11/02/2009 - 8:00
Gurgel, em foto de 1988 (acima), com o desenho de seu controvertido BR-800, o primeiro carro econômico feito no Brasil
O AMERICANO PRESTON Tucker e o engenheiro brasileiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel jamais se conheceram. Apesar disso, eles tinham muitas coisas em comum. A começar pelo espírito empreendedor e pela paixão por carros. Tucker teve sua saga filmada por Francis Coppola em Tucker – Um Homem e seu Sonho e morreu em 1956 sem viabilizar, em escala comercial, o Tucker Torpedo. Já Gurgel conseguiu a proeza de construir um carro 100% brasileiro. Da pequena fábrica da Gurgel Motores S.A., situada em Rio Claro (SP), saíram milhares de modelos como o jipe Carajás, o buggy X-12TR, o furgão X15, o utilitário Xavante, o elétrico Itaipu e o compacto BR-800, o primeiro automóvel a se beneficiar da lei de incentivo ao carro popular. Eles foram vendidos para cerca de 40 países. Apesar disso, Gurgel viu seu sonho desmoronar no início da década de 1990, exatamente quando estava no auge. Na época, ele chegou a estrelar uma campanha de televisão com o mote “Se Henry Ford o convidasse para ser seu sócio, você não aceitaria?” A ideia era garantir aos compradores de ações o direito de reverter parte do capital para a aquisição da primeira fornada de BR-800. Foi um sucesso. Oito mil pessoas subscreveram as ações, número expressivo para o tamanho da montadora. A Gurgel S.A., contudo, não aguentou a pressão. Parou de produzir em 1994 e faliu em 1996. Na sexta-feira 30, Gurgel morreu, aos 83 anos, em São Paulo, em decorrência de complicações ligadas ao mal de Alzheimer.
Apesar de a fábrica de Rio Claro não produzir um carro sequer há 14 anos, a grife ainda faz parte do dia-adia de muitos brasileiros. Uma pesquisa no site de buscas Google ajuda a compreender a grandiosidade da obra do engenheiro formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São nada menos que 1,85 milhão de citações e 230 clubes dedicados à marca, espalhados de norte a sul do Brasil. O prestígio amealhado junto a uma legião de consumidores nos 27 anos de existência da Gurgel Motores servia de combustível para o empreendedor. “Enquanto teve forças e lucidez, ele tentou buscar meios para reerguer o negócio”, conta Maria Cristina do Amaral Gurgel, filha do fundador da Gurgel. Segundo ela, o empresário jamais se acomodou com a aposentadoria forçada. No período 1996-2000 ele manteve uma rotina de encontros quase diários com possíveis fornecedores e investidores. Também mandou projetos propondo sociedade a investidores estrangeiros. Só parou em 2000, quando, devido à evolução da doença, ele se desconectou da realidade.
PIONEIRISMO: em 1981, Gurgel projetou um veículo elétrico, o Itaipu. Um conceito que hoje todas as montadoras procuram desenvolver
O apogeu e a queda da Gurgel são frutos praticamente do mesmo fenômeno. Para ser competitivo, o empresário baseou sua produção integralmente no que existia no mercado. O motor era o mesmo que equipava os carros da Volkswagen. A carroceria era feita de um composto que misturava fibra de vidro e aço, batizado de plasteel. Acessórios como lanternas e faróis eram idênticos aos usados pelas demais montadoras. Com isso, ele conseguiu fabricar carros relativamente baratos, com baixo custo de manutenção e ampla oferta de peças. Atributos suficientes para que os concorrentes enxergassem nele uma ameaça. O acirramento da concorrência, desencadeado com a abertura do mercado, em 1990, fez com que o suprimento de motores fosse cortado. Gurgel respondeu desenvolvendo e fabricando o próprio motor. A verticalização da produção aliada aos desembolsos para construção de uma fábrica no Ceará, que não saiu do papel, ajudaram a abreviar a estrada do engenheiro no segmento automotivo. Sua Gurgel S.A. deixou um rastro de R$ 280 milhões em dívidas.