais moderno sim. Com responsabilidades na economia e sem reestatizar – porque isso se mostra muito pouco eficiente. Essa percepção de que tem um caminho de desenvolvimento novo, que reforça a educação, não é nenhuma coisa mirabolante. E ele tem a chance de ser o líder mundial na questão ambiental. O Brasil pode ser, de fato, um grande protagonista dessa próxima década no mundo. Em um mundo com Rússia e China de um lado e com a União Europeia militarizada, a América Latina, que é uma grande produtora de alimentos e de serviços ambientais, tem uma oportunidade única. Então, o Lula pode se transformar em alguém que passa para a história, não pelo que ele fez, mas pelo que ele pode vir a fazer. Se ele não fizer por convicção, o fará por inteligência política. É algo que eu não acredito que possa acontecer com o atual presidente: tornar o Brasil o maior provedor de alimentos, de serviços ambientais e uma liderança na transição da economia de baixo carbono.
O PT teve um problema sério com a Marina Silva no passado, mas eles acabaram fazendo as pazes. O sr. é muito próximo a Marina. O apoio dela a Lula te anima?
O que me anima é a sinalização. Marina é uma pessoa muito íntegra, que não discute posições e cargos por apoio. Ela dá apoio pelas ideias que defende. Pelo relato que se tem, ela colocou a visão dela para o Lula. Lógico que ela não vai fazer um programa de governo em troca de apoio, mas ela colocou elementos fundamentais de compromissos com essa agenda. Nesse aspecto, (me animo com) essa reaproximação de Marina com o Lula, em prol de uma agenda moderna, que inclui a questão ambiental e a questão educacional, que era a nossa agenda lá de 2010. Temos um problema seríssimo de desigualdade nesse País. Como, de maneira estrutural, se mexe com a desigualdade? Essencialmente com educação de qualidade para todos.
O sr. falou que a democracia é outro pilar de sua visão política. Há risco para a democracia brasileira?
Vejo risco sim. Mais de uma vez tive oportunidade de aderir a movimentos coletivos que demonstravam preocupação com o questionamento das eleições, com o ataque às instituições e aos Três Poderes. E me preocupa mais ainda um eventual segundo mandato do presidente Jair Bolsonaro. Os elementos (de controle desse risco) que se tinham no Congresso ficaram tremendamente fragilizados com os resultados da eleição de 2 de outubro. Este quadro então me deixa muito preocupado com relação à democracia. Temos visto vários exemplos internacionais onde a democracia é erodida por dentro. Eu acho que um segundo mandato (de Bolsonaro) é perigoso.
Se existe esse risco à democracia, por que o empresariado resiste tanto a tomar um lado politicamente?
Olha, eu não posso deixar de tirar a responsabilidade do outro lado. O lulopetismo, em 16 anos, deixou muitas marcas ruins, como a Lava Jato. E eu acho que essas marcas estão muito presentes, há muito antipetismo. E tem um conservadorismo na sociedade que é crescente. São posições que cada um tem o direito de ter, de ser mais ou menos progressista. Se estiver dentro da democracia, tudo bem. O que preocupa é esse conservadorismo exacerbado, que leva a uma desconstrução da institucionalidade democrática. Por outro lado, o (ministro da Economia) Paulo Guedes foi colocado como o “Posto Ipiranga”, o “rei do liberalismo” que viria para mudar tudo isso, mas não aconteceu muito, não é? Então há muita ambiguidade de grande parte dessas lideranças.
O sr. circula internacionalmente, por causa da Natura, que é uma empresa global. Mudou muito a imagem do Brasil de dez anos para cá?
Mudou muito. O Brasil já foi o País de uma Bossa Nova, de uma seleção de futebol maravilhosa que encantou o mundo, do jeito amável do brasileiro… Agora as pessoas criticam o presidente, dizem “como vocês fazem isso?” ou “vocês estão acabando com a Amazônia, tocando fogo em tudo”. E também se fala para esperar mudar de governo, porque do jeito que está não dá para conversar (sobre a agenda ambiental).
Uma mudança na agenda ambiental pode trazer dinheiro novo para o Brasil?
Não tenho dúvida de que uma mudança na orientação política sobre a questão ambiental (traria recursos), temos de restabelecer esse protagonismo. O fluxo de capitais que a gente pode atrair é relevante, mas precisa do mínimo de confiabilidade nas instituições e nos projetos. Acredito que mudando esse governo isso viria a acontecer.