17/11/2019 - 14:30
Como uma empresa da chamada “economia real” lida com as mudanças de um mundo cada vez mais digital? “É quase uma questão de sobrevivência”, diz Gustavo Werneck, presidente executivo da Gerdau, uma das maiores siderúrgicas do Brasil. Com 118 anos de história, o grupo começou a implementar em 2016 um amplo processo de mudança cultural para pavimentar essa transformação digital.
Da gestão – Werneck foi o primeiro executivo de fora a assumir o comando da companhia, que sempre esteve nas mãos da família Gerdau Johannpeter – à maneira de ver o negócio, tudo foi repensado. “A Gerdau do futuro vai ser menos commodity de aço.”
Em meio aos desafios de colocar em prática essas mudanças, o grupo Gerdau começou do zero o processo de formação de sua equipe de analistas e cientistas de dados para ajudar a empresa se perpetuar. Há dois anos, criou uma escola para formar esses profissionais. A inteligência artificial, que dá resultados em áreas administrativas, também já ajuda a companhia na área industrial. Sensores em equipamentos coletam dados e ajudam na melhora de desempenho das fábricas.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Como uma empresa como a Gerdau, tão associada à chamada ‘economia real’, vem lidando com as novas exigências do mundo digital?
Para a Gerdau, essa transformação digital é quase uma questão de sobrevivência. Vemos várias empresas tradicionais centenárias desaparecendo. Então, a companhia acredita que, se não passar por transformações importantes dentro de casa e na maneira como gera valor para os clientes, vai desaparecer. Essa reflexão começou há alguns anos e tem sido parte muito presente em nosso dia a dia, porque temos 118 anos de história. Entendemos que a base nas empresas é a cultura. Fizemos uma revisão do que nos ajudou a contar os primeiros 100 anos de história e eliminamos o que não estava ajudando mais.
O que ficou e o que foi eliminado?
Um dos pontos importantes foi manter essa chama empreendedora que faz parte de nossa história. O que saiu? A gente percebeu que não tinha mais aquela abertura entre nós para tratar de temas difíceis, para ouvir os colegas da forma legítima e que estávamos dando pouca autonomia para as pessoas e não estávamos utilizando todo o potencial criativo. E mudar a cultura das empresas é muito difícil: estamos nesse processo, que já trouxe avanços enormes, mas também enfrentamos dificuldades. A gente trocou quase 40% dos nossos líderes nos últimos 5 anos.
Por quê?
Muitos não quiseram participar dessa transformação. Fomos pragmáticos em entender que, se a gente não tiver pessoas capazes de operar numa nova cultura que não tenha hierarquia e um altíssimo nível de colaboração, no qual possa tolerar o erro e entender que isso faz parte do aprendizado, a empresa não muda. Nem todo mundo se adapta.
Como a transformação digital se encaixa nesse processo?
O primeiro passo é a mudança da cultura. Se empresas tradicionais não passam por isso, não conseguem se digitalizar. É pré-requisito. Temos quatro grandes pilares. Além da cultura, o uso intenso da tecnologia. O terceiro é utilização intensa de dados. Desde os 1990, o grupo vem acumulando muitos dados no sistema. Só que muitos deles a gente não imaginava que iria usar mais à frente. E tem a questão de como a gente garante que esses dados são de qualidade. Como criar a ciência de dados apoiando as decisões de negócios? Como não achávamos, decidimos há dois anos criar uma escola interna de formação de cientista de dados. O outro pilar são as novas formas de se trabalhar, sem silos, sem hierarquia vertical, com decisões ágeis.
Como foi o processo de criação da equipe de cientistas de dados?
Pegamos colaboradores que têm aptidão por matemática, física e estatística para se engajarem neste pilar. Converso com outras empresas para incentivar a criação mais estruturada de cientistas de dados. Se isso não acontece, ocorre o que eu chamo de rouba monte: a gente forma e outras empresas tiram.
Já tem formados? Qual o perfil deles?
A gente tem cerca de 30 cientistas de dados – 10 deles estão formados. São colaboradores internos. A gente não busca mais um trainee com formação de engenharia, que saiba falar inglês e que tenha uma experiência fora do País. Abrimos para todas as profissões. A gente trouxe um que não tinha formação como engenheiro, mas trabalhou com o pai dele na confecção de sapatos. Esse rapaz tem uma visão de cliente que a gente nunca teve.
Quais as mudanças da transformação digital nos negócios da Gerdau?
Com metodologias ágeis, começamos a ver resultados em nossos balanços. Quando se começa a transformação digital, é muito legal usar drones, óculos de realidade virtual, mas a gente não conseguiu no primeiro ano traduzir essas iniciativas em resultados.
Quando começou a ficar palpável?
No primeiro ano de implementação, em 2016, encontramos algumas dificuldades. Daí, a gente parou para se organizar melhor. E os resultados começaram a aparecer há dois anos.
O que o balanço já mostrou?
Me assustei com o resultado financeiro que essa transformação pode trazer. Em alguns setores, o potencial do Ebtida (geração de caixa) poderia crescer até 20%. A transformação virou oportunidade adicional de capturar coisas que a gente não enxergava.
Em quais áreas?
Há um item no balanço, o de despesas gerais de vendas e administrativas. Em dois anos, reduzimos em R$ 1 bilhão as nossas despesas.
Onde mais?
Integração cadeia de suprimentos. Tradicionalmente, a Gerdau faz uma grande compra de carvão uma vez por trimestre. Decidimos criar uma plataforma digital com uma enormidade de informações que o mercado divulga, que inclui previsão do tempo em países produtores e estoques de carvão em importantes mercados, como Índia e China. Com essas variáveis, a plataforma nos diz exatamente quando fazer pedido.
E na área industrial?
Na área industrial podemos utilizar cada vez mais a internet das coisas, da indústria 4.0. No Brasil, colocamos 10 mil sensores em mil equipamentos mais importantes para que eles coletem informações de performance. Com isso, os dados vão para uma plataforma e criam um gênio digital, que simula o que está acontecendo com a operação real. Dá para prever a quebra de um rolamento de uma determinada máquina e organizar uma parada de produção. O nosso desafio é melhorar a experiência aos nossos clientes.
Como se faz isso?
Há dois anos, estamos fazendo uma profunda limpeza nos dados. No caso dos clientes, analisamos quando ele compra, quando quer receber. Se atrasamos ou antecipamos a entrega, ou se teve problema logístico no meio do caminho.
Como vai ser a Gerdau do futuro?
Vai ser menos commodity de aço e muito mais uma empresa de serviço. Por muitos anos, a gente vendia perfis metálicos usados na construção civil para uma empresa que fazia fundação. Agora estamos testando uma empresa que criamos aqui para vender a fundação pronta para o cliente. Outra iniciativa foi com a Votorantim e a Tigre. Criamos uma empresa nova, a Juntos Somos Mais, para promover um programa de fidelidade no varejo de materiais de construção.
E a relação da Gerdau com startups?
Temos inúmeras startups nos apoiando. Temos escritório no Vale do Silício para conexão as startups americanas. Recentemente, aprovamos no conselho a criação de um fundo de venture capital para investir em startups no Brasil e nos EUA, ligados à construção civil e ao setor automobilístico. A gente não teria avançado em transformação digital, se a gente não tivesse conectado neste ecossistema.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.